Empresa visa fortalecer a posição do Brasil como fornecedor global de alimentos seguros (Foto: Pixabay)
Contribuir para a segurança alimentar e saúde pública do Brasil, reduzindo o desperdício de alimentos através de diagnósticos mais ágeis e precisos, posicionando o país como líder não apenas em produção agrícola, mas também em inovação tecnológica para segurança alimentar. Essa é uma das propostas da Percevia Diagnostics (anteriormente Peptina Biotech), startup integrante do SNASH, ecossisterma de inovação apoiado pela Sociedade Nacional de Agricultura (SNA)
“Em essência, queremos que tecnologia de ponta em detecção de contaminantes seja tão acessível quanto termômetros são hoje – uma ferramenta essencial disponível em cada ponto crítico da cadeia produtiva, da fazenda à distribuição”, detalha o co-fundador e CEO Percevia Diagnostics, Marcus Araújo de Ataide
Em entrevista à Revista A Lavoura, o CEO fala um pouco sobre quais os objetivos e posicionamento da empresa, além de trazer à tona quais os desafios e possíveis soluções relacionados ao desperdício de alimentos, e também como o setor precisa de soluções integradas, e não apenas ferramentas melhores, para superar todos os gargalos ainda existentes.

O CEO da Percevia Diagnostics, Marcus Araújo de Ataide. (Foto: Divulgação
A Lavoura: Em relação ao agronegócio, quais os principais objetivos da startup?
Marcus Ataíde: Nossos objetivos se organizam em três níveis de impacto:
No nível imediato, buscamos reduzir drasticamente o tempo de detecção de patógenos e contaminantes – de dias para horas – democratizando o acesso a testes rápidos, precisos e confiáveis para toda a cadeia produtiva, desde pequenos produtores até grandes corporações. Mais do que velocidade analítica, nossa solução elimina a necessidade de investimentos em equipamentos laboratoriais que podem custar milhões de reais, viabilizando o controle de qualidade sanitária em qualquer ponto da cadeia, independentemente do porte da operação.
Estrategicamente, queremos fortalecer a posição do Brasil como fornecedor global confiável de alimentos. Cada teste rápido e preciso é um escudo que protege o acesso aos mercados internacionais. Nosso objetivo é apoiar produtores de todos os portes – de cooperativas familiares a grandes processadores – a atenderem padrões rigorosos de segurança alimentar exigidos globalmente.
Nossa visão de longo prazo é contribuir para a segurança alimentar e saúde pública do Brasil, reduzindo o desperdício de alimentos através de diagnósticos mais ágeis e precisos, e posicionando o país como líder não apenas em produção agrícola, mas também em inovação tecnológica para segurança alimentar.
A Lavoura: Como surgiu a ideia de criar a empresa?
Marcus Ataíde: A Percevia Diagnostics (https://percevia.ai/pt) nasceu de um encontro improvável: um empreendedor apaixonado por transformar ideias em realidade e uma cientista dedicada à pesquisa em nanotecnologia. A pergunta que mudou tudo foi simples: “O que da sua pesquisa poderia trazer benefício direto para a sociedade?” A resposta: “Desenvolvi um novo material que detecta contaminantes em níveis e velocidade que sensores convencionais não alcançam.” Foi nesse diálogo entre visão científica e visão de mercado que nasceu a Percevia.
O ponto de inflexão veio ao conversarmos com produtores do agronegócio. Descobrimos um gargalo crítico: produtos perecíveis ficavam dias aguardando resultados de testes microbiológicos convencionais, que levam de 3 a 7 dias. Isso criava um dilema impossível – liberar produtos sem confirmação de segurança ou perder valor comercial esperando.
Para o Brasil, que alimenta 10% da população mundial e exporta para mais de 190 países, esse gargalo ameaça não só a economia, mas nossa reputação como fornecedor global de alimentos seguros. Foi então que decidimos transformar nossa inovação científica em uma ferramenta diagnóstica capaz de reduzir esse tempo de dias para horas, protegendo saúde pública e competitividade do setor.
O apoio do SNASH foi determinante para validar nossa tecnologia e adaptá-la às necessidades reais da cadeia produtiva alimentar brasileira.
A Lavoura: De forma geral, como as soluções da empresa impactam na sociedade?
Marcus Ataíde: O impacto da Percevia Diagnostics se manifesta em várias dimensões da sociedade brasileira:
Proteção à saúde pública é nosso impacto mais fundamental. Ao detectar contaminantes antes que produtos cheguem aos consumidores, ajudamos a prevenir doenças transmitidas por alimentos, que afetam milhões de pessoas anualmente. Isso é especialmente crítico para populações vulneráveis – crianças, idosos e imunossuprimidos.
Economicamente, protegemos os meios de subsistência de agricultores e produtores. Um único incidente de contaminação pode custar entre R$ 15 a 60 milhões em recalls e perdas de marca. Nossa tecnologia funciona como um seguro preventivo, detectando problemas antes que se tornem crises. Além disso, ao reduzir o tempo de espera por resultados, diminuímos perdas por produtos perecíveis retidos em estoque.
Para a competitividade nacional, cada teste confiável fortalece a reputação dos produtos brasileiros no exterior. O setor alimentício representa 10,6% do PIB brasileiro e emprega 1,8 milhão de pessoas no processamento. Quando produtos brasileiros são reconhecidos globalmente por sua segurança e qualidade consistentes, isso se traduz em oportunidades econômicas para milhares de produtores, do pequeno agricultor familiar às grandes cooperativas.
Confiança do consumidor é outro impacto crucial. Em um mundo onde as pessoas querem saber não apenas de onde vem sua comida, mas se é segura, nossa tecnologia fornece essa garantia verificável. Isso fortalece marcas brasileiras tanto no mercado doméstico quanto internacional.No final do dia, estamos criando uma rede de segurança que protege simultaneamente a saúde pública e o papel do Brasil como potência agrícola global responsável.

Projeto recentemente aprovado será financiado pelo IraSME (https://www.ira-sme.net/) em um consócio Brasil/Alemanha. Foto: Divulgação
A Lavoura: Qual a importância das ações da empresa para o desenvolvimento do segmento?
Marcus Ataíde: A Percevia Diagnostics atua como catalisador da modernização e fortalecimento do setor alimentício brasileiro em várias frentes:
Democratização tecnológica é fundamental. Historicamente, testes rápidos de patógenos requeriam equipamentos caros e laboratórios especializados acessíveis apenas a grandes corporações. Estamos trazendo qualidade laboratorial para toda a cadeia produtiva – cooperativas, processadores de médio porte, centros de distribuição – não apenas os gigantes do setor. Isso nivela o campo de jogo e permite que produtores de todos os portes atendam padrões internacionais.
Suporte à conformidade regulatória é cada vez mais crítico. À medida que ANVISA e MAPA alinham padrões brasileiros com requisitos internacionais, produtores precisam de ferramentas para não apenas cumprir, mas exceder essas normas. Nossa tecnologia facilita essa adequação.
Preservação do acesso a mercados é estratégica. O Brasil exporta para mais de 190 países, e um único incidente de contaminação pode fechar mercados inteiros por anos. Detecção rápida ajuda manter a reputação duramente conquistada do setor e o acesso aos mercados globais.
Cultura de inovação preventiva – estamos ajudando o setor evoluir de uma abordagem reativa (testar após produção) para preventiva (monitorar durante produção). Nossa solução faz parte dessa transformação digital mais ampla na agricultura, ao lado de agricultura de precisão, sistemas de rastreabilidade e análise de dados.
Transferência de conhecimento – além da tecnologia, contribuímos com treinamento, compartilhamento de melhores práticas e colaboração com instituições de pesquisa, fortalecendo a expertise em segurança alimentar em todo o setor.
O apoio do SNASH foi fundamental nessa jornada, nos ajudando a validar nossa tecnologia e conectar com o ecossistema do agronegócio. Esse suporte demonstra como o ecossistema brasileiro de inovação está fomentando soluções agritech que endereçam desafios reais do setor – não é inovação pela inovação, mas desenvolvimento tecnológico estrategicamente orientado para resolver gargalos concretos da cadeia produtiva, fortalecendo simultaneamente a segurança alimentar e a competitividade do agronegócio brasileiro.
Gostaria ainda de acrescentar que, recentemente, recebemos a noticia que o nosso projeto foi aprovado e será financiado pelo IraSME (https://www.ira-sme.net/) em um consócio Brasil/Alemanha no valor de 550 mil euros ou 3.5 milhões e meio de reais. Este projeto visa, primeiramente, o desenvolvimento de um biossensor eletroquímico portátil para detecção rápida de Streptococcus pneumoniae em sangue total.
A Lavoura: Como você avalia o cenário atual do setor e quais as perspectivas para o futuro?
Marcus Ataíde: Avaliação do cenário atual: O setor alimentício brasileiro vive uma “tempestade perfeita” de desafios e oportunidades. Variabilidade climática aumenta riscos de contaminação, padrões internacionais ficam mais rigorosos, consumidores exigem transparência, e há pressão constante para reduzir desperdício mantendo lucratividade. Além disso, a infraestrutura tradicional de segurança alimentar não acompanha a velocidade das cadeias modernas – produtos se movem em dias, mas testes levam de 3 a 7 dias.
Por outro lado, o setor brasileiro sempre foi inovador – aumentamos a produção 600% expandindo área cultivada em apenas 100%. Essa mentalidade agora se volta para segurança alimentar. Temos pesquisa robusta (EMBRAPA, universidades), ecossistema de startups crescente e mercado em expansão – condições ideais para inovação agritech.
Perspectivas para o futuro:
Curto prazo (2-5 anos): Testes rápidos se tornarão padrão em toda a cadeia, não só no produto final. Veremos integração com rastreabilidade (blockchain, IoT) e análise preditiva para identificar fontes de contaminação antes que ocorram.
Médio prazo (5-10 anos): O Brasil se posicionará como líder global em tecnologia de segurança alimentar, com monitoramento em tempo real do campo à mesa. Consumidores poderão verificar resultados de testes via QR codes nos produtos.
Visão de longo prazo: Segurança alimentar se tornará infraestrutura invisível – como eletricidade, sempre presente. O Brasil exportará produtos agrícolas e soluções tecnológicas de segurança alimentar. Tolerância zero para doenças alimentares se tornará realidade alcançável.
Sou otimista porque vejo enorme comprometimento com inovação. As empresas que investirem em tecnologia de segurança alimentar hoje serão líderes de exportação amanhã. O futuro pertence a quem trata segurança alimentar como vantagem competitiva, não como custo.
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Ao detectar contaminantes antes que produtos cheguem aos consumidores, a empresa ajuda a prevenir doenças transmitidas por alimentos, Foto: Divulgação
A Lavoura: Na sua visão, quais os principais desafios do segmento?
Marcus Ataíde: Identifico cinco desafios centrais que o setor enfrenta:
1. Velocidade versus Segurança: Produtos perecíveis têm vida útil de 5-7 dias, mas testes tradicionais levam de 3 a 7 dias. Produtores enfrentam escolha impossível: liberar sem resultados (risco) ou esperar e perder valor (custo). Isso gera milhões em desperdício e pressão para pular testes.
2. Desigualdade de Acesso: Grandes corporações têm laboratórios próprios e acesso a testes premium. Pequenos e médios produtores – parcela significativa da produção brasileira – carecem de acesso a testes rápidos e acessíveis, criando disparidade de qualidade e barreiras de mercado.
3. Complexidade Regulatória: Produtores que exportam navegam múltiplas regulações – Anvisa/Mapa no Brasil, UE, FDA e padrões asiáticos internacionalmente. Requisitos evoluem constantemente, gerando custos de conformidade e risco de exclusão de mercados.
4. Reativo versus Preventivo: O setor ainda testa após produção, não durante. Contaminação é descoberta, não prevenida. Resultado: recalls, desperdício, dano reputacional. Precisamos migrar para monitoramento em tempo real e análise preditiva.
5. Confiança do Consumidor: Consumidores querem saber não só de onde vem sua comida, mas se é segura. O setor não desenvolveu formas efetivas de comunicar segurança alimentar aos consumidores finais, resultando em pressão de preço e vulnerabilidade de marca.
Em síntese, esses desafios estão todos conectados – resolver um ajuda a endereçar os outros. Por exemplo, testes rápidos não só aceleram a cadeia produtiva, mas também permitem atuação preventiva em tempo real. O setor precisa de soluções integradas, não apenas ferramentas melhores isoladamente.
É por isso que colaboração entre empresas de tecnologia, produtores, reguladores e pesquisadores é essencial. Nenhuma empresa sozinha resolve esses desafios – mas juntos, estamos construindo o futuro da segurança alimentar no Brasil.







