Diferencial que valoriza as produções locais, as Indicações Geográficas (IGs), que se subdividem entre Indicação de Procedência e Denominação de Origem, estão se multiplicando nos últimos anos.
Conceito relativamente novo no Brasil, as IGs valorizam e protegem as características — do território ou da maneira de fazer — e agrega valor aos produtos tradicionais de diversas regiões.
Tradição e herança histórico-cultural, ambiente e biodiversidade, notoriedade e saber fazer dos territórios, são informações relevantes para a concessão da Indicação Geográfica (IG) aos produtos de determinadas regiões.
Esse tipo de certificação é uma ferramenta coletiva de valorização de produtos tradicionais vinculados a determinados territórios; por isso, levam sempre o nome da região.
Além disso, a IG agrega valor ao produto verdadeiro e autêntico e protege as regiões originais, onde a disciplina no método de produção confere notoriedade exclusiva ao produto. A Indicação Geográfica dá o amparo legal que protege e garante a exclusividade de uso da marca dos produtos de determinada região sob controle da IG.
Conceito
O conceito de Indicação Geográfica nasceu na Europa e representa produtos que têm uma origem geográfica definida, que apresentam uma reputação vinculada a esse local, devido ao histórico, ao saber fazer, à reputação e às boas práticas tradicionais.
Pode também se originar da relação entre o meio ambiente e a qualidade do produto, seja pela altitude, pela insolação, tipo de solo, ou um microclima que afeta a qualidade do produto de forma benéfica, distinguindo-o de outros que não têm origem específica. Geralmente, a IG reúne esses dois aspectos: geográfico e humano.
Categorias
Há dois tipos de Indicação Geográfica no Brasil. A Indicação de Procedência (IP) indica a origem do produto, baseada na reputação da região, geralmente conhecida por fabricar determinado produto, ou prestar determinado serviço, a partir do histórico e da tradição locais. É o reconhecimento público de que o produto de determinada região possui qualidade diferenciada.
Já a Denominação de Origem (DO) é concedida quando as qualidades do produto sofrem influência exclusiva ou essencial das características daquele lugar, sejam fatores naturais ou humanos. Ou seja, os fatores ambientais – como clima e altitude – e as peculiaridades da região, influenciam no resultado final, na qualidade do produto, de forma identificável e mensurável.
Ao contrário da Europa, onde as IGs e as D.O’s são apenas para produtos agropecuários e alimentícios, no Brasil se inclui minério, pedras e artesanato. O país será pioneiro na certificação de serviço, registrando os softwares do Porto Digital de Recife, abrindo um enorme campo para as empresas de Tecnologia da Informação (TI).
Agregando valor ao produto
Jorge de Paula da Costa Ávila, presidente do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), explica que como órgão responsável pelo registro e reconhecimento das Indicações Geográficas, o INPI não se limita a conceder o registro, mas também se dedica à identificação de potenciais objetos de proteção e na definição das condições para esse reconhecimento.
“A IG é uma oportunidade de negócio, uma maneira de agregar valor aos produtos de determinadas regiões, por meio da organização dos produtores envolvidos na cadeia produtiva, e de levar ao mercado produtos tradicionais, que congregam o conhecimento adquirido ao longo do tempo”, explicou Ávila.
Segundo o presidente do INPI, um produto comercializado apenas regionalmente poderia ser distribuído no mundo inteiro, como acontece com o champagne, exemplifica. Para Ávila, há muitas oportunidades no Brasil no campo da inovação.
Ele lembrou que atualmente o Brasil é um grande consumidor de inovações tecnológicas, mas que poderia ser um produtor de muitas soluções que hoje importa. “Nada contra as importações, mas seria muito bom que pudéssemos trocar, ter pesquisa brasileira em mais volume e incorporada às soluções tecnológicas para o agronegócio do mundo inteiro”, disse.
Champagne: pioneirismo
No continente europeu, Indicação Geográfica é concedida a qualquer produto de origem específica onde alguma etapa de produção foi feita no local. Já a Denominação de Origem (DO) é reconhecida quando todas as etapas de produção acontecem no mesmo local.
O conceito moderno de IG teve início nos primórdios do século XX, quando, principalmente os produtores de vinho, quiseram evitar a contrafação, ou seja, que produtores ‘pegassem carona’ na reputação dos vinhos de determinadas regiões, como Champagne e Bordeaux, na França.
Foi a pressão desses produtores que levaram a uma delimitação clara das áreas de produção, o que equivaleria a uma Indicação de Procedência (IP). Mas só isso não bastava. Era preciso agregar as qualidades do produto, o “saber fazer” e a relação com o meio geográfico.
Assim, a Europa passou a valorizar, também, as boas práticas de produção, ou seja, a origem específica e o nome do local. Um exemplo emblemático é o Champagne, nome da região que produz um tipo de vinho desde o século 12, e que passou a designar o nome de um produto.
Fama e cópia
Após o movimento iniciado pelos produtores de vinho, outros segmentos de produtos alimentícios como queijos, embutidos etc. também requisitaram certificação. Esses produtos ganharam fama por sua qualidade e passaram a ser copiados no mundo inteiro, com denominações que incluíam como prefixo a palavra “tipo”.
Um dos exemplos é o presunto “tipo Parma”. O fato levou os países que já detinham essas IGs muito conhecidas a pressionarem a Organização Mundial do Comércio (OMC) a criar regras para proteger tais produtos. Assim, em 1996, através do acordo da OMC, foi criado o Registro da IG e os países passaram a internalizá-lo nas suas leis.
Novidade no Brasil
Apesar de as Indicações Geográficas terem sido oficialmente reconhecidas após a Lei da Propriedade Industrial nº 9.279 de 1996, o Brasil não tinha qualquer tradição nesta área. Os primeiros registros foram concedidos a produtos estrangeiros, atendendo à demanda externa.
Esses produtores estrangeiros não são obrigados a fazer o registro nos países onde eles comercializam o produto, mas é uma prática recomendável para garantir a proteção, como fez Portugal como seus vinhos Verdes e do Porto, em 1999 e 2012, respectivamente, e a França, com o Conhaque, em 2000. Só muito mais tarde a IG passou a ser uma forma de valorizar os produtos.
Segundo Luiz Cláudio Dupim, coordenador de Fomento e Registro de Indicação Geográfica do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, foi a partir do início do ano 2000 que o Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), o INPI e o Sebrae começaram a intensificar o trabalho de divulgação desse conceito. No Brasil, as IGs — daí a nomenclatura — devem estar necessariamente vinculadas ao nome de uma região geográfica.
Pioneirismo do Sul
A primeira Indicação Geográfica brasileira foi concedida ao Vale dos Vinhedos (em 2002), que, dez anos depois (2012), obteve também o registro adicional de Denominação de Origem (DO). Na opinião de Luiz Cláudio Dupim, este é o exemplo mais exitoso do país. O movimento na região teve início visando recuperar a produção de vinhos em decadência.
Com a ajuda das pesquisas da Embrapa Uva e Vinho, sobre agregação de valor dos vinhos europeus, os produtores conseguiram o registro de Indicação de Procedência. Dupim conta que o pedido de IP do Vale dos Vinhedos era tão completo que já continha todos os elementos para a obtenção da DO, mas os produtores preferiram “dar o primeiro passo” como teste.
A primeira Denominação de Origem brasileira foi concedida apenas em 2010, para o arroz produzido no litoral norte gaúcho, próximo à Lagoa dos Patos. “Por ter água e estabilidade climática, a região parece que foi ‘projetada’ para o cultivo de arroz”, explica o coordenador de Fomento e Registro de IG do INPI. Naquela região alagadiça, o clima é favorável à rizicultura devido a uma constância de temperatura ao longo do ano e o reduzido índice pluviométrico.
Cachaça de Paraty
Paraty (RJ), segundo Dupim, é outro exemplo de IG que recuperou uma atividade. A produção de cachaça na região estava em declínio em decorrência da fixação de regras fitossanitárias muito rigorosas pelo Ministério da Agricultura. E foi o próprio MAPA que desempenhou um papel fundamental junto aos produtores na divulgação do conceito de IP e na adaptação da produção às novas exigências, resgatando a tradição da produção de cachaça na região.
Entre todos os registros de IG no INPI, o de Paraty foi concedido em mais curto espaço de tempo: menos de um ano. Hoje, toda a cachaça produzida em Paraty — cidade histórica cuja principal atividade é o turismo — é vendida localmente, nos alambiques, que passaram a fazer parte do roteiro turístico da região.
Consultoria tecnológica e capacitação
Em entrevista à revista A Lavoura, o diretor-técnico do Sebrae, Carlos Alberto dos Santos fala da parceria com o INPI, da identificação de regiões potenciais e do apoio aos produtores no acesso a serviços para a estruturação e manutenção da IG
O Sebrae é parceiro do INPI na maioria das Indicações Geográficas concedidas?
Sim, o Sebrae é parceiro do Instituto Nacional de Propriedade Industrial em todas as 32 indicações geográficas reconhecidas pelo instituto, mas de maneira e intensidade diferentes. Em alguns casos, o apoio se deu por meio de recursos formais, com a abertura de seleção por edital, mas também houve casos em que a instituição auxiliou na identificação do potencial de regiões para a indicação geográfica ou na certificação de produtos.
Qual o papel do Sebrae nesse processo?
O Sebrae apoia produtores rurais e empresas no acesso a serviços tecnológicos para estruturação e manutenção da Indicação Geográfica (IG). A atuação da instituição vai desde o levantamento histórico, demarcação da área da IG e elaboração do regulamento de uso (norma de produção), à definição e operacionalização dos mecanismos de controle e serviços de design gráfico e de embalagem dos produtos. O Sebrae também desenvolve ações para sensibilizar e esclarecer dúvidas dos produtores, além de orientar quanto à elaboração do dossiê para depósito do pedido de Indicação Geográfica ao INPI, divulgação da indicação e estruturação da entidade gestora da IG.
O Sebrae contribui para identificar possíveis grupos/associações com potencial para obter IG?
Sim, o Sebrae desenvolveu uma solução de diagnóstico de potenciais Indicações Geográficas. Esse diagnóstico foi aplicado na Bahia, Santa Catarina e Pernambuco, e na Ilha do Marajó. O objetivo é levantar, de forma técnica e precisa, o potencial de regiões vinculadas a produtos com real possibilidade de registro junto ao INPI, como Indicação de Procedência ou Denominação de Origem. O diagnóstico permite o levantamento de informações de campo acerca do produto, forma de produção, história, vínculo com o meio, território e organização da produção e capital social envolvido. Essas informações resultam em ranking que indica do maior ao menor potencial de êxito dos projetos.
Na prática, quais as ações do Sebrae no processo? Capacitação, organização, consultoria?
O Sebrae apoia os projetos de IG com soluções próprias ou de parceiros em ações de capacitação e consultoria tecnológica, nos temas de gestão empresarial, propriedade industrial, inovação, sustentabilidade, qualidade e design. O apoio do Sebrae é viabilizado por meio de programas como Agentes Locais de Inovação (ALI) — orientação gratuita de profissionais especializados para a promoção da inovação nos pequenos negócios; Sebrae Mais — soluções para micro e pequenas empresas avançadas expandirem seus negócios; e Sebraetec — instrumento de acesso a conhecimentos tecnológicos e inovação com subsídio de até 90% para implementação das soluções identificadas.
Quais as principais dificuldades dos grupos/associações e em quais áreas (organização, gestão, divulgação etc.) ao longo do processo?
A principal dificuldade é implementação dos mecanismos de controle para garantir a qualidade dos produtos que receberão o selo da IG. Outro obstáculo é o fato de que as indicações Geográficas ainda não são tão conhecidas pela sociedade brasileira. O Sebrae, por sua vez, promove eventos, palestras e publicações para disseminar a importância do tema e oferece consultoria tecnológica para que os produtores possam implementar mecanismos de controle para testar produtos que irão receber o selo.
Depois de criadas, as IGs têm condições de seguir com o projeto com autonomia e longevidade? Há algum caso de IG que tenha estagnado e qual o motivo?
Algumas IG se desenvolvem mais rápido do que outras. Trata-se de um processo natural dentro de uma iniciativa coletiva. As decisões da entidade que representa as empresas e os produtores detentores da IG dependem da participação de todos e da busca do consenso para avançar. É possível seguir com autonomia e longevidade, porém, é importante buscar o apoio de entidades parceiras, públicas e privadas, além da participação dos consumidores e da sociedade. Os bons resultados têm sido conquistados por empresas e produtores a partir da geração de aprendizado e do compartilhamento de experiências, inclusive com outros países.