O processo foi aplicado no estudo da evolução de compostos fenólicos durante o amadurecimento das uvas. Esses compostos, relacionados às propriedades sensoriais da bebida, são essenciais para a qualidade dos vinhos e trazem benefícios para a saúde dos consumidores
Desenvolvido por pesquisadores brasileiros e espanhóis um novo método de análise científica promete revolucionar a produção de vinhos tintos no Brasil ao permitir uma colheita mais precisa das uvas destinadas à elaboração dessas bebidas.
Aline Biasoto Marques, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, explica que o método utiliza a cromatografia líquida bidimensional abrangente (veja figura) no estudo da evolução das antocianinas nas uvas durante seu amadurecimento, fornecendo informações cruciais para a definição do momento ideal da colheita.
Segundo a especialista, as antocianinas são compostos fenólicos encontrados principalmente em vegetais e frutas. “Esses compostos, que podem ser tanto naturais quanto sintéticos, são substâncias químicas multifuncionais que dão cor, aroma e estabilidade aos alimentos”, salienta.
Vinhos tintos
Ela destaca que, no caso dos vinhos tintos, são responsáveis pela cor característica da bebida e considerados essenciais para sua qualidade, influenciando outras propriedades sensoriais, como sabor, adstringência e amargor.
“Também possuem propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias, cardioprotetoras e anti-hipertensivas, trazendo benefícios adicionais para a saúde dos consumidores”, afirma a pesquisadora.
Uvas Malbec
Aline conta que pesquisa realizada com uvas Malbec, conduzida no vinhedo da vinícola Vale das Colinas, em Garanhuns (PE), revelou tendências na concentração de antocianinas ao longo do tempo de maturação.
Segundo o estudo, ela continua, esse tipo de composto alcança seu pico na sexta semana após o início da maturação e, posteriormente, sofre redução. “Essa descoberta oferece aos viticultores dados valiosos para determinar o momento ideal da colheita, relacionados à produção de vinhos tintos de excelência”, ressalta.
Região vitivinícola emergente
Mairon Moura da Silva, professor da Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (Ufape) e responsável pela seleção das uvas estudadas que se destacaram por sua produtividade e saída para a região, revela que município de Garanhuns, localizado em um clima tropical de altitude, vem ganhando relevância como uma região vitivinícola emergente.
Ele conta que a vinícola Vale das Colinas, inaugurada em 2018, é pioneira na área e ocupa um terreno de 3,5 hectares.
De acordo com o professor, além de uvas do tipo Malbec, o vinhedo também abriga variedades Muscat Petit Grain e Cabernet Sauvignon. “A seleção de uma cultivar Malbec, objeto de estudo, foi embasada em pesquisas anteriores realizadas pela Embrapa Semiárido (PE) e Ufape”, divulga.
Ciclo de vida
Aline Marques sublinha a complexidade do perfil fenólico das uvas e como ele evolui durante o amadurecimento. “Entender essas nuances bioquímicas é fundamental para os produtores”, diz.
Em sua opinião, saber como esses compostos se comportam ao longo do ciclo de vida da uva permite melhorar o momento da colheita e maximizar tanto os aspectos sensoriais do vinho, quanto seu potencial saudável. “A informação alinha-se aos estudos anteriores, semelhantes ao realizado em Garanhuns, reforçando a importância do monitoramento fenólico para a indústria vitivinícola”, salienta.
Estudo pioneiro
Laura Oliveira Lago, aluna de pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS), enfatiza a relevância desse estudo pioneiro, focado na análise da evolução de metabólitos secundários no decorrer da maturação da uva.
Ela esclarece que o processo de maturação da uva envolve uma série complexa de reações bioquímicas, incluindo a evolução de metabólitos secundários como os compostos fenólicos. “Esses metabólitos desempenham um papel fundamental na maturação da uva”, revela.
Laura orienta que, no início, as uvas têm alta acidez, mas, conforme a maturação avançada, há um aumento nos sólidos solúveis e uma acidez na acidez. “Assim, a evolução dos metabólitos secundários durante a maturação da uva é um processo dinâmico e complexo que influencia significativamente a qualidade final do vinho”, afirma.
Qualidade dos vinhos nacionais
Já a orientadora de Laura Lago, Juliane Elisa Welke, frisa a eficácia da abordagem bidimensional empregada na pesquisa para desvendar o perfil fenólico de uvas e vinhos, identificando mais de 40 estruturas distintas de compostos.
Ela destaca que o impacto do estudo vai além do avanço moderno, apresentando um potencial significativo para revitalizar a indústria vitivinícola brasileira e elevar a qualidade dos vinhos nacionais. “Vale lembrar que a vitivinicultura é um setor econômico chave, especialmente nas regiões produtoras, onde é fonte importante de emprego e renda para as comunidades locais”, acentua a orientadora.
Compostos interessantes
Juliane reforça que a riqueza dos compostos fenólicos em uvas é notavelmente diversificada, abrangendo várias categorias com características bioquímicas e benefícios específicos. “Os flavonoides, por exemplo, que incluem antocianinas e flavonóis, são cruciais para as propriedades de cor e sabor dos vinhos. Eles também são conhecidos por suas propriedades antioxidantes”, ensina.
A professora revela ainda que os estilbenos, dentre os quais o resveratrol é o mais famoso, têm atraído atenção especial devido a seus potenciais efeitos anticancerígenos e cardioprotetores. “Os ácidos fenólicos, derivados dos ácidos cinâmicos e benzoicos, também participam na composição dos vinhos, contribuindo para o sabor e a estabilidade do produto”, conta.
Já os taninos, segundo Juliane, são polímeros de fenólicos que têm um papel significativo na textura e no envelhecimento do vinho. “A presença de uma ampla gama de taninos pode influenciar tanto a adstringência quanto a complexidade da bebida”, completa.
Diversos benefícios
Para a orientadora, o entendimento detalhado dessas classes de compostos fenólicos e sua evolução durante o processo de maturação da uva é um campo de estudo em crescimento. “Ele pode oferecer dados valiosos não apenas para a indústria vitivinícola, aprimorando a qualidade do produto, mas também para a saúde humana, considerando os diversos benefícios resultantes”, acredita.
Fonte: Embrapa Meio Ambiente