Mitigação de riscos climáticos na agricultura, por *Andréa Luzia de Faria Oliveira e **Mauricio de Souza Sobrinho
Agricultura, arte ou ciência de domesticar os vegetais para produzir bens de consumo como alimentos, vestuário, energia, entre outros. Os vegetais são os únicos seres vivos capazes de produzir energia química (glicose), fibras (lignina) e energia (lipídeos) e para tanto utilizam-se dos que chamamos de fatores de produção (radiação, temperatura, água, CO2 e os nutrientes), cada vegetal necessita de uma relação de equilíbrio entre estes fatores para conseguir nascer, crescer, desenvolver e reproduzir.
A agricultura é praticada há milênios em quase todas as regiões do globo terrestre e em cada região são cultivados um grupo de vegetais os quais encontram naquelas regiões o equilíbrio entre os fatores citados acima que lhes permitem completar seu ciclo de vida. Ao longo de séculos, o homem vem domesticando os vegetais na razão de suas necessidades, promovendo a adaptação de espécies em regiões distantes de seus centros de origem e promovendo seleção a fim de obter os espécimes mais produtivos e isto levou a obtenção de plantas altamente produtivas, porém, foram ao longo do tempo perdendo a variabilidade genética que permitia aos vegetais resistir às variações dos elementos do clima e dos fatores de produção.
É importante considerar que dos fatores de produção alguns como a radiação, a umidade e a temperatura são elementos do clima e esses elementos sofrem influência direta dos fatores do clima que são (latitude, altitude, massas de ar, continentalidade, correntes marítimas, relevo, vegetação).
Risco climático é a probabilidade de ocorrência de eventos climáticos, como secas, tempestades, uma variação brusca na temperatura como as geadas por exemplo, inundações, etc. Os riscos podem ser determinados pela relação entre a probabilidade de sua ocorrência e a severidade, sendo que a probabilidade de ocorrência está relacionada a quantidade de vezes que um evento pode ocorrer em um determinado local num determinado espaço de tempo e a severidade está relacionada a capacidade de um dado evento em causar impactos. Por outro lado, existe a capacidade das estruturas, dos sistemas produtivos, das pessoas, dos animais e também dos vegetais em suportar tais impactos.
Sendo assim, para mitigar riscos climáticos na agricultura é preciso que haja um conjunto de sistemas e estruturas de apoio à tomada de decisão que vão desde a pesquisa científica no melhoramento genético, pelo mapeamento e definição das áreas aptas para a agricultura, ao zoneamento agrícola de risco climático, um bom banco de dados sobre a adaptação dos cultivares existentes, as condições de clima das regiões agrícolas, emprego da irrigação, entre outras técnicas agronômicas relacionadas ao manejo do solo, bem como interação lavoura, pecuária e floresta, políticas de crédito para investimento em máquinas e equipamentos de colheita, em estrutura de armazenagem, logística de distribuição, políticas de seguro agrícola, sendo que todas essas ações isoladas ou associadas entre si são capazes de mitigar os riscos climáticos.
A agricultura contemporânea representa uma atividade econômica de relevância estratégica para todos os países do mundo e o Brasil não é diferente. Nas últimas décadas, as margens de lucro das atividades agrícolas vem diminuindo cada vez mais e quanto maior esse estreitamento das margens, maior é o impacto da ocorrência de eventos climáticos nos resultados da atividade econômica tornando os riscos cada vez maiores. A ideia é que se todas as medidas de mitigação de riscos falharem a atividade deve estar segurada a fim de proteger todos os elos da cadeia, o produtor, os fornecedores de insumos e serviços, os organismos financiadores, etc,.
Deixando de lado os eventos climáticos mais severos, passamos a analisar os eventos climáticos mais brandos. Não podemos esquecer que muito embora, a temperatura seja um fator de produção é antes de mais nada um elemento do clima, portanto, variação na temperatura são eventos climáticos que causam impactos na agricultura, no entanto, as variações na temperatura nem sempre são devastadoras e dadas as capacidade do sistema de produção adotado este será capaz de resistir mais ou menos a essas variações. Qualquer variação na temperatura ideal para uma determinada cultura como soja, milho, algodão, café, etc. promove impactos no rendimento destas culturas causando impactos na rentabilidade da atividade.
O plantio da cultivar adequada para o tipo de solo adequado, na localidade correta, do ponto de vista dos fatores climáticos, com o emprego das técnicas agronômicas adequadas diminuem os riscos drasticamente, contudo, eles ainda podem ocorrer e causar prejuízos e nessa hora os seguros agrícolas são ferramentas essenciais para a manutenção do sistema produtivo, oferecendo segurança a todos os elos da cadeia. No Brasil, as políticas de seguro agrícola precisam ser melhoradas, notadamente do ponto de vista do acesso e da compreensão das regras pelos produtores. Os produtores precisam investir mais na gestão dos riscos e principalmente no registro de suas atividades, registrando dados climáticos locais, dados de produtividade, criando um banco de dados histórico da atividade, a fim de facilitar a demonstração das perdas provocadas pela ocorrência de eventos climáticos, visto que uma das grandes dificuldades para a definição de contratos de seguro é a falta de dados da produção. Essa falta de informação é ainda pior quando há conflito e a seguradora se nega a pagar pelos prejuízos causados pela ocorrência dos eventos climáticos.
Portanto, o seguro rural ou agrícola é uma forma de mitigação dos riscos climáticos e para que seja usado da melhor forma, é imprescindível que você agricultor entenda as diretrizes legais que permeiam esse produto.
A Lei de Política Agrícola nº 8.171/91, em seu artigo 4º, inciso XIII, estabelece entre as suas ações e instrumentos, o seguro agrícola. O artigo 56 desta mesma lei institui o objetivo do seguro agrícola, que é para cobrir os prejuízos decorrentes de sinistros com bens fixos e semifixos ou semoventes. E ainda decorrentes de fenômenos naturais, pragas, doenças e outros que atinjam plantações. As atividades florestais e pesqueiras também estão cobertas pelo seguro agrícola previsto na Lei 8.171/91.
Já a Lei 10.823/2003, que estabelece a subvenção econômica ao prêmio do seguro rural, destaca-se em seu artigo 1º, parágrafo 6º:
“O poder público não poderá exigir a contratação de seguro rural como condição para acesso ao crédito de custeio agropecuário.” (Incluído pela Lei nº 13.195, de 2015)
O parágrafo único do art. 2º, ensina que:
“Poderá ser exigido do produtor rural, como condição para acessar a subvenção econômica de que trata esta Lei, o fornecimento de dados históricos individualizados dos ciclos produtivos antecedentes em relação à atividade agropecuária a ser segurada.” (Incluído pela Lei nº 13.195, de 2015)
A política de resseguro, retrocessão e sua intermediação, as operações de co-seguro, as contratações de seguro no exterior e as operações em moeda estrangeira do setor securitário estão disciplinadas na Lei Complementar nº 126/2007.
A participação da União em fundo destinado à cobertura suplementar dos riscos do seguro rural está disciplinada pela Lei Complementar nº 137/2010.
O Decreto nº 5.121/2004 trata da regulamentação da Lei no 10.823, de 19 de dezembro de 2003, que dispõe sobre a subvenção econômica ao prêmio do Seguro Rural, em que destaca-se o artigo nº 4o e seu parágrafo único: “São beneficiários da subvenção ao prêmio do seguro rural os produtores rurais, pessoas físicas ou jurídicas, que satisfaçam os requisitos exigidos nos termos deste Decreto e demais normas do Comitê Gestor Interministerial do Seguro Rural, de que trata o art. 7o deste Decreto. Parágrafo único. Para se beneficiar da subvenção ao prêmio do seguro rural, o produtor rural deverá estar adimplente com a União, na forma da legislação.
O Capítulo V do Decreto supracitado, trata da operacionalização, monitoramento e fiscalização da subvenção ao seguro rural, em que seu artigo 21, reza: “As sociedades seguradoras, que realizarem operações de seguro rural subvencionado, abaterão do valor do prêmio cobrado dos beneficiários, por seus produtos de seguro, parcela idêntica ao valor da subvenção.”
E por fim, não menos importante, destaca-se o artigo 24 deste mesmo decreto: “Para as culturas temporárias, o seguro rural subvencionado deverá ser contratado em conformidade com o zoneamento agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.”
Num importante julgamento no STJ – Superior Tribunal de Justiça (Agravo em Recurso Especial nº 1.003.670 MT 2016/0267377-0), sobre indenização a ser paga por uma seguradora por prejuízos suportados pelo agricultor em razão de um incêndio, destaca-se trecho da referida decisão em que o Tribunal de origem que julgou o recurso da seguradora manteve o mesmo convencimento do juiz de primeira instância em que decidiram que as cláusulas da apólice de seguro, como individualização da cobertura, rateio e atualização dos valores eram nulas, pois não estavam claras o suficiente para compreensão do contratante, sendo que a do rateio não constava da proposta de seguro.
A decisão acima deixa claro que as cláusulas contratuais, inclusive as de seguro rural podem ser revistas pelo Poder Judiciário, isso se forem confusas, omissas para o entendimento do contratante, já que se trata de um contrato de adesão, unilateralmente confeccionado pela seguradora contratada.
No histórico voto do Ministro Sr. Massami Uyeda do STJ – Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 1.054.992 – MT (2008/0099139-1), acompanhado pelos Eminentes Ministros Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino extinguiram uma execução proposta por uma instituição financeira em razão de um evento climático sofrido por um agricultor que inviabilizou a continuação do seu negócio agrícola e consequentemente o pagamento do financiamento tomado, com base nos seguintes argumentos:
1º) Que o crédito agrícola não pode receber o mesmo tratamento que os demais créditos do mercado;
2º) Que quando o produtor rural enfrentar situações como dificuldade de comercialização dos seus produtos, frustração de safra por fatores adversos e eventuais ocorrências prejudiciais ao desenvolvimento das explorações, ele pode prorrogar a sua dívida;
3º) Que a Lei Agrícola nº 8171/91 também demonstrou sua preocupação em ajustar o crédito à capacidade de pagamento do produtor rural;
4º) Que a teoria do risco do negócio aplicado nas atividades empresariais, de comércio e de prestação de serviço não pode ser usada na atividade da agricultura, pois além dos riscos como fenômenos naturais e pragas, tem o evento do preço mínimo;
5º) A ocorrência do caso fortuito ou decorrente de força maior, seja pela existência de fenômenos naturais, dentre outros, é causa suficiente para liberar o devedor do pagamento do empréstimo;
6º) Cita ainda a Lei 7.827/89 que explica que a frustração do negócio deve ter tratamento diferenciado para o pagamento do débito;
7º) Que o contrato de seguro foi elaborado pelo próprio banco credor, e que é uma de suas empresas que decide se o sinistro deve ser coberto ou não, não podendo o agricultor ser responsabilizado por alguma omissão nas cláusulas do contrato de seguro;
Diante disto, o produtor rural deve estar atento a todas formas de mitigação do risco climático conforme as dicas dadas acima, inclusive fazer valer seus direitos frente ao Poder Judiciário para que o crédito rural tenha um tratamento diferenciado e que com isso, ele continue a contribuir para a segurança alimentar mundial.
*Andréa Luzia de Faria Oliveira, advogada, inscrita na OAB/MG 81.473, gestora de negócios e empreendedora. Sócia da empresa Agroresultys Gestão Avançada e Andréa Oliveira Advocacia & Consultoria para o Agronegócio. Business woman para o segmento Agro. Consultora para Governança Corporativa, Agricultura, Café e Agronegócio. MBA em gestão de negócios pela USP/Esalq. Curso de Direito do Agronegócio pelo Insper. Associada à União Brasileira dos Agraristas Universitários (UBAU) e Vice-Presidente da Comissão Nacional das Mulheres Agraristas da UBAU (CNMAU).
**Mauricio de Souza Sobrinho, engenheiro agrônomo, CREA/MG n. 77332/D.