Com aparência e sabor específicos, o Queijo do Serro é hoje uma produção artesanal bem sucedida, conservando e aproveitando toda a produção leiteira
A maneira artesanal de fazer o queijo de leite cru na região do Serro, em Minas Gerais, foi reconhecida e certificada em 2011, com a Indicação de Procedência (IP), concedida pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). O queijo foi destaque da Edição 707 da Revista A Lavoura, de onde foi extraído o conteúdo abaixo.
A certificação confere uma proteção ao produto, trazendo agregação de valor, pois todo produtor que usar a marca “Serro” deverá seguir as normas de fabricação do queijo, zeladas pela Associação dos Produtores Artesanais de Queijo do Serro (Apaqs).
O processo artesanal de produção do queijo do Serro é uma herança do saber fazer dos imigrantes portugueses vindos da região de Serra da Estrela (Portugal) há mais de dois séculos. É influenciado pelas características do clima, relevo, vegetação e do solo da região, que favorecem a presença de bactérias que interferem em seu sabor.
Hoje, o queijo do Serro é uma atraçã turística. O turismo, aliás, é outro benefício trazido pela Indicação de Procedência, assim como a melhoria do mercado. O preço subiu, e o produto ficou mais procurado e mais valorizado.
Território
A região produtora do queijo do Serro é formada pelos municípios de Alvorada de Minas, Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim, Materlândia, Paulistas Rio Vermelho, Sabinópolis, Santo Antônio do Itambé, Serra Azul de Minas e Serro. Todos estão situados no centro-nordeste de Minas Gerais, na região central da Serra do Espinhaço.
O clima da região é o tropical de altitude. As chuvas são bem distribuídas, entre os meses de setembro e março. A altitude alterna entre 600 a 1.200 m e 67% da área delimitada pela Indicação Geográfica – IG, é montanhosa.
A altitude, as condições geomoforlógicas e edáficas, além das características microclimáticas locais possibilitaram o surgimento de pastagens naturais peculiares dos campos de altitude, dieta base das vacas leiteiras da região.
Processo de rastreabilidade
A Associação dos Produtores Artesanais do Queijo do Serro (Apaqs) foi criada para dar voz e força política aos produtores, após as restrições do Ministério Público à comercialização do produto, restrita ao Estado de Minas Gerais. A cooperativa local, criada há 50 anos, registrou a marca e cuida da comercialização.
Em todo Estado, existem cerca de 30 mil produtores de queijo minas artesanal. Destes, aproximadamente 10 mil estão nas regiões caracterizadas como tradicionais produtoras, produzindo cerca de 10 mil toneladas/dia.
A Emater-MG incentiva o cadastramento das queijarias no Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA). O cadastramento é a comprovação oficial da boa qualidade do queijo, no aspecto sanitário, uma vez que traz segurança alimentar ao consumidor. Também abre portas de novos mercados para o produto.
Procedência Indicação de Procedência 2011 Registro IG 201001 Abrangência: Compreende os municípios de Alvorada de Minas, Conceição do Mato Dentro,Dom Joaquim, Materlândia, Paulistas, Rio Vermelho, Sabinópolis, Santo Antonio de Itambé, Serra Azul de Minas e Serro.
Qualidade e autenticidade
Após a certificação de Indicação de Procedência, a tendência é que o mercado consumidor se amplie a cada dia, e se torne mais exigente quanto à qualidade do Queijo do Serro. Para assegurar a autenticidade do queijo artesanal, há associações de produtores que já pensam em obter o selo de Denominação de Origem Controlada (DOC).
A fim de preservar a história e a tradição, a associação teve a ideia de criar o “São do Queijo”, um museu com artefatos antigos de fabricação (como as fôrmas de madeira) e estrutura de apoio, como auditório.
Padrões de identidade
Cilíndrico, de coloração branca amarelada, pesando entre 700 gramas e um quilo, o Queijo do Serro possui casca de crosta fina e massa interna esbranquiçada, consistente e de sabor levemente ácido. E isso agrega valor, pois o consumidor terá como diferenciar o queijo legítimo do falsificado.
Sua produção é feita a partir do leite cru integral e do uso do “pingo”, um fermento lácteo natural que preserva a microbiota original. Está pronto para o consumo após a “cura”, processo de maturação em que o queijo permanece entre 60 e 120 dias em câmaras com umidade e temperatura controlados. O Serro é ligeiramente mais ácido e menor que o da Canastra.
Um pouco de História
No século XVIII , a antiga Vila do Serro Frio foi ocupada pela Coroa Portuguesa, em busca do ouro e do diamante, abundantes na região. A vila chegou a fazer parte da Estrada Real, como um dos principais centros mineradores do Estado de Minas Gerais. As marcas do garimpo ainda estão na pequena e bucólica cidade, de arquitetura colonial.
Os portugueses iniciaram a atividade pecuária como suporte ao garimpo de ouro e diamante e foi com o declínio do ciclo do ouro que a produção de queijo ganhou impulso, pois era preciso aproveitar o leite, matéria-prima bastante perecível. A técnica de fabricação é a mesma usada na produção do famoso queijo Serra da Estrela, tradicional região produtora em Portugal. O costume foi adaptado pelos moradores do Serro e passada de pai para filho.
O Queijo do Serro
O produto possui características específicas de cor, consistência, gosto e conteúdo de bactérias lácteas. É preparado com leite cru, diferentemente do método industrial, que utiliza processos mecanizados de produção, além de pasteurizar o leite e matar todas as bactérias. O queijo artesanal é mais rico do ponto de vista nutricional, porque é um produto vivo, que mantém a reprodução das bactérias, chamada de maturação ou “cura”.
A produção com leite cru chegou a ser condenada pelo Ministério da Agricultura por questões de segurança alimentar, entretanto, não há riscos se o gado for vacinado contra a tuberculose e brucelose e se a fonte de água utilizada na produção do queijo for de boa qualidade.
O registro nacional do modo artesanal de fazer queijo gera o reconhecimento do bem como elemento identitário da cultura mineira e brasileira. Quem produz se sente orgulhoso do ofício e preserva a maneira de fazer.
Hoje, o queijo do Serro é bastante consumido nas regiões produtoras e em Belo Horizonte. A presença do queijo na cultura mineira vai além do amplo consumo. Há uma série de produtos derivados do queijo, como o delicioso e inigualável pão de queijo. Há também modos de falar que resgatam a força identitária do produto. É o caso da expressão “um abraço, um beijo e um pedaço de queijo”. Na última semana do mês de setembro, o queijo é celebrado na cidade do Serro com uma festa formada por concurso leiteiro, shows e vaquejada.
Patrimônio Imaterial
Considerado o primeiro patrimônio imaterial do Brasil, o queijo foi estudado pelo historiador e professor da Escola de Veterinária da UFMG, José Newton Coelho Meneses, contratado para elaborar um dossiê interpretativo que compõe o Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) do Iphan, a partir do qual é feita a avaliação dos pedidos de registro de bens de patrimônio de natureza imaterial.
A elaboração do dossiê interpretativo sobre o queijo artesanal de Minas durou dois anos. O professor visitou as regiões do Serro, Canastra e Alto Paranaíba, que se destacam na produção da iguaria. Cada região possui sua tipologia específica de produção do queijo, mas há características comuns que permitem identificar um modo de fazer queijo artesanal.