O diretor jurídico da SoluBio, Juan Acosta, explica como os projetos de lei em andamento no congresso podem regulamentar a produção de bioinsumos no Brasil e permitir a produção na fazenda para consumo próprio
Nos últimos anos, os bioinsumos vêm ganhando cada vez mais espaço no mercado brasileiro, extrapolando as fronteiras dos produtores orgânicos e conquistando adeptos na agricultura convencional.
Até mesmo grandes players produtores de agroquímicos estão criando novas linhas de negócios para produção e comercialização de insumos biológicos.
Em 2020, o governo federal lançou o Programa Nacional de Bioinsumos do Ministério da Agricultura. Pecuária e Abastecimento (Mapa), com o objetivo de estimular o segmento de biológicos no país. Agora cabe ao Congresso Nacional aprovar um marco legal dos bioinsumos.
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Atualmente, dois Projetos de Lei (PL) estão em discussão. Na Câmara dos Deputados, o PL 658/2021, do deputado Zé Vitor (PL/MG), e no Senado, o PL 3668/ 2021, do senador Jaques Wagner (PT/BA).
“Estamos na cara do gol para um marco legal”, disse Juan Acosta, diretor jurídico da SoluBio, em entrevista à Revista A Lavoura.
Contudo, o advogado ressalta que será necessário um consenso entre senadores e deputados para decidir qual projeto de lei prevalecerá, ou se poderão ser apensados um ao outro.
“O atual cenário que vejo é discussão de consenso entre partidos de ambos os projetos, pois eles diferem pouco um do outro. Se houver um consenso de parte do Senado e Câmara por algum dos projetos, estamos muito próximos de termos um marco regulatório”, avalia Acosta.
O PL 658 está um pouco mais avançado, tendo sido aprovado pela Comissão de Finanças e Tributação, restando apenas a votação na Comissão de Constituição e Justiça. No entanto, há requerimento de urgência, o que pode levar o texto diretamente ao Plenário da Casa. Já o PL 3668 ainda está em discussão na primeira Comissão, a de Meio Ambiente.
Separação dos químicos
Acosta explica que tanto o PL 658, quanto o PL 3668, criam um marco legal para definir o que são os bioinsumos, e separam definitivamente os produtos químicos dos produtos biológicos.
Hoje, os bioinsumos produzidos para comercialização seguem os mesmos passos para registro que os agroquímicos. A expectativa, segundo o advogado, é que o marco legal facilite esse processo.
“Ambos projetos preveem um processo de registro mais simplificado. O bioinsumo seguirá um rito um pouco mais simplificado”, diz.
Outro ponto importante dos projetos é a possibilidade de registro do bioinsumo, independente da sua função. Isto é, permitem um registro multifuncional dos bioinsumos, seja ele para biocontrole, nutrição do solo, ou promoção de crescimento vegetal, por exemplo.
“Um microorganismo às vezes tem duas funções. Pela legislação hoje, uma indústria pequena acaba registrando pela via menos custosa”, conta Acosta.
Ambos os PL também delegam ao Mapa a responsabilidade de fiscalizar a produção e importação dos bioinsumos, seja para fins comerciais ou próprios, bem como de registrar estabelecimentos e produtos.
Fabricação de bioinsumos na fazenda
Um dos pontos polêmicos das propostas em votação no Congresso é a possibilidade da produção de bioinsumos pelos agricultores na fazenda – ou on farm, no termo em inglês – para consumo próprio. Desde 2018, essa prática é permitida a todos os produtores, porém via decreto, o que traz insegurança jurídica.
“Dentro desse marco de bioinsumos, o agricultor tem a possibilidade de produzir seu próprio bioinsumo para reduzir custos, uma atividade regenerativa dentro da fazenda e criar uma independência contra a importação e preços práticas por multinacionais”, defende Juan Acosta.
O diretor jurídico explica que a produção para uso próprio depende de uma biofábrica, e que o governo já disponibiliza uma carteira de crédito para financiar essas estruturas a pequenos e médios agricultores.
“O próprio Plano Safra de 2021 já possui linhas de financiamento para biofábricas”, pontua.
O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por meio do BNDES AGRO, também possui uma linha de crédito para cooperativas, o Prodecoop, para a aquisição de equipamentos para a produção dos bioinsumos.
As cooperativas, inclusive, estão incluídas em ambos os projetos de lei que tentam delimitar um marco legal dos bioinsumos, como forma de facilitar a produção dos bioinsumos on farm.
“É um ponto muito interessante para estimular os pequenos e os médios”, acredita Acosta. .
“Se você permitir a associação de pequenos, sejam em consórcios rurais, associações e cooperativas, você diminuirá os custos. Ambos os PL preveem a possibilidade de associação cooperativa de modo a facilitar e democratizar o acesso a essa ferramenta”, completa.
Acosta estima que a cada cinco litros de microrganismos benéficos e puros são multiplicados em 500 litros, o que, além da redução de custos, ocasiona uma diminuição de resíduos, ou cerca de 33 bombonas de plástico por multiplicação/aplicação. Ainda de acordo com dados da SoluBio, a redução de custos frente ao uso de químicos pode chegar a até 70%.
O marco legal também determina que novas empresas, laboratórios e universidades, públicas e privadas, possam fornecer aos produtores germoplasma, que seria a bactéria concentrada e pura usada para multiplicação.
Proposta encontra resistência
A proposta de produção de bioinsumos on farm para consumo próprio encontra resistência, principalmente entre os grandes players da indústria de agroquímicos e por órgãos reguladores, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que chamam a atenção para os riscos sanitários envolvidos nesse sistema de produção.
“A indústria química está tentando discutir os riscos atrelados à produção orgânica, pedindo o máximo de controle estatal para a atividade da produção de bioinsumos, por outro lado, associações de produtores e a comunidade científica defende que a produção de bioinsumo para consumo próprio é de baixíssimo risco, se bem manejados”, afirma o diretor da Solubio.
Durante a última audiência pública sobre o PL 3668, a Anvisa reconheceu que “o bioinsumo bem manejado é de baixíssimo risco”. Entretanto, considerou o PL inadequado do ponto de vista técnico-sanitário, segundo a especialista em Regulação e Vigilância Sanitária da Anvisa, Marina Leal Bicelli de Aguiar.
“Temos uma preocupação com que os microorganismos sejam multiplicados em escala sem controle de qualidade”, disse a especialista na ocasião.
Atualmente, esse termo é regulado de forma tripartite, com participação da Anvisa, do Mapa e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em que o insumo biológico é tratado da mesma maneira que o um químico.
De acordo com Acosta, no caso da produção de bioinsumos para consumo próprio, ambos os projetos de lei em discussão exigem o mínimo para que o estado consiga depois fiscalizar.
“Os projetos exigem um cadastro simplificado onde o produtor vai declarar o que vai produzir (…) Isso pode dialogar com o “PL do autocontrole”, que conta com o apoio das entidades do setor”.
O Projeto de Lei n° 1293, de 202, de autoria da Presidência da República, ou “PL do autocontrole”, estipula a adoção de programas de autocontrole por produtores rurais em matéria de defesa agropecuária que desburocratiza a fiscalização sanitária, por meio de amostragens e outras práticas. O PL conta com o apoio de diversas entidades, como a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).
Acosta explica que a simplificação e o autocontrole não significam menos controle de qualidade. Segundo ele, a Embrapa possui diversos manuais de multiplicação biológica para fabricação de bioinsumos, bem como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
“O PL 658, por exemplo, delega para o Mapa a edição de um manual de boas práticas que, imaginamos, teriam os procedimentos básicos para as práticas laboratoriais que o produtor desse seguir, garantindo segurança a todo o processo”, ressalta Acosta.