Como cinco profissionais de diferentes áreas do agro unificaram suas ideias e fundaram uma empresa de sucesso no segmento dos orgânicos
Apesar de ser o grande expoente da economia nacional, responsável por cerca de 25% do PIB nacional, o agronegócio ainda tem muito a evoluir e grandes desafios para superar. No setor dos orgânicos, a realidade não é diferente.
Para falar sobre esse universo, a Revista A Lavoura entrevistou o sócio-fundador da Raiar Orgânicos, Luis Barbieri, que conta um pouco sobre o projeto da empresa, posicionamento de mercado, cenário atual e perspectivas para o futuro, além de ações realizadas em benefício não só do segmento, mas também do agronegócio como um todo.
“A empresa tem sua estratégia de negócio baseada na tecnologia, bem-estar animal e fomento à produção de pequenos produtores de grãos orgânicos. Esses três pilares são fundamentais para ganho de escala e expansão da oferta de ovos orgânicos no Brasil, tornando o orgânico possível para quem planta e para quem consome”, diz ele que relata, a seguir, os detalhes do projeto, da idealização ao funcionamento.
Revista A Lavoura: Como surgiu a ideia de fundar a Raiar Orgânicos?
Luis Barbieri: A Raiar Orgânicos é uma empresa de proteínas orgânicas brasileira criada por cinco sócios-fundadores, todos com uma longa trajetória profissional no agronegócio. No passado, fomos sócios, concorrentes, clientes e agora sócios novamente. Marcus Menoita, CEO da Raiar, esteve à frente da NovaAgri, empresa de logística agrícola que atualmente pertence à japonesa Toyota. Leandro Almeida, responsável pelas operações, também veio de lá. Eu comandei a área de grãos e oleaginosas da Louis Dreyfus Company no Brasil e, agora, respondo pela originação de grãos orgânicos da Raiar.
A esse trio societário juntaram-se Filipe Rinaldi, da RK Partners, e Rafael Bomeny, VP da Odata, companhia de datacenters investida do Pátria. A idealização da Raiar Orgânicos começou em 2018, quando Menoita vendeu a NovaAgri e nos convidou para um mergulho no mercado de avicultura para entender os desafios e oportunidades do setor.
Revista A Lavoura: Como foi a evolução do projeto?
Luis Barbieri: Foram dois anos de estudo, muitas visitas a granjas do Brasil, da Europa e dos Estados Unidos. A pergunta que nos intrigava era por que não tinha mais ovos orgânicos produzidos no Brasil. A resposta era sempre a mesma: porque não tem milho orgânico para alimentar as galinhas, e também porque não havia protocolos de manejo orgânico para aves. Aquilo que era um problema para todos e que freava a expansão do setor, para nós soou como uma oportunidade de mercado.
Não demorou para o que uma ideia de negócio se transformasse em empresa. Compramos a primeira fazenda Raiar em 2020, em Avaré, no interior paulista. Avaré foi considerada estratégica por vários atributos positivos, como clima adequado para a criação de aves, acesso asfaltado para a fazenda, boa infraestrutura urbana e rápido acesso tanto aos centros de produção de grãos quanto ao consumidor final. Em um ano, colocamos de pé um dos mais modernos complexos avícolas do país – e certamente o mais sofisticado quando falamos em bem-estar animal e tecnologias nutricionais. Com 170 hectares, a fazenda inclui vasta área para circulação das aves, que são criadas soltas e com acesso a sub-bosques, não recebem antibióticos e são alimentadas unicamente com dieta orgânica.
Revista A Lavoura: E sobre os investimentos?
Luis Barbieri: Até agora, foram investidos cerca de R$ 100 milhões, em equity e dívida. A Raiar prevê aportes de R$ 200 milhões nos próximos anos para a implementação de todo o projeto em Avaré, que inclui a construção total de 32 galpões de 3 mil metros quadrados cada e um laboratório de inovação para o desenvolvimento.
Outro diferencial está no fomento à produção do grão – um gargalo na agricultura orgânica nacional – focado no pequeno produtor rural. Atualmente, a empresa trabalha com 70 famílias nos Estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás e nossa expectativa é chegar a 100 ainda este ano.
A Lavoura: Qual a dimensão do negócio?
Luis Barbieri: A fazenda de Avaré possui atualmente 80 mil galinhas poedeiras criadas de forma orgânica – o segundo maior plantel do país – e está projetada para uma capacidade de 700 mil aves. Ou seja, todos os dias, faça chuva ou sol, nossas galinhas entregam quase 80 mil ovos orgânicos.
A empresa também está expandindo rapidamente sua base de produtores de grãos orgânicos – começou com 9, pulou para 70 e ainda este ano chegará à marca de 100. Também inovou ao emitir uma CPR (Cédula de Produto Rural) de “impacto”, estruturada pela Gaia, no valor de R$ 1,6 milhão, com o objetivo de financiar a conversão de agricultores – tanto aqueles que já produzem grãos, mas de forma convencional, quanto os que têm pastagens degradadas e desejam migrar para o plantio orgânico.
A Lavoura: Quais os principais gargalos para o desenvolvimento do setor?
Luis Barbieri: Enquanto a cadeia da carne bovina, de aves para corte e suínos se organizou em torno de poucos e grandes players, a produção de ovos segue pulverizada, composta por granjas familiares, ainda com baixa inserção no mercado de capitais. A maior parte dessas granjas está estruturada num modelo de produção ultrapassado, regido pelas gaiolas.
Mas a pressão do consumidor e a resposta atenta a esses anseios por parte do varejo – diante da pauta de bem-estar animal e da sustentabilidade no campo – tem mexido o ponteiro em direção a um modelo de produção de galinhas livres de gaiolas e com suas “liberdades fundamentais” garantidas para a expressão do comportamento animal.
A Lavoura: Como a empresa se preparou esses desafios?
Luis Barbieri: Na Raiar, essa transição, que para muitos é custosa e representa uma dor, é vista como a solução. Por isso, a empresa já foi pensada e estruturada para elevar a régua do bem-estar animal, com uso de tecnologia, pesquisa e parcerias com a academia e o setor privado.
Outro problema de fundo que afeta o setor de proteínas orgânicas como um todo é a falta de grãos orgânicos. Por isso, a empresa costuma responder à clássica pergunta “quem vem primeiro, o ovo ou galinha?” de forma diferente. Vem primeiro o milho. De modo geral, há um desconhecimento do modelo produtivo de grão orgânico. Esse é um setor que tem dificuldades, restrições, mas é possível fazer. Há um modelo. E o próprio agricultor muitas vezes desconhece esse modelo.
A Lavoura: Como enfrentar esses problemas?
Luis Barbieri: A dificuldade maior está em organizar e difundir o conhecimento sobre produção de grãos e aves orgânicas, e também os ovos orgânicos porque o consumidor, por sua vez, desconhece a diferença dos modos de produção. Então, é preciso também fazê-lo conhecer e reconhecer o valor do orgânico porque ovo, definitivamente, não é tudo igual. Um ovo não é só um ovo – mas toda uma cadeia de produção por trás dele que determina a qualidade de vida de quem planta o milho orgânico, do solo e da água, que não recebem veneno, da galinha, que se alimenta com a melhor comida possível, e de quem consome seu ovo.
Está tudo relacionado. Por tudo isso, acreditamos que há amplo espaço para o segmento de ovos orgânicos crescer. É uma tendência sem volta, seja por preocupação com a saúde, com o meio ambiente ou com os animais. No Brasil, somente 0,2% da produção nacional de ovos é orgânica; nos EUA, a fatia é de 7% e na Europa, de 20% a 30%, dependendo do país.
A Lavoura: O mercado, de forma geral, tem exigido mais transparência por parte das empresas. Como a Raiar tem evoluído nessa questão?
Luis Barbieri: Temos feito um trabalho importante na forma de comunicar, de tentar estar mais próximo do consumidor e do produtor rural, trazendo os benefícios do orgânico e também, de forma aberta, mencionando as dificuldades que existem para que enfrentemos juntos.
O uso da tecnologia – um dos pilares do nosso negócio – está presente de ponta a ponta. Desde o trabalho de que fazemos com o produtor rural, ajudando a desenvolver novas ferramentas para o dia a dia no campo, por exemplo, à fábrica de ração automatizada, que não apenas é a maior do país como também será, em breve, a primeira a vender ração orgânica para o mercado avícola que atua nesse segmento ou deseja migrar para ele.
A Lavoura: E em relação aos diferenciais da empresa, o que você tem para contar?
Luis Barbieri: Marcus gosta de dizer que nossa sala de ovos, onde eles são higienizados, analisados, selecionados e embalados, é tão limpa quanto um centro cirúrgico. Para se ter uma ideia, investimentos em equipamentos como o crack detector, permite detectar micro fissuras na casca do ovo que não são percebidas pelos olhos.
Além disso, nos aviários de recria – o jardim de infância das aves –, temos o Jump Start, uma plataforma móvel única no Brasil que contribui para o desenvolvimento muscular das pintainhas e encoraja o voo desde a mais tenra idade das aves. Nossa caixa amarela é outro diferencial no mercado. Você a reconhece de longe nas gôndolas.
E, por fim, criamos a Folio, uma rede de produtores rurais que têm como objetivo produzir e disseminar conhecimento agrícola e ampliar a rede de troca dos produtores. Em outubro do ano passado, a Folio ganhou o prêmio do MIT Solve, na categoria Ecossistemas Resilientes, com o projeto de um banco de sementes para adubação verde, e do qual temos muito orgulho.
A Lavoura:O que você poderia destacar como aprendizado durante essa jornada?
Luis Barbieri: São vários aprendizados, e a gente vem evoluindo a cada dia tanto na produção de grãos quanto na produção de ovos e na distribuição comercial. Antes mesmo de termos nossa primeira galinha, já tínhamos o milho, por entender a importância de desenvolver a cadeia como um todo. Então, de lá para cá, avançamos bastante em aspectos como a conversão de pastagens, modelo produtivo, escolha de variedades, formulação das rações e também evoluímos na logística da distribuição.
A Lavoura: E para quem pretende entrar neste mercado, algum conselho?
Luis Barbieri: O conselho que eu daria para quem deseja investir nesse tipo de negócio, seja na avicultura orgânica ou no grão orgânico, é muito planejamento. É conhecer o mercado, a produção.
Na Raiar, tivemos um trabalho de dois anos de planejamento antes de começar a fazer qualquer coisa. É importante conversar com o seu consumidor, com o fornecedor de equipamentos, com quem já está no setor para entender as dificuldades, as oportunidades e os caminhos. O planejamento ajuda você a ter norte e estar preparado para as adversidades. Meu principal conselho é: converse, mergulhe nos números, custos, riscos. Além disso, faça tudo sempre muito bem feito.
Parceria
A Raiar Alimentos é uma das empresas que fazem parte da rede OrganicsNet, projeto implementado pela Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) em 2008. A iniciativa, que contou com o apoio do Fundo Multilateral de Investimento, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Sebrae, está focada na melhoria da cadeia de produção orgânica brasileira para aumentar a competitividade dos produtores e sua penetração no mercado.
Com o objetivo de aprimorar a eficiência e fortalecer a cadeia de produção orgânica, a rede OrganicsNet divulga notícias e informações dos associados. Eles têm à disposição uma página, dentro do site, que pode ser assinada, servindo de vitrine para a empresa e seus produtos.
A participação nesta rede permite alcançar maior visibilidade, novos mercados e consumidores, buscando produção de escala, mercados sustentáveis e melhoria da qual idade dos produtos. Atualmente OrganicsNet conta, com reconhecidas empresas, cooperativas, agroindústrias certificadas como orgânicas, dentre seus mais de 45 membros.