Parceria comercial entre Mercosul e União Europeia deve reunir a segunda maior área de livre comércio do mundo. Juntos, eles somam em torno de 25% da economia global e um mercado de 780 milhões de consumidores. Apesar da boa notícia para o Brasil, o acordo precisa ser aprovado por parlamentares dos dois blocos, o que pode demorar dois anos
O acordo entre o Mercosul e a União Europeia deve modernizar e aumentar a competitividade da agricultura brasileira. A avaliação é da ministra Tereza Cristina, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), feita na quarta-feira (3 de julho), em entrevista à imprensa. Para ela, essa união vai permitir que os produtos do Brasil tornem-se cada vez mais atraentes e alcancem um mercado de aproximadamente 700 milhões de pessoas.
A união Mercosul-UE pode trazer para o País “uma busca de mais qualidade e competitividade para acessar esse mercado, que é um mercado acessado por países como Canadá, Coreia; e o Brasil vai estar em igualdade de condições”, disse a ministra.
Além de tornar as exportações para a União Europeia mais acessíveis para os grandes produtores, Tereza Cristina afirmou que a intenção do governo com a parceria é colocar os pequenos e médios produtores num patamar para que eles possam atingir esse mercado.
“Nós vamos trazer essa possibilidade para esses produtos agrícolas que já são muito competitivos dentro da porteira.”
Anunciada no dia 28 de junho, em Bruxelas (suécia), a união entre Mercosul e UE engloba uma das maiores áreas de livre comércio do mundo, considerando que os dois blocos, em conjunto, somam algo em torno de 25% da economia global e um mercado de 780 milhões de consumidores.
Segundo a Agência Brasil, ao contabilizar o número de países envolvidos e a extensão territorial, esse acordo só perde para o Tratado Continental Africano de Livre Comércio, que envolve 44 países da África e foi assinado em março deste ano. Mesmo assim, conforme a estatal de comunicação, União Europeia e Mercosul fecharam o maior acordo entre blocos econômicos da história, o que deve impulsionar fortemente o comércio entre os dois continentes.
Ainda conforme a Agência Brasil, o acordo de livre comércio eliminará as tarifas de importação para mais de 90% dos produtos comercializados entre os dois blocos. Para os produtos que não terão as tarifas eliminadas, serão aplicadas cotas preferenciais de importação com tarifas reduzidas. O processo de eliminação de tarifas varia levando em conta cada produto e deve levar até 15 anos, contados a partir da entrada em vigor da parceria intercontinental.
Pontos principais
Ainda durante a entrevista coletiva, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, esclareceu os principais pontos do acordo, como o princípio da precaução, os prazos para ele entrar em vigor e as cotas com as quantidades alguns produtos agrícolas que poderão ter benefícios fiscais ao serem vendidos ao bloco europeu.
Ela também lembrou que a parceria poderá abrir caminho para novos acordos comerciais do Brasil, lembrando que há quatro acordos em vista que podem ser fechados nos próximos anos: com Associação Europeia de Livre Comércio, Canadá, Coreia do Sul e Cingapura
Tereza Cristina avaliou que a resistência da França ao acordo Mercosul-UE revela que os produtores daquele país “estão temendo a nossa competitividade”. “Para os brasileiros é muito bom, mostra que estão temendo nossa entrada no mercado”, acrescentou.
Na visão dela, a reação é “normal e esperada, assim como nós vamos ter de fazer alguma adaptação, eles também terão que fazer”.
Princípio da precaução
O secretário de Comércio e Relações Internacionais, Orlando Ribeiro, explicou a inclusão do princípio da precaução, considerando que era um elemento central para que o acordo fosse assinado.
“A gente manteve a expressão mas encapsulou completamente qualquer possibilidade de uso do princípio contra o Brasil. Nós buscamos garantias para evitar ou reduzir o risco desse abuso que justificassem barreiras ao comércio”, disse o executivo.
Ele também informou que esse princípio não consta do capitulo fitossanitário, apenas no capítulo sobre meio ambiente e sustentabilidade. “Isso já tira qualquer possibilidade de aplicação do princípio da precaução para temas sanitários.”
“Nós colocamos várias garantias para que isso não fosse usado politicamente”, disse a ministra, lembrando que o princípio da precaução é um ponto que a União Europeia coloca como base nos seus acordos.
Orlando Ribeiro salientou que, em teoria, o princípio da precaução permite que um país rejeite a importação de um produto alegando que ele faz mal à saúde humana e quem tem que provar o contrário é o país exportador.
“Se a gente aceitasse na acepção original, toda vez que fôssemos exportar os europeus poderiam dizer que não queriam importar um produto porque acham que faz mal à saúde”, comentou o secretário, acrescentando que, no entanto, foram incluídas nas negociações cláusulas expressas para evitar restrições arbitrárias.
Conforme o Ministério da Agricultura, dessa forma, no acordo Mercosul-União Europeia, haverá a necessidade de basear as medidas em evidências cientificas. Caso essas evidências sejam inconclusivas, a aplicação do dispositivo ficou restrita a situações que ocorram no território da parte que aplica a medida, que deverá também assumir o ônus da prova.
Alíquotas
Orlando Ribeiro lembrou que, com esse acordo entre Mercosul e União Europeia, 82% das exportações agrícolas brasileiras ficarão com tarifa zero em dez anos. “O acordo cobre 99% das exportações. Ficou o mínimo com cotas e essas cotas são bastante generosas. Arroz, por exemplo, ficou com uma cota de 60 mil toneladas, frango 180 mil toneladas, açúcar 180 mil toneladas. A reação do setor produtivo tem sido bastante favorável”, disse o secretário.
A ministra também citou o caso do café solúvel e torrado, cujas tarifas serão totalmente zeradas em quatro anos. Ela lembrou que o Brasil hoje só exporta café verde, em grão, e que países como Alemanha e Itália fazem os blends e vendem caro o produto, como café gourmet. “Café é um exemplo muito bom. Teremos alíquota de 9% e desgravação em quatro anos”, informou Tereza Cristina.
Ela também destacou que houve grandes ganhos ao Brasil na exportação de frutas, um grande potencial brasileiro, ainda pouco explorado. Ainda anunciou que a uva, por exemplo, terá a tarifa eliminada assim que o acordo entrar em vigor. E abacate terá alíquota zerada em quatro anos.
Segundo o Mapa, o Brasil também se beneficiou com cotas de açúcar, etanol e carnes, setores tradicionalmente protegidos na Europa.
Meio ambiente
Sobre questões envolvendo o meio ambiente, a ministra afirmou que isso não será um entrave para a execução do acordo, considerando que o Brasil tem leis ambientais, como o Código Florestal, que devem ser cumpridas. “Não muda nada para nós, onde a produção está, ela tem que estar legalizada. O Brasil assinou o acordo de Paris e deve cumprir todas as suas metas.”
Antes de entrar em vigor, o acordo precisa ser aprovado pelos parlamentos da União Europeia e do Mercosul, mas a ministra mostrou-se confiante de que isso ocorra em aproximadamente dois anos.
Comércio e investimentos
Segundo a Agência Brasil, estimativas do Ministério da Economia indicam que o acordo representará um aumento do Produto Interno Bruto (o PIB, que é a soma de todos os bens e serviços produzidos no País) de US$ 87,5 bilhões em 15 anos, podendo alcançar até US$ 125 bilhões se forem considerados a redução das barreiras não tarifárias e o incremento esperado na produtividade.
O aumento de investimentos no Brasil, no mesmo período, será da ordem de US$ 113 bilhões. Com relação ao comércio bilateral, as exportações brasileiras para a União Europeia apresentarão quase US$ 100 bilhões de ganhos até 2035.
“Com a ampliação da pauta de comércio, tanto importações e exportações, você favorece as trocas comerciais com quem você fez acordo, você cria comércio com essa parte e desvia comércio com outra parte. Vejo como uma estratégia de geopolítica importante, ficamos menos dependentes, por exemplo, da exportação de commodities para países como a China. Se a China trava o mercado, você não tem para quem exportar. Agora, esse cenário fica mais favorável”, prevê a economista Danielle Sandi, professora do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB).