Mais do que alimentar astronautas e desenvolver a agricultura em Marte e na Lua, a pesquisa que embracou no Blue Origin (foto) pretende transformar o que aprendemos no espaço em soluções para a agro no Brasil — principalmente em tempos de crise climática (Foto: Blue Origin/Divulgação)
Imagine uma lavoura de batata-doce e grão-de-bico cuidadosamente cultivados a milhares de quilômetros da Terra, na Lua ou em Marte. Pode parecer ficção científica, mas a ciência vem se esforçando para tornar isso realidade, e com ajuda de pesquisadores brasileiros da Embrapa.
O voo suborbital da Blue Origin, lançado em abril, levou, além da tripulação feminina composta por estrelas como a cantora pop Katy Perry, plantas de batata-doce das cultivares Beauregard e Covington; e sementes do grão-de-bico BRS Aleppo, desenvolvidas por cientistas brasileiros nos programas de melhoramento genético da Embrapa.
A ideia faz parte da Rede Space Farming Brazil, uma iniciativa da Embrapa em parceria com a Agência Espacial Brasileira (AEB), criada para responder a uma pergunta que parece tirada de um roteiro de filme: como produzir comida fora da Terra?
Mais do que alimentar astronautas, a pesquisa pretende transformar o que aprendemos no espaço em soluções para a agricultura terrestre — principalmente em tempos de crise climática.
Agricultura espacial
A iniciativa é parte da contribuição brasileira no âmbito dos Acordos Artemis, da NASA, que visam à cooperação civil e pacífica na Lua, Marte, Cometas e outros corpos celestes.
Dentro dessa aliança internacional, o Brasil destaca-se pelo interesse especial no desenvolvimento de tecnologias destinadas à agricultura espacial.
Mais do que uma viagem ao espaço, a missão é parte de uma ousada empreitada científica: testar, em microgravidade, como esses alimentos se comportam fora do planeta Terra.
Variedades resilientes

Sarita Meireles e Larissa Vendrame, da Embrapa, analisam mudas da batata-doce BRS Anembé, próximo material a ser analisado no espaço, após o grão-de-bico BRS Aleppo. Foto: Paula Rodrigues
A bordo do foguete, as cultivares de batata-doce Beauregard e Covington — ricas em betacaroteno e com folhas comestíveis, repletas de proteínas vegetais — além da cultivar de grão-de-bico BRS Aleppo, conhecida por sua alta produtividade e valor nutricional, foram escolhidas por uma característica crucial: resiliência.
São plantas que crescem rápido, resistem bem a estresses e não exigem muitos recursos, consideradas qualidades ideais para agricultura espacial.
“Contamos com uma equipe multidisciplinar de pesquisadores de ponta que compõem a Rede de Agricultura Espacial Brasileira, por isso, a expectativa é obter novas cultivares com as características desejadas de modo mais rápido a partir de uma pesquisa inovadora”, explica Larissa Vendrame, engenheira-agrônoma da Embrapa Hortaliças.
Ela lembra que a batata-doce produz antioxidantes naturais poderosos, perfeitos para quem vive exposto à radiação cósmica, como os astronautas na Estação Espacial Internacional, ou os futuros colonizadores da Lua ou de Marte.
A missão espacial foi viabilizada por um convite do professor Rafael Loureiro, da Winston-Salem State University (EUA), e realizada com apoio da empresa Odyssey, especializada em operações e ciências espaciais. A condução dos experimentos ficou a cargo da astronauta Aisha Bowe, ex-cientista da NASA.
Durante cerca de cinco minutos, as amostras flutuavam em microgravidade, uma condição que afeta a expressão de alguns genes. Agora, já de volta para a Terra, os cientistas vão investigar como essas sementes e mudas se comportaram.
Serão analisadas características como crescimento, resistência e até mesmo possíveis alterações genéticas.
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Aplicações na agricultura brasileira
A proposta da Embrapa vai além do simples envio de plantas ao espaço. Os pesquisadores querem, por exemplo, submeter sementes a radiação gama e a nêutrons, técnicas que aceleram a variabilidade genética, da mesma forma que cruzamentos tradicionais.
A ideia é criar plantas mais compactas, precoces e resistentes, tanto para os astronautas do futuro quanto para os agricultores do presente.
A pesquisa em agricultura espacial deve acelerar o melhoramento genético e trazer inovações para a agricultura praticada na Terra, especialmente com o avanço das mudanças climáticas.
Além disso, espera-se alcançar diversos impactos, os chamados spin-offs, capazes de promover saltos no conhecimento agronômico brasileiro e gerar novas tecnologias para irrigação, inteligência artificial, cultivo indoor, entre outras.
“Muitos são os exemplos de soluções espaciais que tiveram aplicações no cotidiano das pessoas. A NASA já publicou mais de duas mil dessas tecnologias que são utilizadas no nosso dia a dia, como telas de celulares, ferramentas sem fio, termômetros com infravermelho, comida desidratada, etc”, destaca a pesquisadora Alessandra Fávero, da Embrapa Pecuária Sudeste, que coordena a Rede Space Farming Brazil.
“Da mesma forma, podemos avançar muito em tecnologias modernas para auxílio na agricultura brasileira, usando inteligência artificial na irrigação, melhoria e adequação de plantas em cultivo indoor, novas cultivares mais tolerantes à seca, mais eficientes no uso da energia ou mais adaptadas aos desafios impostos pelas mudanças climáticas, mais produtivas e mais nutritivas”.