Encravado no gelo, o Cofre Global de Sementes de Svalbard foi construído para resistir a desastres naturais, guerras e até ao colapso da civilização, e conta com milhares de depósitos vindos de todas as partes do planeta, incluindo o Brasil (Foto: NordGen)
Imagine um cofre escondido no gelo, a mil quilômetros do Polo Norte, guardando o futuro da alimentação humana. Parece roteiro de ficção científica, mas é realidade. O Cofre Global de Sementes de Svalbard, localizado em um arquipélago remoto da Noruega, foi criado para ser uma espécie de “arca de Noé vegetal”.
Inaugurado em 2008 e mantido pelo governo norueguês, o cofre completa 17 anos com novas adições, cerca de 14 mil novos depósitos vindos de todas as partes do planeta, incluindo o Brasil.
“As sementes depositadas hoje representam mais do que apenas recursos genéticos; elas incorporam a dedicação de agricultores, pesquisadores e conservacionistas que trabalham para garantir o futuro de nossa alimentação”, afirma Kent Nnadozie, Secretário do Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura.
Um cofre no gelo
Svalbard é o nome de um arquipélago gelado no extremo norte do planeta — 1.300 quilômetros além do Círculo Polar Ártico, um dos lugares mais frios e estáveis da Terra. É lá, dentro de uma montanha, que o cofre foi construído para resistir a desastres naturais, guerras e até ao colapso da civilização.
O segredo está na combinação de permafrost natural — o solo permanentemente congelado — e um sistema de refrigeração avançado que mantém as sementes a -18°C.
Mesmo que falte energia, o frio extremo da região garante a sobrevivência do acervo.
O Cofre pode guardar até 4,5 milhões de variedades de culturas, o que significa algo em torno de 2,5 bilhões de sementes embaladas a vácuo em pacotes de três camadas. Hoje, ele já abriga mais de 1,3 milhão de amostras, vindas de praticamente todos os países do mundo, incluindo variedades de arroz e feijão do Brasil.
O Brasil também tem uma conta no cofre do “fim do mundo”. O páis fez seu primeiro depósito em 2012, quando a Embrapa enviou 264 amostras de milho e 541 de arroz. Em 2014, foram mais 514 acessos de feijão.
E, em 2020, o país fez sua maior contribuição, com 3.438 materiais genéticos, incluindo arroz, milho, cebola, pimentas e cucurbitáceas (como abóbora, melão e melancia).
Essas sementes saíram de diferentes centros da Embrapa, de Brasília a Pelotas, e agora estão guardadas sob o gelo norueguês, prontas para replantar o futuro se o pior acontecer.
O Cofre Global de Sementes de Svalbard é administrado em parceria entre o Ministério da Agricultura e Alimentação da Noruega, o Centro Nórdico de Recursos Genéticos (NordGen) e o Global Crop Diversity Trust, com apoio da FAO.
Ele abre suas portas apenas duas vezes por ano — em fevereiro e outubro — para receber novos depósitos.
Dentro das câmaras-fortes, as caixas com sementes são empilhadas como cofres bancários.
Cada uma representa uma história agrícola, uma cultura, uma adaptação ao clima local — e, juntas, formam um patrimônio genético que poderá garantir a sobrevivência da agricultura no caso de uma crise global.
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Sementes seladas e guardas na “arca de Noé vegetal”. Foto: Crop Trust
Existem mais de 1.700 bancos de genes espalhados pelo planeta, onde são mantidas coleções de sementes locais. Mas muitos desses centros enfrentam riscos cotidianos: cortes de orçamento, desastres naturais, conflitos armados e até acidentes banais, como um freezer que para de funcionar.
Quando isso acontece, a perda de uma variedade é tão irreversível quanto a extinção de um animal.
Svalbard, portanto, funciona como o backup dos backups. Ele guarda duplicatas das coleções nacionais e comunitárias. É o último recurso, uma apólice de seguro da humanidade.
Como explica Alwin Kopse, presidente do órgão governante do Tratado Internacional, “é encorajador ver que as Partes Contratantes e seus bancos de genes utilizam esta infraestrutura, que apoia o esforço multilateral de salvaguardar o tesouro de culturas do mundo”.
A humanidade já cultivou mais de 6 mil espécies alimentícias ao longo da história. Mas hoje, menos de 200 delas sustentam a base da nossa dieta global.
Essa redução drástica na diversidade das plantações aumenta a vulnerabilidade da agricultura frente às mudanças climáticas, pragas e secas. Um cenário que torna o Cofre Global mais relevante do que nunca.
É por isso que as novas remessas de 2025 — vindas de Geórgia, Malawi e Zimbabwe — são celebradas como conquistas globais. Elas fazem parte de projetos apoiados pelo Fundo de Repartição de Benefícios do Tratado Internacional e pelo projeto BOLD, do Crop Trust, com financiamento da Noruega.
“Este depósito é um testemunho do poder da cooperação internacional na proteção da base de nossos sistemas alimentares”, diz Nnadozie.