Consumidoras acima dos 50 anos, renda elevada e ensino superior – como a empresária Maria Luiza Giudicissi Valente (foto) – escolhem melhor a qualidade da carne que consomem e ainda levam em conta a forma como são criados os animais
Mulheres com mais de 50 anos, renda elevada e grau de escolaridade superior são as que mais se preocupam com práticas sustentáveis relacionadas à criação de animais na hora de comprar carne. Essa é uma das informações que consta em uma pesquisa sobre o perfil do consumidor brasileiro, realizada pela Unidade Pecuária Sudeste da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A empresária Maria Luiza Giudicissi Valente, de São Carlos (SP), representa o grupo de consumidoras diagnosticado na pesquisa. É mulher, empresária, tem curso superior, 52 anos e se preocupa com a qualidade dos alimentos que consome.
“Eu pagaria mais por esse tipo de carne por respeito à vida dos animais, das pessoas que trabalham nessa cadeia e por respeito à minha família”, diz a empresária.
Ela imagina que essa carne seja proveniente de um sistema que aplique técnicas de conservação da natureza e respeite as pessoas envolvidas na produção, da fazenda ao frigorífico.
Segundo Maria Luiza, a identificação desse produto nas prateleiras depende do rótulo, que informe a procedência por meio da rastreabilidade.
“Deveria ter um código na embalagem que permitisse que a gente soubesse, imediatamente, na hora da compra, de que fazenda veio, como essa propriedade trabalha, como é a relação com os funcionários, o que o gado come, se ele se alimenta de transgênico, os remédios que ele toma, como é o pasto, se é orgânico ou que tipo de pesticidas eles usam”, opina a empresária.
Saúde em primeiro lugar
A jornalista e blogueira Lylia Diógenes, de Brasília (DF), também se encaixa no perfil identificado na pesquisa. Aos 62 anos de idade e nível de educação superior, ela consome carne regularmente e diz que pagaria a mais por um produto ambientalmente sustentável.
“Considero que a saúde está em primeiro lugar e acredito que uma carne produzida de forma ambientalmente sustentável seja mais saudável. E sou adepta da máxima de Hipócrates: ‘Que seu remédio seja seu alimento, e que seu alimento seja seu remédio’”, cita Lylia.
Já a analista Paula Telles, que é pós-graduada em Direito Processual e moradora da cidade de Franca (SP), ainda não atingiu a faixa de 50 anos (tem 45), no entanto, afirma que também pagaria mais pelo produto em questão.
“Acho que pagaria sim, dependendo do nível da diferença que determinadas condutas podem causar. Mas teriam de me falar das condições do meio ambiente que são preservadas. Se eu souber disso, posso pagar, sim”, reforça Paula.
A pesquisa não levantou a porcentagem que os consumidores estariam dispostos a desembolsar a mais.
Nicho de mercado
De acordo com a Embrapa Pecuária Sudeste, avaliar esse perfil de consumidores de carne no País ajuda a entender um nicho de mercado que valoriza a qualidade do produto em detrimento do preço e dá alta atenção às informações contidas nos rótulos.
Grupos de consumidores como esse são capazes de motivar a expansão de práticas pecuárias sustentáveis que demonstrem cuidados com os animais, com o ambiente e com os trabalhadores envolvidos da produção.
O trabalho foi coordenado pela pesquisadora e engenheira agrônoma Marcela Vinholis, com a participação dos pesquisadores Waldomiro Barioni Júnior (estatístico e mestre em Estatística) e Renata Tieko Nassu (engenheira de alimentos, mestre e doutora em Tecnologia de Alimentos).
Assista ao vídeo institucional da Embrapa Pecuária Sudeste, que explica como foi e quais os resultados sobre o perfil dos consumidores de produtos mais sustentáveis, conduzido pela pesquisadora.
Melhor comunicação
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores aplicaram 634 questionários, que resultaram em 402 respostas válidas. A sistematização e publicação foram realizadas recentemente.
“Essa pesquisa pode representar uma oportunidade para a indústria de alimentos comunicar melhor o uso de práticas de produção ambientalmente mais sustentáveis como estratégia de diferenciação do produto no mercado brasileiro”, afirma Marcela, que é mestre e doutora em Engenharia de Produção .
A pesquisa reconhece os consumidores como potenciais agentes de mudança. “Um comportamento mais responsável pode contribuir para o desenvolvimento sustentável”, explica a pesquisadora, lembrando que é importante continuar monitorando o comportamento dos consumidores para verificar se essas características se mantêm ao longo do tempo.
De olho nos rótulos
O estudo revela também que os consumidores buscam nos rótulos informações sobre a origem do produto. “A indústria que produz carne diferenciada precisa estar atenta para não poluir os rótulos com excesso de informações”, destaca a pesquisadora.
Resultados sugerem que os consumidores são receptivos a mensagens da indústria sobre os benefícios ambientais na compra de produtos oriundos de práticas de produção ambientalmente mais sustentáveis.
“O uso de selos e certificações nos rótulos é uma das possíveis estratégias para sinalizar atributos diferenciais e estimular um comportamento de consumo mais responsável”, acredita Marcela.
Segundo a Embrapa, um eventual excesso de informações pode gerar confusão e tornar-se um obstáculo para a mudança de comportamento.
Tendência no exterior
Mestre e doutora em Tecnologia de Alimentos, a pesquisadora e engenheira de alimentos Renata Tieko Nassu, da Embrapa Pecuária Sudeste, também trabalha diretamente com a qualidade da carne.
Por conta da profissão, ela desenvolveu uma curiosidade natural pelo assunto: sempre que viaja, a cientista gosta de visitar supermercados e observar os padrões de compra de consumidores.
Renata conta que nos Estados Unidos, Europa e Austrália, os consumidores se preocupam com a rastreabilidade e valorizam carne sem antibiótico e sem hormônios. Redes de supermercados especializados em produtos diferenciados se multiplicam e ganham cada vez mais adeptos na busca por produtos mais sustentáveis.
A pesquisadora relembra um fato curioso que notou em suas viagens: a venda em supermercados da carne moída “de um boi só”, o que permite ao consumidor saber de onde veio o produto que está comprando.
“No Brasil, o padrão é misturar carnes de vários indivíduos, mas lá eles estão agregando valor com essa identificação. É uma questão de transparência”, conta.
Em São Carlos (SP), conforme Marcela, já é possível encontrar prateleiras inteiras de produtos diferenciados nos supermercados. “É um nicho em crescimento no Brasil.”
Produção integrada no campo
Os pesquisadores envolvidos nesse estudo sobre o perfil do consumidor também apontam para o fato de o Brasil ser um importante exportador de carne bovina, gerando demandas por adoção de práticas de produção mais sustentáveis e que minimizem o impacto ambiental associado à produção pecuária convencional e extensiva.
A pesquisa cita como exemplo os sistemas integrados de produção, aqueles que situam em uma mesma área a pecuária, a lavoura e, em alguns casos, a floresta.
“A adoção dos sistemas de produção integrados tem sido recomendada e estimulada para a recuperação e renovação de pastagens degradadas”, frisa a pesquisadora.
Marcela conta que esse modelo ajuda ainda na manutenção e reconstituição de cobertura florestal, pois prevê o uso de boas práticas agropecuárias, adequação da unidade produtiva à legislação ambiental e maior diversificação da renda.
Saudáveis, mas ainda muito caros
A pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste explica que as práticas de produção mais sustentáveis costumam ser mais caras, porque envolvem uma gama de tecnologias, como os sistemas integrados entre lavoura, pecuária e floresta (ILPF), produção orgânica, entre outras. Além disso, segundo ela, a baixa escala de produção também impacta o valor de mercado.
Muitas vezes, segundo ela, a produção diferenciada ocorre em pequenas propriedades rurais, que não conseguem diluir o custo no volume de produção, como a produção em massa.
“No caso dos cultivos orgânicos, o alto custo dos produtos reflete também os gastos com insumos, como fertilizantes específicos permitidos para esse tipo de produção”, salienta a engenheira de alimentos.
Na opinião de Marcela, “em todos os casos, trata-se de um aspecto da qualidade do produto a que chamamos de ‘crença’, ou seja, o consumidor tem de acreditar que o produto foi produzido com práticas mais sustentáveis”.
“Ele não consegue avaliar de forma objetiva no momento da compra ou do consumo. É diferente de um indicador mais palpável, como aparência ou sabor, que ele consegue visualizar ou sentir.”
Para resolver esse problema, diz a engenheira de alimentos, “a maioria desses produtos diferenciados envolve a certificação do processo de produção, que visa sinalizar e garantir ao consumidor que aquela informação é crível; e isso também infere um custo adicional ao processo”.