Genuinamente brasileiros, os queijos artesanais daqui são seguros para o consumo, conforme apontam testes realizados no Brasil e na Itália, com 582 amostras de 11 tipos diferentes desses produtos. Em nenhuma delas foram encontrados patógenos – como a Salmonella –, responsáveis por casos de intoxicação alimentar ao redor do mundo
Os queijos artesanais produzidos por pequenos, médios ou grandes produtores de vários Estados brasileiros são seguros para o consumo, Além disso, eles possuem uma importante diversidade de microrganismos, que são responsáveis por suas características físicas, químicas e sensoriais.
É o que já atestaram pesquisadores do Laboratório de Microbiologia Quantitativa de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), vinculada à Universidade de Campinas (Unicamp/SP). Em parceria com a Universidade de Nápoles Federico II, na Itália, eles verificaram a diversidade microbiana de uma série de amostras desse produto genuinamente brasileiro e, com esses dados, desenvolveram um mapa.
O levantamento cartográfico foi publicado na revista científica Food Microbiology, em dezembro do ano passado. Seu conteúdo pode ser acessado pelo link (encurtado): ow.ly/v50R30nPCZB.
“É o primeiro trabalho que mostra a caracterização desses microrganismos nos queijos artesanais do Brasil. Isso é importante por uma questão não só econômica, mas também com relação ao patrimônio cultural que esses queijos representam. Sua fabricação e consumo estão ligados com a sociedade e com a história das regiões onde são produzidos”, conta o professor Anderson de Souza Sant’Ana, orientador e coordenador das pesquisas.
Estudo de patógenos
Uma observação muito relevante é que em nenhuma das 582 amostras, de 11 tipos de queijos analisados de diferentes regiões do País, apresentaram patógenos – a exemplo da bactéria Salmonella ou Listeria monocytogenes –, que são responsáveis por vários surtos de intoxicação alimentar registrados ao redor do mundo.
Conforme publicação do Jornal Unicamp, o estudo desses patógenos está em fase de conclusão e também faz parte da tese de doutorado defendida, na FEA, pela zootecnista (e agora, doutora em Ciência de Alimentos pela Unicamp) Bruna Akie Kamimura.
O trabalho contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por meio de uma bolsa de doutorado no Brasil e também da Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (Bepe). Teve ainda o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Bruna assina o artigo publicado na revista Food Microbiology, juntamente com Francesca De Filippis e os professores Sant’Ana e Danilo Ercolini. Na Itália, a nova doutora em Ciência de Alimentos desenvolveu parte de seu doutorado, realizando o sequenciamento genético de amostras selecionadas.
Segundo o Jornal Unicamp, a metodologia que a pesquisadora usou é diferente da análise tradicional feita a partir de meios de cultura, na qual se isolam as bactérias. Nesse caso, os pesquisadores extraem o DNA dos microrganismos diretamente da amostra, conseguindo detectar toda a diversidade microbiana presente.
Produção com leite cru é mais satisfatória
De acordo com o professor Sant’Ana, diferentemente do esperado, o mapa mostra que os queijos feitos com leite cru, como os da Canastra, Araxá e Campo das Vertentes, do Estado de Minas Gerais, têm menor diversidade microbiana que aqueles feitos a partir do leite pasteurizado.
São também ricos em bactérias láticas como a Lactococcus e Lactobacillus, sendo que algumas estirpes já são bastante utilizadas na produção de produtos lácteos.
“Esses microrganismos podem ter efeitos benéficos para o produto. Essa diversidade pode refletir diferenças relacionadas aos ingredientes usados, ao modo de fabricação e também ao ambiente de fabricação, incluindo aspectos climáticos”, destaca o professor.
Os queijos de Minas Gerais feitos com leite cru incorporam o que os produtores chamam de “pingo”, que corresponde a um “fermento” utilizado para inocular o queijo com os microrganismos. O pingo também foi analisado pelos pesquisadores, além do próprio queijo.
“Cada pingo carrega os microrganismos que se adaptaram ao local e que prevalecem naquele produto. Por algum motivo, seja relacionado ao clima, ao produto em si ou à prática empregada, aquele microrganismo é mais abundante e acaba dando ao produto uma característica específica”, complementa o docente.
Outros tipos
Os queijos feitos a partir do leite pasteurizado – como os da Ilha de Marajó (no Estado do Pará) – e o queijo manteiga ou o coalho – da região Nordeste do País – apresentaram maior diversidade microbiana.
“Quando você pasteuriza o leite, são inativados patógenos, mas também uma série de microrganismos que já estão adaptados àquele ambiente e que poderiam levar a características benéficas de sabor, odor, até de textura do produto”, afirma Sant’Ana, acrescentando que, nesse caso, a contaminação pode se dar depois do produto acabado, na manipulação por exemplo.
A coleta de amostras foi feita pelos pesquisadores, que foram até os locais de produção ou comercialização dos queijos. O professor da Unicamp esteve em fazendas do Sul do País, que ainda mantêm tradições trazidas da Itália para fazer o queijo colonial.
“Se conhecemos o que está por trás desses queijos, fica mais fácil pensar em ações no sentido de manter as tradições e suas características, mas ao mesmo tempo garantir sua segurança. Na França, a questão de segurança microbiológica foi superada não acabando com o queijo produzido com leite cru, mas com procedimentos de higiene e cuidados veterinários”, explica Sant’Ana.
Próxima fase da pesquisa
Conforme publicação do Jornal Unicamp, a próxima etapa do trabalho é entender a influência do ambiente de processamento na microbiota dos queijos artesanais. A doutora em Ciência de Alimentos, Bruna Akie Kamimura já coletou amostras de ambiente em três unidades de fabricação da cidade de Medeiros (MG), onde se produz o queijo do tipo Canastra.
Segundo o professor, o mapeamento da diversidade de microrganismos dos queijos artesanais aponta para a necessidade de se compreender as questões históricas relacionadas à produção do queijo artesanal. “Porque se isso for alterado por medidas arbitrárias que não consideram o aspecto cultural, também poderá ser alterada a composição microbiana do produto e, consequentemente, seu sabor e textura”, diz Sant’Ana.
O estudo dos queijos artesanais é abrangente e inclui outros pesquisadores do laboratório (leia a matéria pelo link encurtado: ow.ly/X8Vt30nPFa1).