Para aumentar o valor nutricional das forrageiras, cientistas da Embrapa desenvolvem nova tecnologia para o setor canavieiro e de biocombustível
Reduzir a recalcitrância da parede celular da biomassa oriunda da cana-de-açúcar, que serve como matéria-prima para a produção de etanol de segunda geração (etanol 2G), tem sido um dos grandes desafios para cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Essa “batalha científica” – que resultou no desenvolvimento da tecnologia Flexcane – envolveu a etapa de desconstrução da biomassa, que ainda é um gargalo dos sistemas produtivos, implicando em grandes custos para a instalação de infraestrutura para o pré-tratamento e hidrólise enzimática das biomassas.
Conforme a estatal, nesse sentido, “identificar e manipular alvos genéticos para a diminuição da recalcitrância é primordial para o desenvolvimento de etanol 2G”.
O nome técnico “recalcitrância da biomassa” surgiu exatamente do fato de a celulose ser quase inflexível na quebra química, dificultando em seu processamento, associado a outros fatores relacionados aos tecidos e células vegetais.
Para solucionar essa dificuldade, um dos ativos biotecnológicos gerados pela Unidade Agroenergia da Embrapa deve produzir impactos na cadeia produtiva canavieira. Trata-se de um gene que modifica a parede celular da planta e facilita a hidrólise enzimática – processo químico que extrai compostos da biomassa, o qual também ocorre naturalmente no processo digestivo de ruminantes ou na indústria sucroenergética.
Identificação do gene
Mestre em Genética e Biologia Molecular, doutor e pós-doutor em Melhoramento Genético de Plantas, o agrônomo Hugo Bruno Correa Molinari, pesquisador da Embrapa Agroenergia, identificou um dos genes responsáveis pela resistência da parede celular de algumas gramíneas ao ataque de enzimas.
Conforme o cientista, a modificação do gene diminui essa barreira e abre um acesso mais fácil aos compostos da biomassa. “A tecnologia pode aumentar a produção de etanol de segunda geração ou outros compostos químicos renováveis, além de reduzir custos na etapa de processamento da biomassa.”
Processo agroindustrial
No caso da agroindústria, a recalcitrância da parede celular é reduzida, visando à obtenção de produtos como amido, celulose, hemicelulose, lignina, óleos e proteínas. Cada um desses componentes possui outros intermediários.
Segundo Molinari, a expectativa é de que a tecnologia Flexcane ajude a diminuir os custos de produção desses materiais: “A cana, com a parede celular otimizada, facilitará diretamente a etapa de pré-tratamento, que faz com que a biomassa exponha os polímeros às enzimas que vão quebrar as moléculas”.
Ele garante que os custos com enzimas também podem ser mais baixos, “uma vez que não será necessário o uso de coquetéis enzimáticos muito sofisticados, que são mais caros, e a quantidade de enzimas utilizadas no processamento poderia ser ainda menor”.
O agrônomo acredita que a Flexcane poderá diminuir o tempo de hidrólise, mas ressalta que esses processos ainda precisam ser testados.
Nutrição animal
Molinari indica que, além da aplicação para o setor de biocombustíveis, a nova tecnologia possa ser aplicada/utilizada no setor de nutrição animal, “uma vez que a modificação genética permite melhorar o valor nutricional de pastagens”.
“A ideia da tecnologia é ter uma cana-de-açúcar otimizada, não apenas para o processamento industrial, mas também como forrageira com a parede celular diferenciada, para o ruminante poder aproveitar melhor os açúcares e proteínas presentes na biomassa.”
O pesquisador destaca que a tecnologia pode ser aplicada em gramíneas de importância econômica, como a Brachiaria, capim-elefante, sorgo e milho. Ainda afirma que a modificação genética não afeta a lignina, que dá sustentação e proteção às plantas.
“A arquitetura da planta se mantém preservada e apenas as ligações químicas, que dificultam o processo de hidrólise, são diminuídas”, atesta.
Disponibilidade no mercado
Molinari informa que a tecnologia Flexcane será oferecida de duas formas. A primeira elas deve ser realizada pela distribuição de uma cultivar geneticamente modificada de cana-de-açúcar, que já foi desenvolvida. Neste momento, a nova variedade está sendo multiplicada para validação da tecnologia em condições reais, em um campo experimental credenciado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).
A segunda deve ser feita com a utilização da nova tecnologia de edição gênica, via CRISPR, que pode resultar em um material convencional com essa característica.
É importante ressaltar que a sigla (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, em inglês) se refere a uma tecnologia inovadora, capaz de modificar o genoma de plantas, animais e microrganismos com mais rapidez. Leia mais sobre o assunto em http://ow.ly/kD1L30nmQ2D.
O agrônomo acredita que serão necessários, no mínimo, quatro anos de avaliação em campo, resultando em dois ciclos de produção canavieira.
Em busca de parceiros Molinari ressalta que a tecnologia Flexcane é “fonte de matéria prima importante para entrar na cadeia produtiva da produção do etanol de segunda geração, que vem assumindo maior importância como fonte de energia renovável”.
Para que essa cana otimizada chegue aos canaviais brasileiros, a Embrapa Agroenergia busca parceiros com interesse em dar continuidade às avaliações e ao seu licenciamento, para depois destinar os materiais ao mercado. A tecnologia já está disponível na Vitrine Tecnológica da estatal.
“Os ativos e tecnologias que geramos podem ser empregados na sua empresa ou propriedade rural, melhorando processos ou gerando novos negócios”, diz o chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Agroenergia, Alexandre Alonso.