Plantado de março a abril, garante produção até mesmo onde sa segunda safra era impossível. O Brasil avança para tornar-se grande exportador dessa extraordinária oleaginosa
Quem não conhece o sésamo ou gergelim?Essa pequena semente é usada no revestimento de pães, em saladas, como gersal, homus e tahine, na forma de óleos, margarinas, em doces como halawi, barrinhas de gergelim e diversos outros produtos. Sté poucos anos atrás, sua produção no Brasil era muito limitada, concentrada sobretudo em pequenas propriedades no Nordeste. Nesta década, o gergelim emergiu como cultivo mecanizado no Mato Grosso e outros estados. Ele substitui o milho safrinha e diminui o risco de perdas por falta de chuva, quando o período de plantio do milho já se encerrou. Plantado de março a abril, garante prodsução até mesmo onde a segunda safra era impossível. O Brasil avança para tornar-se grande produtor e exportador dessa extraordinária oleaginosa.
O gergelim ou sésamo (Sesamum Indicum) é uma planta anual da família Pedaliácea. Foi a primeira planta da história utilizada na produção de óleo vegetal, antes da oliveira. O gênero Sesamum contém cerca de 23 espécies selvagens, a maior parte africana. Oito são do subcontinente indiano e, delas, Sesamum indicum var malabaricum, do nordeste da Índia, e Sesamum mulayanum, da costa oeste e sul, estão na origem do gergelim cultivado.
Os restos arqueológicos mais antigos de gergelim fora encontrados na Bacia do Indo (entre 2250 a 1740 a. C.). No Próximo Oriente, os restos são raros e tardios: no reino de Urartu, na Armênia (de 900 a 600 a.C.), e em datas idênticas em Bastan, no Irã, e na Jordânia (800 a..C.). A história do gergelim no Egito é controversa, Seu nome nos hieróglifos ainda não é certo, mas sementes foram encontradas na tumba de Tutancâmon (1343 a.C.). Os textos verídicos de Atharvaveda (1200 a 1000 a.C.) mencionam o gergelim (tila). O termo sânscrito taila (óleo vegetal) se refere ao óleo de gergelim na literatura ayurvédica, como no Tratado Charaka Samhita.
Para o historiador e geógrafo grego Heródoto (485-425 a.C.), o gergelim era produzido no Império Persa, e os babilônios “não usam azeite, mas extraem uma gordura (aleifar) do gergelim”. O filósofo e botânico Teofrasto (372-287 a.C.) descreveu a planta. O enciclopedista romano Plínio (23-79 d.C.) indicou o gergelim como originário da Índia e citou vários usos mediciinais: contra vômitos, inflamações e queimaduras (História Natural 15, XXII, 132). Em A Culinária (De Re Coquinaria), o gastrônomo romano Apício (Marcus Gvius Apicius, 25 a.C. – 37 d.C.) dá uma receita com gergelim torrado.
A palavra portuguesa “gergelim” provém do árabe vulgar jiljilan, derivado do árebe clássico gulgulãn. Esse termo só permaneceu no português e no maltês guglien, sendo minhas pesquisas.A outra denomnação em português, sésamo, é quase universal. É a mesma em inglês, francês, norueguês, espanhol, alemão, turco, tcheco, filipino, samoano, etc., até no árabe moderno (simsim). A palavra vem do latim sesamume do grego sésamon, derivados de semítico acadiano samasamu, e significa literalmente, “planta óleo”. O mesmo em ugarítico e fenício ssmn; árabe simsim; aramaico sussmuma e hebraico sumsum.
Há algo de sagrado no sésamo. A palavra hebraica é como uma duplicação de shem, o Nome, ou seja, Deus, presente em tantas expressões da fé judaica e cristã. (“Em Nome”, “Em Santo Nome”, “Bendito o Nome”..). A cabala lê em suas letras shem–shamaim ou “Nome dos Céus”. A Mishnah inclui o óleo de sésamo (shemen sumsum) entre os mais indicados às luzes do shabath.
As sementes de gergelim ricas em lipídeos são usadas cruas, trituradas ou torradas na culinária e na confeitaria ou na forma de óleo vegetal comestível sem refino. Entre as variedades de gergelim, as sementes brancas e creme têm alta e crescente demanda devido ao seu consumo tradicional na Ásia e no Oriente Médio, e ao crescimento da população e da renda neses países. Seu uso é cada vez mais relevante na Europa, América do Norte e outras partes do mundo em cuilnária (óleo de gergelim torrado); pastelaria (biscoitos de gergelim); panificação (tostado e descasacado na decoração de pães e pãezinhos para hambúrguer, bagels de gergelim); no homus com tahine; e nas bebidas e leites vegetais (sesame milk).
Rico em proteínas, sais minerais, o gergelim tem funções antioxidantes, ajuda no controle do colesterol, reduz o apetite e é muito utilizado na dieta de vegetarianos e veganos. Um conjunto de receitas culinárias, completo e convidativo, da Sésamo Real ilustra o gergelim nas diversas cozinhas do planeta. Além do setor agroalimentar, entre usos industriais, o gergelim têm aplicações em cosmética e farmacêutica, na produção de vernizes, tintas, sabões e xampus.
O gergelim é cultivado em mais de 70 países, sobretudo na Ásia e na África. Índia, Mianmar e China responde por 50% da produção mundial, próxima de 4 milhões de toneladas por ano, em cerca de 7,5 milhões de hectares. No Brasil, a área plantada cresceu mais de 20 vezes nos últimos dez anos. As empresas de sementes, fomento e comercialização do gergelim assumiram riscos e tiveram um papel decisivo nesse crescimento. Hoje, estima mais de 300 mil hectares a área cultivada de 2023. Cerca de 100 mil hectares estão no município de Canarana, no Vale do Araguaia. Mato Grosso é o maior produtor, seguido pelo Pará, Tocantins e Rondônia, e agora até Roraima experimenta essa opção. O cultivo certificado orgânico também se desenvolvei em seis estados no semiárido, em geral, sem mecanização.
O gergelim é uma cultura tolerante à seca, de ciclo curto. Apesar da relativa facilidade agronômica do cultivo, ao ser plantado em rotação ele se beneficia de de adubações e tratos de culturas anteriores. Com a intensificação e a expansão das áreas, o cultivo traz cada vez mais novas exigências técnicas.
Para quem teve atrasos na safra de verão e perdeu a data ou a janela de plantio do milho segunda safra, o gergelim representa uma excelente alternativa. Em áreas com solo arenoso ou até mesmo em regiões onde o cultivo do milho apresenta risco em qualquer situação, o gergelim também se encaixa bem. Para quem busca diversificar sua produção, além de soja e milho, a opção do algodão, por exemplo, exige investimentos, novas máquinas e tem alto custo. Já o gergelim pode ser cultivado com equipamentos da soja, com ajustes; agronomicamente não é difícil, não exige altos investimentos, e sua introdução na rotação de cultivo contribui até no controle de nematoides.
O Instituto Agronômico de Campinas desenvolveu diversas variedades e fornece instruções agrícolas ao cultivo do gergelim. A Embrapa Algodão também orienta com tecnologias e através do zoneamento agrícola do gergelim. Seu programa de melhoramento genético já desenvolveu cultivares BRS Seda (ramificada); BRS Anahi (haste única, com alto teor de óleo: 52%) e BRS Morena (pouco ramificada). A maior parte do gergelim em sistemas intensificados (88%) é da variedade K3, semideiscente (originária dos Estados Unidos, via Paraguai). Seu grão, amargo, é exportado para a fabricação de óleo. O gergelim preto é pouco cultivado (menos de 5%), apresenta muita perda na colheita devido a deiscência e atende um mercado gastronômico gourmet (confeitaria e panificação), como a BRS Morena, marrom-avermelhada.
O cultivo enfrenta desafios no plantio. A preparação do leito de semeadura é exigente. Ela não pode ser profunda e deve propiciar bom contato entre o solo e a semente. Se na colheita da soja, anterior ao plantio do gergelim, não houver a devida regulagem das colhedoras para picar bem a matéria seca e garantir a distribuição no solo, haverá problemas na germinação e na emergência. A pequena dimensão da semente dificulta no plantio com máquinas, concebidas para sementes maiores. Já existe no mercado a semente peletizada. Ela adquire um tamanho próximo ao do sorgo e funciona bem melhor na plantadeira.
Em poucos anos, o Brasil emergiu entre os exportadores de gergelim para a Ásia e Oriente. A Índia é o maior comprador e tem no Brasil seu terceiro fornecedor. O país também é o segundo fornecedor da Arábia Saudita
O poder germinativo das sementes pode ser baixo (de 70% a 75%), e é muito variável entre lotes. Raros agricultores testam o poder germinativo das sementes antes do plantio. O pode germinativo e a qualidade dos grãos dependem muito do tipo de colheita. Há soluções, ainda pouco exequíveis em grande escala. A colheita manual de sementes , sem dessecação das plantas, garante um pode germinativo entre 90% e 95%.
O crescimento inicial do gergelim é lento. A competição de plantas daninhas tem forte impacto na população de plântulas e na produção. O cultivo exige uma boa dessecação das adventícias antes do plantio e seu controle atento no arranque inicial. A produtividade média varia muito, entre 550 e 850 quilos por hectare. Poderia ser mais de 1 tonelada por hectare, como já conseguem os produtores mais tecnificados, não fossem os precalções em todo ciclo; a operação de semeadura, o plantio tardio, a dificuldade de controle das plantas daninhas e, sobretudo, as perdas na colheita, o maior problema do cultivo mecanizado.
As variedades disponíveis ainda são muito deiscentes: na maturação, as sementes destacam-se, caem e empilham-se nas cápsulas abertas. O vento, a plataforma de corte das colhedoras, o sistema de trilha, a ventilação para limpeza de impureza das peneiras…tudo concorre para perdas no solo. As colhedoras são as da soja, com ajustes mecânicos. Alguns agricultores do Mato Grosso buscam produzir, em colaboração com indústrias de máquinas agrícolas, equipamentos adequados à colheita. Sem empreendedorismo do agricultor, há pouca inovação. No caso, os produtores induzem a inovação, e não o contrário. Esse movimento e a necessária obtenção de variedades indeiscentes, com retenção placentáriadsa sementes, são essenciais para rendimentos superiores a 1 tonelada por hectare.
A demanda global por gergelim segue em forte expansão, com crescimento na ordem de 4% ao ano, em volume e valor. O preço médio entregue no exterior é da ordem de U$ 1.200 a 1.400 por tonelada, e o valor entregue ao produtor é de cerca de U$ 1 mil. Em poucos anos, o Brasil emergiu entre os exportadores de gergelim para Ásia e Oriente. A Índia é o maior comprador e tem no Brasil seu terceiro fornecedor. O país também é o segundo fornecedor da Arábia Saudita. A exportação à Turquia, de U$ 6,2 milhões em 2020, aumentoumais de dez vezes em relação a 2016. O Brasil é o quinto maior fornecedor do mercado turco, e a Turquiaé o quarto maior destino do gergelim nacional. Já exporta para Singapura, Vietnã, Grécia e México e outros, num total de mais de 30 países. A abertura do mercado chinês, maior importador, está em estágio avançado. O Brasil, com o dinamismo do agronegócio e a modernidade da produção mecanizada, tem condição, em futuro próximo, de atender 30% a 40% do mercado mundial de gergelim. Talvez mais. Não é fábula. É mais uma caverna de tesouros aberta pelo profissionalismo de produtores, empresas de sementes, fomento e comercialização, e pesquisadores: Abre-te, sésamo!