Responsável pelo estudo “Megatendências que podem influenciar o desenvolvimento da agricultura e dos sistemas alimentares”, o pesquisador da Embrapa Mário Seixas afirma que segurança alimentar está relativamente estável no mundo, embora populações no sul da Ásia e na África Subsaariana ainda permaneçam subnutridas ou desnutridas, por conta da ineficiência de políticas públicas locais
A população mundial chegará a 9,8 bilhões, com 4,9 bilhões de pessoas a mais e cerca de 40% concentradas nos centros urbanos, daqui 30 anos. Esse aumento populacional, a crescente urbanização e a maior expectativa de vida (envelhecimento), associados a fatores como mudanças climáticas, degradação ambiental, novas tecnologias na agricultura e alteração nos hábitos de consumo alimentar, vão impactar diretamente no fornecimento de alimentos.
Em três décadas, será necessário produzir 50% a mais para atender ao crescimento da população, enquanto o mercado de carnes precisará dobrar sua capacidade. Os dados estão na nova edição do estudo Megatendências que podem influenciar o desenvolvimento da agricultura e dos sistemas alimentares, publicado pela Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas (Sire) da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Os principais subsídios e fontes são de instituições privadas internacionais de alta reputação, como a agência de risco Fitch, por meio de sua subsidiária Fitch Solutions (Inglaterra), e o Rabobank (Holanda).
“No momento em que a Embrapa começa as atividades para elaboração do VII Plano Diretor (PDE), é necessário aprofundar o conhecimento sobre as megatendências globais. Elas têm origem em contribuições de importantes pesquisadores e cientistas de instituições privadas e governamentais internacionais. Um dos destaques nas análises é que os sistemas agroalimentares globais mudarão dramaticamente até 2050, tendo em vista a complexidade dos fatores envolvidos”, analisa Mário Seixas, pesquisador da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa e responsável pelos estudos.
Especialista em Gestão de Negócios Agrícolas pela Universidade de Reading, Inglaterra, ele realiza análises dos dados de inteligência estratégica desde 2017.
Segurança alimentar
“A segurança alimentar global é hoje relativamente estável, pois o mundo consegue produzir mais alimentos do que se consome, apesar de populações no sul da Ásia e na África Subsaariana ainda permanecerem subnutridas ou desnutridas. Nesse caso, o problema está relacionado a políticas públicas ineficientes. No entanto, nas próximas décadas, teremos episódios de interrupção significativa do fornecimento de alimentos e consequente aumentos de preços”, analisa Seixas.
Mesmo assim, China, Brasil e Índia continuarão a expandir sua produção agrícola. A produção de grãos geneticamente modificados deve aumentar na China, especialmente de milho, enquanto a Índia investirá nas pulses (leguminosas secas, como ervilha, lentilha e grão-de-bico). Estados Unidos, Brasil e Europa continuarão sendo as fornecedoras agrícolas mais importantes no cenário internacional.
De acordo com estimativas do relatório, a elevação das temperaturas reduzirá a produtividade e o rendimento de muitas culturas no mundo. Inundações e secas serão cada vez mais frequentes, o que irá prejudicar os sistemas de produção e distribuição de alimentos. Tais fatores colocam em xeque, desde já, argumentos de que a atual produção global de alimentos será capaz de alimentar a população estimada para 2050.
Consumo
Até 2050, serão 5 bilhões de consumidores com maior poder de compra, resultado do aumento das classes médias na China e Índia. Juntas, elas representarão 59% desse segmento em âmbito global. Mais consumo e mais necessidade de produção de alimentos, consequentemente maior utilização de água e energia. O sul da Ásia e a África serão as regiões mais sujeitas a estresse hídrico e às alterações climáticas nos próximos anos.
Segundo Seixas, a escassez de água criará ainda mais retrocessos do que os atuais. Eles se manifestarão de três maneiras: mais protestos contra governos que utilizam o recurso inadequadamente; aumento de tensões contra países que constroem hidrelétricas ou que investem na agricultura intensiva, apesar da falta da água em seus territórios; mais migração de pessoas afetadas pela seca.
Consumidores mais jovens continuarão críticos em relação a transgênicos, porém, propensos a consumirem outros tipos de produto, por exemplo a chamada carne sintética, de origem vegetal. “A proteína baseada em vegetais será parte do futuro da indústria de alimentos. Empresas tradicionais de carne poderiam se tornar investidores significativos”, ressalta o pesquisador.
O relatório destaca ainda que, até 2050, a dificuldade de aceitação de produtos transgênicos será nos mercados da União Europeia.
Mais conscientes, os consumidores também exigirão sistemas alimentares sustentáveis e novas leis de rotulagem. “A rotulagem mais rigorosa será consequência da epidemia de obesidade e de outras doenças relacionadas à alimentação não adequada”, afirma Seixas.
Essa conscientização do consumidor com relação à saúde também influenciará na formação de novos nichos de mercado e produção de bebidas de mais qualidade. “Os esforços para redução de desperdício e perdas de alimentos deverão continuar”, diz.
Agricultura do futuro
Bioeconomia, biotecnologia e recursos genéticos (vegetais, animais e microbianos), hiperconectividade (essencial na expansão da agricultura de precisão, com os consequentes aumentos de produtividade), economias de escala e a readequação do uso da mão de obra agrícola vão influenciar a agricultura e os sistemas alimentares do futuro.
“A implementação de tecnologia para o campo tem apresentado ótimos resultados. A simples introdução de GPS em máquinas colheitadeiras, por exemplo, consegue aperfeiçoar o deslocamento dos tratores, economizando combustível. À medida que o conceito de Internet das Coisas avançar para o meio rural, a produtividade deve aumentar consideravelmente”, explica o diretor-presidente da Associação Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Luís Augusto de Sousa Ferreira.
Seixas, no entanto, destaca que nem sempre a velocidade da internet no campo atende aos processos que se encontram informatizados, o que representa um desafio para os próximos anos.
Agtechs no agronegócio
As agtechs, empresas (startups) especializadas em criar soluções para o agronegócio, também se somarão à agricultura de precisão para impulsionar os negócios no mundo.
“A China, em particular, vai adotar plenamente o conceito de agtechs em um horizonte de cinco anos, incentivada pelo massivo apoio do governo”, esclarece Seixas.
Na América Latina, os destaques ficam com Brasil e Argentina, que estão adotando as agtechs como estratégia para o desenvolvimento de tecnologias digitais no campo.
Automação
Robótica, inteligência artificial, automação, proliferação da internet e hiperconectividade são as principais tendências que já estão modificando os maiores mercados do agro no mundo. Em países como Coreia do Sul, Singapura, China e Japão a automação não provocará aumento do desemprego, pois, segundo Seixas, são países que investem em educação.
“Por isso, a população tem mais condições de buscar novas ocupações em outras áreas do conhecimento”, diz.
Este não é o caso de países como o Brasil, em decorrência do sistema educacional ainda ser “tradicional”, onde novas habilidades não são estimuladas.
Globalização
No campo da política internacional, o estudo revela que nos próximos anos o protagonismo entre os países irá se alterar. A China, segunda economia mais dinâmica do globo, tenderá a liderar o processo de globalização, podendo substituir, a longo prazo, os Estados Unidos, se as atuais medidas protecionistas avançarem.
O documento, fundamentado nas previsões da agência de risco Fitch, traz a previsão, inclusive, da criação de um “fundo monetário asiático”, totalmente desvinculado do FMI. “O Brasil poderá fazer o mesmo para a América Latina”, diz o relatório.
Internet das Coisas (IoT)
O uso da Internet das Coisas (IoT) poderá promover uma redução do uso de agrotóxicos e insumos por hectare, bem como dos custos de produção. A agricultura de precisão facilitará a detecção de surtos de doenças precoces na pecuária e permitirá o uso mais racional de rações.
As empresas de insumos, a partir de sistemas conectados, oferecerão produtos personalizados aos produtores, reduzindo a intermediação de fornecedores. Já os pequenos proprietários rurais, com menos acesso a tecnologias, sofrerão os impactos dessa evolução tecnológica.
GPS para rastreamento de veículos e sensores instalados em silos de armazenamento de insumos irão promover a redução de despercídios ao longo das cadeias de suprimento. Os dados das propriedades rurais e de toda a cadeia ficarão armazenados na computação em nuvem, o principal aplicativo habilitado pela IoT.
Ásia e Estados Unidos são os maiores protagonistas da computação em nuvem, mas a expectativa do estudo é que até 2050 Oriente Médio e África registrem fortes taxas de crescimento dessa estratégia, especialmente os estados do Golfo, devido ao crescimento econômico com a comercialização do petróleo.
Diálogos Estratégicos
Desde agosto de 2017, a Sire desenvolve estudos de prospecção sobre as oportunidades para o agronegócio brasileiro em mercados tradicionais, não tradicionais e temas especiais globais de interesse para o desenvolvimento do setor. O principal objetivo é gerar continuamente informações qualificadas para orientar estratégias de novos negócios para o agro brasileiro, principalmente nos continentes asiático e europeu.
Foram publicadas e distribuídas, por meio eletrônico, 62 publicações específicas, abrangendo países e temas de interesse do agronegócio, destinadas a inúmeros parceiros e organizações públicas e privadas da Embrapa.
“Nosso objetivo é apresentar a percepção de instituições privadas de renome como a Fitch e o Rabobank em relação ao agronegócio mundial, com destaque para o brasileiro”, explica Mário Seixas, cujos estudos têm sido utilizados como subsídios para missões do governo no exterior. “É interessante explorar esses dados para buscar informações que possam fortalecer o entendimento da complexidade dos fatores envolvidos e servir de subsídios para a tomada de decisões futuras”, finaliza.
A cada nota técnica publicada são divulgados fascículos de apenas uma página que resumem os dados apresentados. Saiba mais acessando o site Agropensa, acessando www.embrapa.br/agropensa/produtos-sire.