Para o presidente da Abrapa, revolução tecnológica coloca o algodão como umas das principais commodities brasileiras
Considerado a mais importante das fibras têxteis naturais, algodão é uma planta que pode ser aproveitada em sua totalidade, pois, além da pluma, fornece diversos produtos, como, por exemplo, o caroço, de onde pode-se extrair sementes ricas em óleo e linter, muito usado na produção de algodão hidrófilo e tecidos cirúrgicos, além de vários resíduos para ração animal.
A cotonicultura brasileira avançou fortemente, nos últimos anos, gerando resultados expressivos na exportação. Entre os cinco os maiores produtores do mundo, ao lado dos Estados Unidos, China, Índia e Paquistão, o Brasil exportou 1,68 milhão de toneladas de algodão, entre agosto de 2021 e julho de 2022. No mesmo período, o consumo doméstico foi de 740 mil toneladas, sendo 99% atendido com algodão produzido no Brasil.
Para falar da evolução do segmento, a Revista A Lavoura entrevistou o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), Júlio Cézar Busato, que conta um pouco mais sobre o mercado do algodão, processo industrial, implementação de novas tecnologias, rastreabilidade e como a commodity se tornou um dos expoentes da agricultura nacional.
A Lavoura: Como você avalia o momento do mercado de algodão?
Júlio Cézar Busato: O consumo mundial da fibra está bastante aquecido. Relacionamos isso à demanda que surgiu com a pandemia da Covid-19, que obrigou as pessoas a trabalharem e ficarem em casa, buscando produtos mais confortáveis, e pelo aquecimento da procura por produtos de algodão na área de saúde. Aliado a esse fato, constatamos uma preocupação geral dos consumidores em relação às questões ambientais, certificação das matérias-primas e rastreabilidade dos produtos que adquirem. É uma tendência que veio para ficar e coloca o algodão do Brasil em situação favorável por atender esses requisitos. Os números mostram um cenário favorável.
A Lavoura: O que a cotonicultura representa em termos de divisas para o Brasil?
Júlio Cézar Busato: Entre agosto de 2021 e julho de 2022, o Brasil exportou 1,68 milhão de toneladas de algodão. No mesmo período, o consumo doméstico foi de 740 mil toneladas de algodão, 99% atendido com algodão produzido no Brasil. Exportamos o excedente para a Ásia, com destaque para China, Bangladesh, Paquistão, Turquia, Malásia, Índia, Indonésia e Vietnã. O superávit da balança comercial do algodão brasileiro foi de US$ 3,208 bilhões, no acumulado de agosto de 2021 a julho de 2022. Além disso, o Brasil é o segundo no ranking dos países exportadores da fibra e a estimativa de vendas para o mercado externo na temporada 2022/2023, segundo o Comitê Consultivo Internacional do Algodão (ICAC), é de 1,96 milhão de toneladas. A produção brasileira, no período, foi de 2,61 milhões de toneladas.
A Lavoura: O que você acha necessário para a evolução do setor?
Júlio Cézar Busato: Atrelar a rastreabilidade completa com um programa de certificação socioambiental fortalecerá ainda mais a imagem do algodão brasileiro frente aos demais. O processo sendo auditado por empresa de terceira parte é a garantia para o comprador, que pode verificar essas informações pela rastreabilidade da cadeia. O sucesso competitivo e sustentável alcançado pelos produtores de algodão, nas últimas décadas, precisa ser intensificado para que o País permaneça aproveitando suas vantagens e consiga assumir o topo do ranking na exportação da pluma.
A Lavoura: Qual a importância da rastreabilidade para o segmento?
Júlio Cézar Busato: Estamos trabalhando para dar ainda mais transparência à produção de algodão brasileira, por meio dos programas Algodão Brasileiro Responsável (ABR) em benchmarking com a Better Cotton Initiative (BCI) e SouABR. O desafio é consolidar o SouABR, iniciativa que consiste na entrega da rastreabilidade da fibra certificada, da fazenda, passando pela fiação, malharias, tecelagens, até o varejista. A iniciativa permite que o consumidor consiga acompanhar a trajetória da roupa. Ele terá a informação que a peça é certificada e por onde passou. Desse modo, saberá a origem da roupa, acessando os dados por meio do QRCode. A iniciativa atende a uma demanda do mercado e aos anseios dos clientes, especialmente os mais jovens, que têm um modo diferente de se relacionar com o consumo.
A Lavoura: Em relação ao algodão em si, como gerar valor à commodity?
Júlio Cézar Busato: O desafio de agregar valor a um produto que originalmente é considerado uma commodity é um trabalho continuado para despertar uma consciência coletiva em torno da moda e do consumo responsável. O Sou de Algodão, por exemplo, iniciativa que começou em 2016, a partir de um estudo realizado entre os anos de 2014 e 2015 para entender o mercado, foi muito importante. Naquele momento, perdíamos market share. Há 40 anos, o algodão chegava a representar 83% do que a indústria fiava, e hoje estamos em 50%. Foi aí que a associação decidiu que precisava conversar com o consumidor, formadores de opinião e o mundo da moda para entregar informação e todos os atributos que o algodão produz. Percebemos que precisávamos agir para reverter o cenário. Desde a sua criação, em 1999, a Abrapa tem pautado o seu trabalho nos pilares da sustentabilidade, da qualidade e da rastreabilidade. Antes, nada disso era propagado e o consumidor desconhecia a fibra nacional. Passamos a mostrar, através de um programa de rastreabilidade de comunicação ponta a ponta, como se dá a produção desde as lavouras até a etiqueta da roupa.
A Lavoura: De que forma a Abrapa tem contribuído para o desenvolvimento do segmento?
Júlio Cézar Busato: A Abrapa apoia a pesquisa realizada por institutos regionais e pela Embrapa, por exemplo, para aumentar a resiliência das lavouras brasileiras aos eventos climáticos extremos. Seremos atingidos, caso projeções internacionais de mudanças climáticas se confirmem, pois somos uma indústria a céu aberto e sem irrigação no Brasil. A saúde do solo é fundamental para que a planta suporte um período mais longo sob estresse (sem chuvas) e não reduza produtividade. A melhoria da saúde do solo, pensando também na parte biológica, tem sido nosso foco. Nas propriedades associadas, temos também diversas iniciativas para mensurar a emissão de CO2 do processo produtivo e de transporte, assim como o seu sequestro, com o aumento da matéria orgânica do solo pelo plantio direto, por exemplo. Já temos alguns resultados da Embrapa que comprovam que a área produtiva possui mais carbono fixado no solo do que a área de vegetação nativa de cerrado. Queremos cada vez mais atrelar a produção com a sustentabilidade a longo prazo. A melhoria dos processos produtivos, com menos emissão de carbono e mais produtividade é o nosso objetivo. Diversos produtores de algodão já estão em processo avançado de adoção do conceito de agricultura regenerativa, que preconiza a saúde biológica e química dos solos, rotação de culturas e utilização de práticas de manejo sustentáveis.
A Lavoura: Como a cotonicultura está posicionada em relação às questões ambientais?
Júlio Cézar Busato: A cotonicultura já está inserida dentro do contexto das ESG (governança ambiental, social e corporativa, do inglês Environmental, social, and corporate governance). Respeitamos os requisitos ambientais, sociais e de governança, baseados em um protocolo de certificação (ABR/BCI). Isso nos coloca como líderes mundiais na produção de algodão responsável (42% de todo o algodão certificado responsável do mundo é produzido pelo Brasil), enquanto o resto do mundo corre para aplicar essas regras, os produtores brasileiros manejam essas lavouras seguindo critérios de boas práticas. Nós produzimos de acordo com normas rígidas de conservação ambiental e respeitando o Código Florestal Brasileiro e a legislação trabalhista cheia de detalhes e deveres para serem cumpridos, a NR 31 e as normativas da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Temos, por exemplo, áreas de reserva legal, preservação permanente e conservamos as matas ciliares — aquelas localizadas nas margens dos rios. Estamos no caminho, sempre avançando para atender uma exigência global.
A Lavoura: Quais as perspectivas para os próximos anos?
Júlio Cézar Busato: Nas missões internacionais que realizamos ao longo deste ano, por meio do programa Cotton Brazil, fomos muito bem avaliados, em especial no que se refere à qualidade da nossa fibra que supera a concorrência em muitos aspectos. Temos potencial de crescimento nos próximos anos e os países, especialmente os da Ásia, estão abertos ao nosso produto. Temos tecnologia, pessoas treinadas e trabalhamos para crescer com qualidade e sustentabilidade. Então as projeções são as melhores. Vamos continuar o nosso trabalho, com aportes em tecnologia e inovação, produzindo com eficiência e de modo responsável. Podemos chegar a ser o primeiro exportador mundial da fibra em breve.