A carne crua, que continua sendo usada como base da alimentação de cães, aumenta o risco de contaminação por bactérias, tanto dos próprios animais quanto das pessoas que convivem com eles no ambiente doméstico
Pesquisa inédita, realizada no Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), identificou, além da Salmonella spp, a presença das bactérias Escherichia coli patogênicas e Clostridium difficile nas fezes de cães que se alimentam de carne crua.
Segundo o professor Rodrigo Otávio Silveira Silva, coordenador da pesquisa, esses patógenos apresentam potencial para causar infecções em humanos, e os efeitos vão desde diarreia até distúrbios sistêmicos graves, que podem levar à morte.
O estudo também revelou, pela primeira vez no Brasil, o perfil de 400 tutores de cães e o que eles pensam sobre a alimentação de seus animais. Os entrevistados, moradores de Belo Horizonte e da Região Metropolitana, em Minas Gerais, foram divididos em dois grupos: o dos que oferecem ração para os cães e o dos que servem carne crua como base da dieta de seus animais.
Os dados, surpreendentes na avaliação do professor, revelaram que 70% das pessoas que oferecem carne crua aos seus cachorros o fazem por acreditar que é um alimento mais natural. Destes, 80% não veem risco de contaminação para o cão, e 95% acreditam não haver risco para humanos.
Riscos
“Percebemos que essa opção é baseada em uma questão filosófica, mas não tem fundamentação científica. As pessoas confundem, acham que os cães são carnívoros, mas não são. Desde que foram domesticados, há mais de 10 mil anos, suas enzimas do trato gastrointestinal sofreram alterações. Eles ainda precisam ingerir mais proteínas, mas só a carne crua traz riscos. A própria Associação Mundial de Veterinários de Pequenos Animais e o Centro de Controle de Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, já alertaram para os riscos dessa dieta”, afirma o professor Rodrigo Silveira.
O médico veterinário, Brennen McKenzie, da Universidade da Pensilvânia, dos Estados Unidos, também acredita que a alimentação crua não passa de algo anedótico e afirma que “natural” não é sinônimo de “saudável.
“Não há evidências convincentes de nenhum dos benefícios específicos à saúde reivindicados para dietas cruas. Os poucos estudos publicados sobre alimentação crua encontraram poucos sinais ou efeitos significativos à saúde, portanto, a maioria das alegações de saúde é puramente anedótica neste momento”, afirma Mckenzie.
O veterinário americano ainda faz um alerta. “O risco mais significativo de dietas cruas é de doenças infecciosas transmitidas por alimentos. Pesquisas apontam que que doenças e a morte de gatos e cães são causadas por patógenos encontrados em dietas cruas para animais domésticos. Embora esses patógenos também possam contaminar dietas cozidas, o risco é significativamente maior para alimentos crus”.
Mckenzie explica que, embora animais de estimação adultos saudáveis e imunocompetentes posam resistir a esses organismos até certo ponto; não há imunidade absoluta em cães e gatos às doenças transmitidas por alimentos. Animais jovens, idosos, imunossuprimidos e seus cuidadores humanos correm um risco ainda maior.
Defensores da dieta crua
Os defensores da dieta de carne crua dizem que ela melhora o desempenho, a pelagem, o odor corporal, os dentes e a respiração dos cães. Enquanto cães de alto desempenho, como galgos de corrida e cães de trenó, são alimentados com dietas de carne crua há anos, a tendência de alimentar carne crua com cães de companhia é nova.
Filipa Calejo, médica veterinária, dá dicas para quem deseja fornecer esse tipo de dieta ao seu pet. “Para evitar a contaminação bacteriana e parasitária a carne deve ser congelada a menos 20 graus durante pelo menos 3 dias. Caso opte por esta dieta deverá informar-se sobre a normas de higiene pessoal e manuseamento adequado da carne crua”.
A médica veterinária, alerta que essa dieta não é aconselhada a animais com o sistema imunitário comprometido, devido ao maior risco de infecção derivada da possível contaminação bacteriana e parasitária. “Além disso, como são agentes zoonóticos, no caso do agregado familiar ter pessoas mais susceptíveis a doenças como crianças, idosos, pacientes oncológicos ou imunodeprimidos também não é recomendado que o cão faça este tipo de alimentação”.