Nova variedade foi liberada para comercialização há quatro anos, mas uma nova descoberta fez com que as pesquisas da Embrapa fossem concluídas somente neste ano
Este ano promete ser inovador para o cultivo de feijão no País. É que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) deve lançar o primeiro grão do gênero geneticamente modificado do mundo e o primeiro também totalmente desenvolvido por uma empresa pública. Sua principal característica é conter um gene resistente ao vírus do mosaico dourado, transmitido pela mosca branca.
O Brasil é o maior produtor de feijão do mundo. Um dos alimentos mais consumidos pelos brasileiros, ele é a principal fonte de proteína vegetal, ferro e inúmeras vitaminas, principalmente para as classes menos favorecidas.
A nova variedade, derivada do feijão carioquinha, foi liberada pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), para ser comercializado no Brasil, desde setembro de 2011, antes da conclusão do seu desenvolvimento. Daí as pesquisas terem demorado quase cinco anos mais, por causa de uma descoberta feita durante os testes de campo: o ataque do Carlavírus, que era ocultado pelo mosaico dourado e que afeta também o feijão convencional.
Resultado aguardado
Para chegar ao tão aguardado resultado foram quase dez anos de pesquisa, realizada em parceria entre a Embrapa Arroz e Feijão (GO) e a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF)/Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen). As pesquisas custaram R$ 3,5 milhões e não há previsão de cobrança de royalties dos produtores, como ocorre com a soja.
A partir da liberação, segundo a estatal, foi possível avançar no desenvolvimento, finalizado em 2015, com ensaios de valor de cultivo e uso. Exigidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), estes testes são essenciais para o conhecimento e seleção do material genético. Um pedido de proteção e registro do feijão passa por análise pelo Serviço de Registro Nacional de Cultivares do Mapa. Os critérios de avaliação e validação para uso comercial são os mesmos das sementes convencionais.
A Embrapa também ressalta que há diferenças entre os processos de pesquisa envolvendo transgênicos de empresas privadas e públicas. Ao contrário das particulares, que avançam nas pesquisas em campo, mesmo antes da aprovação, as públicas, que contam com recursos do Estado, só desenvolvem os grãos quando há liberação comercial pela CTNBio.
Nova tecnologia
Pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e da Embrapa Arroz e Feijão, respectivamente, Francisco Aragão e Josias Faria utilizaram quatro estratégias de transformação genética, modificando a planta para que produzisse pequenos fragmentos de RNA, responsáveis pela ativação de seu mecanismo de defesa contra o vírus do mosaico dourado, devastador à lavoura. “Mimetizamos o sistema natural”, diz Aragão. Além disto, os fragmentos de RNA podem causar resistência a várias estirpes do mesmo vírus.
O feijão transgênico apresentou vantagens econômicas e ambientais, a exemplo da diminuição das perdas, a garantia das colheitas e a redução da aplicação de agrotóxicos. “Todas as análises de segurança foram realizadas e o feijão geneticamente modificado é tão ou mais seguro que as variedades convencionais, tanto para o consumo humano quanto para o meio ambiente”, garante Aragão. “O feijão que desenvolvemos não produz nenhuma proteína além das que existem no feijão convencional. As propriedades que impedem a multiplicação do vírus do mosaico dourado não estão presentes em quantidade significativa e não representam risco”, reforça.
Para a Associação Nacional de Biossegurança (ANBio), o primeiro feijão transgênico totalmente desenvolvido no Brasil é o primeiro passo para a independência tecnológica do País, que poderá se tornar também um grande exportador de tecnologia de sementes geneticamente modificadas para o mundo em um futuro próximo.
“Em um momento de crise alimentar, quando o mundo tem cada vez mais necessidade na produção de alimentos, sementes mais seguras e eficientes são a melhor alternativa para garantir a boa produção das lavouras”, afirma a pesquisadora Leila dos Santos Macedo, presidente da ANBio. “Além do potencial para prover alimentos para a população do planeta, o Brasil tem agora chance se consolidar como um dos principais exportadores de tecnologia na agricultura do mundo”, acrescenta.
De acordo com Leila, “todos os organismos GM produzidos no País são confiáveis, pois são analisados caso a caso antes da liberação, seguindo a Lei de Biossegurança brasileira, que é considerada referência e uma das mais rigorosas do mundo”.
Mosaico dourado
Estima-se que o Brasil perca, todo ano, entre 80 mil e 280 mil toneladas de feijão por causa do mosaico dourado, o pior inimigo da cultura no Brasil e na América do Sul. A doença é transmitida por um inseto contaminado, tornando as folhas amareladas e provocando o nanismo, a deformação das vagens e dos grãos e ainda o abortamento das flores. Uma plantação acometida pela doença tem perdas de 40% a 100%.
De acordo com a Embrapa, o mosaico dourado foi constatado em vários Estados brasileiros, com destaque para o Sul de Goiás, parte do Triângulo Mineiro, algumas regiões de São Paulo, Norte do Paraná e no Mato Grosso do Sul. As perdas na produção, ocasionadas por esta enfermidade, podem ser totais, mas dependem da idade da planta no momento da inoculação, do grau de tolerância da cultivar e, possivelmente, da estirpe do vírus.
Os sintomas ficam evidentes quando as plantas apresentam de duas a quatro folhas trifolioladas, manifestando-se por um amarelecimento intenso da lâmina foliar, delimitado pela coloração verde das nervuras, o que dá um aspecto de mosaico. Em cultivares suscetíveis, as folhas novas ficam fortemente deformadas e, se a infecção ocorrer no estágio de plântula, pode produzir uma forte redução dos internódios e, consequentemente, da própria planta. As vagens infectadas podem aparecer deformadas e manchadas.