Um olhar feminino sobre o desenvolvimento do setor
Nascida em uma família de empresários, no interior do Paraná, Mariana Soletti Beckhauser é formada em Comunicação Social – Relações Públicas pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Há 16 anos atuando na empresa que leva o nome da família, lidera um processo de mudança organizacional com foco em propósito, equilíbrio entre a valorização do legado na sucessão e inovação para o futuro.
É uma entusiasta da pecuária e do agro sustentável, e da ideia dos negócios que unem resultados financeiros à geração de impacto positivo para o mundo. Mariana também é cofundadora da Associação Parsifal21, que tem como objetivo ajudar a fortalecer e multiplicar essa visão, a partir do espaço de troca de experiências que inspiram e transformam.
Para falar sobre essa trajetória, a Revista A Lavoura traz, no mês da mulher, uma entrevista com a presidente executiva da Beckhauser, Mariana Soletti Beckhauser, que conta como a gestão impacta no dia a dia dos negócios, a importância de um olhar feminino para o desenvolvimento das atividades e as perspectivas para o futuro do agronegócio como um todo.
Revista A Lavoura: Qual a sua relação com o agronegócio e com as coisas do campo?
Mariana Beckhauser: Nasci numa família empresária de um negócio que atua no agro, então, desde cedo, convivi com o campo. Além disso, em toda minha infância morei em uma chácara e isso foi determinante na minha formação e na construção da minha visão de mundo: o contato próximo com a terra, com a produção do alimento, a harmonia com a natureza.
Revista A Lavoura: Atualmente, você é presidente executiva da Beckhauser. Fale sobre o seu trabalho e ações desenvolvidas pela empresa.
Mariana Beckhauser: Sempre digo que faço tudo e nada. Sou a pessoa menos necessária para a operação da empresa rodar no dia a dia: não aperto nenhum botão, não opero nenhuma máquina, não compro, não vendo, mas, ao mesmo tempo, sou a pessoa que tem a missão de olhar o todo e cuidar do equilíbrio entre as áreas da operação e, além disso, ter a antena conectada ao campo, ao mercado, tanto especificamente falando da pecuária e do mercado em que a Beckhauser atua, quanto abrindo o horizonte para outros “campos”, no olhar de negócios, gestão, sustentabilidade, inovação.
Revista A Lavoura: Como é a sua rotina diária?
Mariana Beckhauser: Minha rotina tem muita conversa. A maior parte do meu tempo é dedicada a reuniões com a equipe, com fornecedores, com parceiros, seja na fábrica, no campo ou online (ferramenta que, nos últimos anos, aprendemos a usar muito mais). Além disso, tenho uma agenda fixa no comitê de inovação, voltado ao olhar de demandas e desenvolvimento de produtos, além de agendas também fixas de acompanhamentos de números com o time de gestão e também de prestação de contas e alinhamento de diretrizes estratégicas junto ao Conselho de Sócios da empresa. Isso é algo que considero fundamental no modelo de gestão para um processo de sucessão, como é o meu caso, funcione bem, pois os números são os instrumentos que nos permitem ter o diagnóstico constante do negócio e também dar aos sócios informação e segurança de como as coisas estão girando sem eles estarem presentes no dia a dia da operação.
Revista A Lavoura: Qual o seu papel na gestão da empresa?
Mariana Beckhauser: Entendo como um dos meus principais papéis na gestão de uma empresa familiar cuidar do legado dos nossos “pioneiros” – como chamamos, inspirados numa visão da antroposofia, os sócios que criaram e trouxeram o negócio até aqui e que emprestam seu DNA à empresa. É deles que vem a inspiração, as diretrizes e a base de sustentação que nos permite desenvolver o negócio para o futuro junto com o time. Na Beckhauser temos a inovação como um dos nossos pilares, e, para o novo encontrar espaço e florescer, é preciso muita história, firmeza nos valores e no propósito base da organização.
Revista A Lavoura: E fora da empresa, qual a sua atuação?
Mariana Beckhauser: Atualmente, participo do Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia, Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá e do Conselho Paranaense de Cidadania Empresarial, além de ser associada ao Parsifal21, organização que apoia o fortalecimento de negócios com propósito. É no campo que buscamos alimento para renovar a visão e a energia para o contínuo reinventar-se que é a gestão de um negócio em seus diversos aspectos.
Revista A Lavoura: Como você avalia o momento atual da pecuária nacional, considerando os impactos da pandemia?
Mariana Beckhauser: Vejo que estamos num momento de reacomodação. A pandemia trouxe um crescimento muito grande e muito rápido para o setor e do segundo semestre de 2022 para cá esses números recuaram um tanto. Entendo que tem um movimento de voltar a um patamar médio normal, com uma dose de insegurança por boa parte do setor em função do cenário político-econômico, além de discussões recentes de questões sanitárias para exportação.
Revista A Lavoura: O que o setor deve esperar em 2023?
Mariana Beckhauser: Enxergo 2023 como um ano de estabilização, sem grande crescimento, principalmente em função do momento do ciclo pecuário (preços de arroba), mas também sem recuo, até aumentando em relação à média dos últimos meses. No longo prazo, vejo com muito otimismo as perspectivas do mercado pecuário brasileiro como fornecedor de alimentos – espaço que, para ocuparmos, vai exigir avançarmos em qualidade e sustentabilidade na produção. Não dá mais para falar em pecuária extensiva, extrativista e sem tecnologia. O caminho é tecnificar para produzir mais com menos área – e temos feito muito bem essa lição.
Revista A Lavoura: A cada dia podemos notar que a mulher no agro está mais ativa, mais presente e contribuindo para melhorias no setor. Como você analisa a participação das mulheres no setor?
Mariana Beckhauser: Vejo isso como um movimento além do agro. É uma questão histórica de que as mulheres tinham menos espaço na sociedade, desde questões básicas do exercício de cidadania, como poder votar, e muito especificamente no mercado de trabalho. Isso vem evoluindo, e vejo uma aceleração muito marcada nos últimos anos, em especial no agro. Um grande fortalecedor desse avanço é o movimento dos grupos de mulheres do agro, que têm se articulado tanto regional quanto nacionalmente para troca de informações técnicas, dificuldades, experiências, de uma forma muito bacana. Além dos grupos, eventos direcionados às mulheres no setor, assim como iniciativas de comunicação, desde influencers que compartilham suas experiências como mulheres no agro, a presença da pauta na mídia e até a criação de editorias específicas em veículos de referência também contribuem muito. Essa capacidade de se unir é um diferencial que as mulheres trazem.
Revista A Lavoura: Quais, em sua opinião, são as contribuições das mulheres, tanto da porteira para dentro quanto em outras áreas?
Mariana Beckhauser: A principal contribuição que vejo, dentro e fora do agro, é trazer, com muita ênfase, um olhar mais humanizado para a gestão, o cuidado com as pessoas, que é algo nato da mulher e que tem sido, cada vez mais, reconhecido como uma nova fortaleza nas empresas, e que, inclusive, ajuda a atrair e reter talentos. Um exemplo bem pontual ligado ao nosso trabalho é a atenção ao bem-estar animal, uma bandeira que a Beckhauser pioneiramente carrega desde a década de 1990 no setor, e que é muito mais presente em fazendas geridas por mulheres.
Revista A Lavoura: Em sua opinião, quais são os desafios para o avanço feminino no setor?
Mariana Beckhauser: O que várias vezes ouvi é sobre a dificuldade em chegar num papel de gestão e conseguir informações num ambiente que é predominantemente masculino. Daí a importância dos grupos como um espaço de troca muito rico, em que se permitem as perguntas que podem parecer bobas, mas para quem está começando na atividade são dúvidas muito comuns.
Revista A Lavoura: Um conselho ou dica para quem pretende viver da pecuária e, consequentemente, contribuir para o agronegócio brasileiro.
Mariana Beckhauser: A dica que eu deixaria é acreditar no seu potencial e naquilo que você tem a contribuir. Não é preciso vestir uma “armadura de homem”, de autoritarismo, algo mais duro, para ser uma gestora no agro. A beleza está justamente em trazer essas cores e esse olhar do feminino para a gestão e saber unir com as características mais masculinas numa construção harmônica de trabalho em time. Temos sempre a ganhar quando encontramos o nosso próprio lugar, onde de fato podemos contribuir com aquilo que temos e somos. Cada dia mais não é sobre ser homem, mulher ou qualquer outra definição de gênero que vai direcionar os espaços, mas sim as competências que cada um traz.