Para onde irão os 153 milhões de toneladas de soja da safra brasileira? Cerca de 60% serão exportados. Os outros 40% você encontrará em produtos como pastas de dentes ou chocolates
Águas de março e colheita da soja fecharam o verão. Neste outono, o país colherá uma safra recorde: 153 milhões de toneladas, 20% acima da anterior. Houve recuperação na produtividade das lavouras, prejudicadas por condições climáticas adversas na safra 2021/22. Esta safra de soja alimentará o mundo e os brasileiros, moverá veículos (biodiesel) e será a base de produtos, consumidos e usados no cotidiano, fabricados por indústrias agroalimentares, farmacêuticas, químicas, cosméticas e da construção civil. Em todas essas indústrias, há soja.
O grão de soja tem muitas virtudes. Em média, possui 40% de proteínas, 20% de lipídios (óleo), 5% de minerais e 34% de carboidratos (açúcares, como glicose, frutose, sacarose, fibras e oligossacarídeos). A soja não tem amido, nem glúten. O feijão, outra leguminosa, não possui as isoflavonas, substâncias benéficas à saúde presentes na soja, em particular no controle de doenças crônicas, como câncer, diabetes mellitus, osteoporose e cardiovasculares.
Para onde irão os 153 milhões de toneladas de soja da safra brasileira? Cerca de 60% serão exportados. Alimentarão a humanidade e suas criações. Os outros 40%, você encontrará direta ou indiretamente em seu cotidiano. A soja (Glycina max Merr.) está presente em pastas de dentes, barras de chocolate e achocolatados. Confira a embalagem dos mais sofisticados chocolates suíços, belgas, italianos e brasileiros: contém lecitina de soja. Consumiu chocolate, comeu soja. A lecitina de soja é utilizada em centenas de produtos da indústria agroalimentar como emulsificante, estabilizante, antioxidante, agente contra o salpiqueio e até na composição das cápsulas de medicamentos.
As proteínas da soja entram na composição de alimentos infantis (papinhas) e parenterais, são agentes de aeração e textura, e na produção de bebidas à base de soja. Na linha de alimentos vegetarianos e veganos, as proteínas da soja são utilizadas em produtos como salsichas, nuggets, quibes, coxinhas, bolinhos e hambúrgueres. A farinha de soja desengordurada serve na produção de barras de cereais, balas, alimentos dietéticos, misturas preparadas, proteína texturizada de soja (“carne” de soja), bebidas à base de soja, massas e ingredientes de padarias.
O grão de soja natural é vendido em supermercados, mercados municipais e casas de produtos naturais. A farinha de soja, matéria-prima para bolos, tortas, biscoitos e pães, é encontrada em lojas de produtos naturais e gôndolas de produtos dietéticos em supermercados. A culinária da soja exige algumas técnicas de preparo obrigatórias. A presença japonesa e asiática no Brasil ampliou o consumo direto da soja: cozida, torrada com sal em diversos sabores, como aperitivo, soja hortaliça ou soja verde (edamame), brotos de soja (moyashi), molho de soja (shoyo), pasta de soja fermentada (missô), queijo de soja (tofu) e grãos de soja fermentada (nattô). Dezenas de empresas de alimentos utilizam a soja como base de seus produtos. Dentre elas: Agronippo, Caramuru, Good Soy, Josapar, Nutrimental, Olvebra, Sakura, Sadia, Samurai, Superbom, Unilever, Yakult e Yoki. E você, usa shoyo em sua casa?
O maior consumo de soja no mundo, no Brasil e no seu caso, é indireto. As rações para animais utilizam muita soja, seja para bovinos, caprinos, ovinos, suínos, aves, peixes e pets. Alimentos como leite, ovos, carne suína e de frango dependem de rações à base de soja em seus sistemas de produção, para ter escala e competitividade. Parte significativa da soja entra em rações e concentrados para vacas leiteiras e chega à sua mesa transformada em leite, manteiga, queijos, iogurtes, ricotas e requeijões. A soja é a principal fração proteica nas rações de aves e suínos. Você consome soja transformada em ovos, presuntos, mortadelas, salames, linguiças, salsichas, peitos e sobrecoxas, paletas, lombos e torresmos. E via ovos e leite, a soja entra indiretamente em bolachas, macarrão, bolos, broas, pães e sobremesas, como o quindim. Nesses laticínios, embutidos, carnes, doces e outros alimentos, você come soja.
A soja está na base da ração das 800.000 toneladas de peixes produzidas em cativeiro por ano no Brasil. Número superior ao obtido com a pesca extrativista, estagnada há anos. A soja brasileira sustentável alimenta e sustenta os salmões do Chile e da Noruega: um quarto da composição de suas rações é feito de soja. Você escolheu salmão defumado da Noruega ou do Chile no restaurante? Comerá soja. E talvez uma certa dose de antibióticos.
O óleo de soja é o mais usado nos lares brasileiros em frituras, molhos e saladas e na indústria, para produzir maioneses, margarinas e outros produtos, com base em gorduras vegetais. Em todos esses produtos, você consome soja. Como a cana-de-açúcar e o milho, a soja produz combustível renovável para caminhões, ônibus, tratores, utilitários e todos os veículos movidos a diesel. E agora, ainda mais, a soja ajudará você a se locomover de forma sustentável.
O Conselho Nacional de Política Energética aprovou o aumento da mistura obrigatória de biodiesel ao diesel no Brasil. O patamar de 10% passou para 12% e será elevado progressivamente até 15%, em 2026. O óleo de soja garante 80% da produção do biodiesel brasileiro. Os outros 20% vêm do sebo de boi. Neste ano, o consumo de biodiesel (9 bilhões de litros) crescerá 25%, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove).
E quem produz toda essa soja brasileira? O Censo Agropecuário do IBGE, em 2017, identificou mais de 232.000 produtores de soja. Só no Rio Grande do Sul são mais de 95.000
Com isso, aumentará a produção de farelo e agregará valor à soja, pela industrialização do grão. Com maior processamento, crescerão as exportações de farelo para mais de 20 milhões de toneladas. A Argentina, líder mundial em exportação de farelo, terá disponibilidade menor com a quebra em sua safra.
A soja está presente no seu banho. O óleo de soja e a produção de biodiesel dão origem a substâncias de base para usos industriais, como o glicerol (sabões, sabonetes, loções e xampus) e produtos farmacêuticos, como supositórios de glicerina. Os ácidos graxos são empregados pelas indústrias farmacêutica, cosmética e alimentar. Outro exemplo: velas de cera de soja, 100% vegetais, não contêm parafina, oferecem uma queima limpa, não geram resíduos nocivos à saúde e são compatíveis com essências à base de óleos vegetais.
O óleo de soja epoxidado é aplicado como plastificante em cloreto de polivinila (PVC) para sacos, filmes alimentícios, suprimentos médicos (bolsas de sangue e tubos intravenosos), produtos de folha de vinil, selantes, tintas, revestimentos etc. A proteína isolada de soja serve em adesivos, formadores de espuma e fabricação de fibras. A farinha de soja desengordurada dá origem a outros adesivos empregados pela indústria madeireira, na produção de pinhos manufaturados, tábuas de construção, caixas, conglomerados e laminados especiais. A própria lecitina de soja é aproveitada pela indústria como agente antiespumante, dispersante, umidificante, estabilizante e antiderrapante.
Os pneus de seu carro podem ter soja. Na produção de pneus, o óleo de soja funciona como elemento reativo de processamento de borracha. Compostos de borracha, feitos com óleo de soja, misturam-se mais facilmente com a sílica usada na banda de rodagem. O óleo de soja utilizado pela Goodyear no pneu Wrangler Workhorse AT proporciona melhor desempenho em diferentes temperaturas, maior aderência à pista e melhora o seu desempenho. Agora no Brasil, esse pneu já está disponível no mercado norte-americano em 40 tamanhos, para mais de 70% dos modelos de carros, minivans e SUVs.
A soja brasileira é produzida com tecnologias ambientalmente amigáveis: fixação biológica de nitrogênio (40 milhões de hectares sem adubos nitrogenados economizam R$ 28 bilhões e reduzem a emissão de 100 milhões de toneladas de CO2 eq.), manejo integrado de pragas (MIP) e plantio direto na palha (sem aração). Esse sistema ocupa mais de 95% da área plantada da soja. Ele diminui o impacto das operações nos solos, reduz o uso de diesel, as emissões de CO2, os processos erosivos, amplia a matéria orgânica nos solos e possibilita até três safras/ano. Herbicidas, transgênicos, sistemas de plantio, controle de pragas e doenças são essencialmente os mesmos entre pequenos e grandes produtores. A diferença básica é o nível da mecanização e da gestão dos cultivos, cuja produtividade média se aproxima de 4 toneladas/grãos/hectare.
A seca prejudicou o início do ciclo no Rio Grande do Sul, e o excesso de chuva atrapalhou a colheita na porção leste do Pará, sul do Maranhão e norte do Tocantins. Não há muito a reclamar de São Pedro. Globalmente, o clima foi favorável. Mato Grosso colherá quase 42 milhões de toneladas e ultrapassará a Argentina, cuja safra de 33 milhões de toneladas é uma das menores de sua história. Produtores argentinos seguem vítimas do clima e do peronismo. Se fosse um país, Mato Grosso seria o terceiro produtor mundial, após Brasil e EUA. Juntos, Brasil, EUA e Argentina produzem 82% da soja mundial.
E quem produz toda essa soja brasileira? O Censo Agropecuário do IBGE, em 2017, identificou mais de 232.000 produtores de soja. Só no Rio Grande do Sul são mais de 95.000. Sua presença é expressiva em 18 Estados. E não para de crescer em Rondônia, Acre, Piauí, Roraima e Amapá. Mais de três quartos dos produtores (75,9%) são pequenos e membros ativos do agronegócio. Suas terras têm menos de 100 hectares de área total. A maioria dos produtores de soja não são latifundiários, ao contrário do alardeado em narrativas contra o agronegócio.
A soja é a maior cultura do país em volume, geração de renda e valor das exportações. Sustenta fábricas de máquinas, implementos, fertilizantes, defensivos. Ela gera matéria-prima às indústrias de biodiesel, automobilística, agroalimentar, farmacêutica, cosmética etc. A soja habita seu cotidiano.