Qual o real papel dos animais, médicos-veterinários, tutores, pecuaristas e órgãos governamental em relação a esse problema?
Há, entre os especialistas, um assunto que tem causado diversas discussões, além de temor mundial envolvendo as chamadas superbactérias ou bactérias multirresistentes, que são aquelas que se tornaram resistentes a vários antibióticos.
Tamanha é a preocupação que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que a resistência aos antibióticos é, atualmente, uma das maiores ameaças globais, podendo afetar qualquer pessoa, de qualquer idade, em qualquer país, representando um risco para a saúde humana e animal, uma vez que, dentre as bactérias, várias causam infecções tanto em pets quanto em seres humanos.
Diante desse cenário, é necessário entender que a resistência das bactérias aos antibióticos ocorre naturalmente, mas o uso indiscriminado, irracional e/ou excessivo de antimicrobianos, tanto em humanos como em animais, é uma das causas subjacentes mais importantes, acelerando o surgimento de cepas de bactérias cada vez mais resistentes aos antimicrobianos. Porém, qual o real papel dos animais, médico-veterinários, tutores, pecuaristas e órgãos governamentais neste problema?
Segundo o doutor em Ciências Veterinárias pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e professor de pós-graduação em Medicina Veterinária, Harald Fernando Vicente de Brito, o contato próximo dos animais de estimação com seus tutores e com o ambiente interno da casa, principalmente cozinha, camas e sofás, possibilita a transmissão das bactérias entre os humanos e seus pets. “Vale lembrar que elas podem ser transmitidas dos animais para seus tutores e vice-versa”, observa.
O especialista menciona que um estudo realizado na Europa, em 2020, pela Revista Antibiotics, mostrou que mais de 80% dos antibióticos de amplo espectro importantes para a medicina são usados no tratamento de cães e gatos.
Além disso, outra pesquisa, publicada no mesmo periódico e realizada na Índia, em 2022, constatou que mais de 70% dos médicos-veterinários prescrevem antibióticos de acordo com sua experiência pessoal, sem se basear em culturas bacterianas e antibiogramas (exames que identificam a bactéria e testam a quais antibióticos essas bactérias são sensíveis ou resistentes).
“No Brasil, isso pode ser ainda pior, pois assim como nos dois estudos mencionados acima, por aqui também são utilizadas na medicina veterinária diversas bases antibióticas e percebo que a maioria dos veterinários também prescrevem esses medicamentos de acordo com suas experiências pessoais”, alerta.
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Preocupações
No entanto, de acordo com o veterinário, esse não me parece ser o maior problema, uma vez que, no Brasil, embora já seja obrigatória a retenção de receita para comprar antibióticos de uso humano desde 2010, a aquisição de antimicrobianos de uso veterinário não exige prescrição de profissional habilitado.
Tutores, protetores e pecuaristas adquirem antibióticos com base em indicações de leigos ou em suas “experiências pessoais”, mesmo não tendo conhecimento técnico algum. “Com isso, é frequente que os animais sejam levados ao atendimento veterinário já tendo recebido ou estejam recebendo algum agente antimicrobiano, o que, muitas vezes, além de contribuir para a criação das superbactérias, pode dificultar o diagnóstico preciso da doença”, destaca.
Na avaliação de Brito, para melhorar essa situação, a medida mais importante a ser tomada, aos moldes do que já é feito pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é instituir a obrigatoriedade de prescrição e retenção de receita para antibióticos de uso veterinário.
Mas, enquanto isso não se torna realidade, ele destaca a importância de conscientizar tutores e pecuaristas para que não instituam terapias sem indicação veterinária e, quando iniciadas, sigam com o tratamento indicado, respeitando doses, horários de administração e tempo de tratamento preconizado.
“Quanto aos médicos-veterinários, é preciso conscientizá-los quanto à importância da identificação do agente infeccioso, por meio de cultura, e a realização dos testes de sensibilidade (antibiograma). Isso sem esquecer de prescrever o medicamento respeitando sua farmacologia, ou seja, sem tentativas de mudar a posologia para simplesmente facilitar a vida do tutor. Se não o fizermos, estamos fadados a pagar muito caro por isso”, arremata Brito.