Conselho Federal de Medicina Veterinária proíbe cirurgias consideradas desnecessárias ou que possam impedir a capacidade de expressão do comportamento natural dos pets
Assim como muitos humanos valorizam a estética física, tutores de animais de companhia também vêm oferecendo certos mimos para que os bichinhos fiquem mais bonitos, especialmente cães e gatos. O problema ocorre quando isso ultrapassa o limite desse tipo de serviço disponível, indo além dos cuidados veterinários que incluem banho e tosa, e esbarra na lei de crime ambiental, conforme alerta o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV).
É o caso de cortes estéticos de orelhas e caudas, principalmente de cachorros. O Conselho proíbe as cirurgias consideradas desnecessárias ou que possam impedir a capacidade de expressão do comportamento natural dos animais. As resoluções do CFMV nº 1027/2013 e 877/2008 vedam o corte de cauda (caudectomia), de orelhas (conchectomia) e a eliminação das cordas vocais (cordectomia) em cães. Também não permite a retirada das garras em felinos ( ).
Segundo o CFMV, “essas intervenções cirúrgicas meramente para fins estéticos são consideradas mutilações e maus-tratos praticados contra os animais”. De acordo com o Conselho, “a Constituição Federal do Brasil veda práticas que submetam os animais à crueldade (artigo 23, inciso VII; e artigo 225, § 1º e inciso VII) e o artigo 32 da Lei de Crimes Ambientais (nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998) e considera crime as práticas de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”.
Alerta para veterinários
Por essa razão, “qualquer pessoa que realize esse tipo de procedimento em animais está cometendo crime ambiental e deverá responder civil e criminalmente”. “Já o médico veterinário que fizer uma intervenção dessa natureza, se não por motivo de saúde, ainda estará sujeito a processo ético-disciplinar, conforme prevê o Código de Ética e a resolução do CFMV de combate aos maus-tratos (1.236/2018)”.
Essas cirurgias são admitidas apenas em casos específicos, com indicações clínicas e como forma de tratamento do paciente.
“O animal com a orelha acometida por bicheira (miíase), por exemplo, sem nenhuma chance de cicatrização, pode ter a amputação da orelha recomendada como medida de controle da infecção, mas para fins estéticos a prática é considerada uma mutilação e, portanto, crime ambiental”, explica a médica veterinária Liziè Buss, membro da Comissão de Bem-Estar Animal do CFMV.
Ela também é auditora fiscal federal agropecuária e chefe da Divisão de Bem-estar Animal e Equideocultura da coordenação de Boas Práticas e Bem-Estar Animal (BEA) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
O que é permitido
A especialista explica que o pequeno corte na ponta da orelha esquerda de gatos de rua, que são castrados dentro de um programa de captura, esterilização, vacinação e devolução, também é outra possibilidade permitida pela legislação. O objetivo é facilitar a identificação dos gatos já castrados e evitar que sejam desnecessariamente recapturados para outra intervenção.
Nesses casos, em que a marcação é feita durante a cirurgia de castração, realizada por médico-veterinário, com o animal devidamente anestesiado, o procedimento não configura maus-tratos, nem ato de crueldade. Na verdade, serve de indicação para projetos de manejo populacional e humanitário de gatos, evitando prejuízos ao bem-estar dos animais já castrados.
Mesmo em casos excepcionais, como os citados, os procedimentos devem ser realizados exclusivamente por médico-veterinário, seguindo os padrões cirúrgicos e anestésicos de excelência para garantir o bem-estar animal.
Comportamento animal
Liziè explica que os cães se comunicam usando a linguagem corporal e as expressões faciais. Entre essas manifestações, a cauda e a orelha desempenham um papel essencial.
“Os cães que dispõem de rabos e orelhas bem visíveis conseguem uma comunicação mais clara com outros animais, o que diminui a ocorrência de brigas, e também melhora a interpretação dos sinais para os humanos”, afirma.
Os cães de cauda comprida, além disso, possuem essa estrutura anatômica como contrapeso em corridas.
“O corte acaba interferindo no equilíbrio natural do animal”, afirma. Já o corte de orelha, ela acrescenta que “expõe o canal auditivo, deixando-o desprotegido e vulnerável à entrada de insetos e de água, o que pode favorecer a ocorrência de infecções”.
Procedimentos dolorosos
A médica veterinária ressalta que tanto o corte de cauda como o de orelha são procedimentos dolorosos para o animal.
“Cortar o rabo de um cão significa amputar parte da coluna vertebral, cortando a medula. E a orelha é uma região muito irrigada e sensível, qualquer corte costuma causar bastante desconforto ao animal”, garante.
As vocalizações nos animais também são formas extremamente importantes de comunicação e provocar a mudez de um cão é um ato de crueldade.
“A não ser que o animal tenha um câncer ou outro problema clínico importante, não há justificativa para isso”, afirma Liziè. Para os cães que latem muito, a especialista sugere técnicas de enriquecimento ambiental, de adestramento, de estimulação, de exercício e de gasto energético, as quais ajudam a acalmar o animal e a resolver a situação.
Quando isso começou?
Garras dos felinos
No caso dos gatos, retirar suas garras é outra prática desnecessária, segundo afirma a médica veterinária Liziè Buss, que inibe um comportamento nato dos felinos que é escalar. Também impede o hábito de afiar as unhas, algo muito relacionado com relaxamento e os cuidados corporais dos gatos.
“Mutilar animais sem recomendação veterinária que seja para tratar o animal é crime ambiental e qualquer pessoa que o faça está sujeita às penalidades previstas em lei”, reforça.
Site especializado em animais de estimação, o Perito Animal destaca que retirar as garras envolve um processo cirúrgico pelo qual são removidas as primeiras falanges dos gatos. O Grupo de Estudo de Medicina Felina de Espanha (GEMFE) alerta se tratar de uma intervenção muito dolorosa e que, em 50% dos casos, podem aparecer complicações.
“Além da dor intensa pela qual os gatos passam ao lhes serem retiradas as unhas, que pode inclusive não desaparecer e se tornar crônica, podem ter sérios problemas após a operação como hemorragias, infecções, cistos, fístulas e o gato pode inclusive mancar. Além disso, existe a possibilidade de voltarem a crescer”, informa o site especializado.