Além de visibilidade, preservação às espécies brasileiras, que têm características capazes de conquistar mercados importantes da alta gastronomia
O Banco Genético da Embrapa, que está entre os cinco maiores repositórios do gênero do mundo, ganhou a sua primeira coleção de baunilha, uma das espécies mais cobiçadas pela gastronomia. Cerca de 70 acessos (amostras) de orquídeas do gênero Vanilla compõem o primeiro banco de germoplasma do Brasil e o único do mundo a reunir um volume significativo de espécies da América do Sul.
Apesar da sua importância, principalmente para o mercado gastronômico, a baunilha é encontrada em poucas coleções de germoplasma no mundo. As de maior destaque são as do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad), instituição francesa que mantém 200 acessos de 30 espécies na Ilha da Reunião, e as coleções da Universidade da Califórnia, do Indian Institute of Spices Research (IISR) e a de alguns jardins botânicos.
O trabalho de coleta
Em quatro dias, pesquisadores percorreram áreas do estado de Goiás onde a baunilha é conhecida pela população. No município de Nova América, que já se chamou Baunilha, e em Itapirapuã, cerca de 30 mudas de diferentes espécies – Vanilla pompona, V. bahiana, V. chamissonis e uma ainda a ser identificada – foram coletadas e incorporadas ao primeiro banco de germoplasma da espécie, no Banco Genético da Embrapa.
“O objetivo das coletas é aumentar a diversidade genética dos acessos do banco de germoplasma e buscar materiais com características superiores de interesse para o projeto”, conta Fernando Rocha, pesquisador da Embrapa Cerrados que participou da atividade. A coleta foi realizada com a colaboração de pessoas da região, que conhecem os locais onde estão os remanescentes das espécies.
O material, além de compor o banco genético, será utilizado em estudos sobre as espécies. Uma primeira remessa de mudas foi plantada em uma área nativa da Embrapa Cerrados. “A coleção de trabalho será formada pelas principais espécies com potencial comercial”, conta Rocha ao informar que o material será caracterizado, multiplicado e utilizado em experimentos para o desenvolvimento dos processos da cultura.
Sabor popular
O aroma extraído das orquídeas Vanilla spp. é o mais popular e o mais utilizado no mundo. A baunilha contém cerca de 300 compostos químicos, responsáveis por um aroma único e com uma grande variedade de usos. É utilizada em sorvetes, doces, produtos de panificação, bebidas e aromas alimentares e em cosméticos. Cerca de 97% da baunilha é usada para fragrâncias e aromas.
“A nossa coleção é inédita e inclui inúmeras espécies silvestres do gênero Vanilla que nunca foram exploradas e que recentemente passaram a ter valor, podendo serem usadas não só no segmento da gastronomia como na indústria de cosméticos”, conta Roberto Vieira pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, líder do projeto de pesquisa sobre as baunilhas do Brasil.
A Embrapa também busca por materiais resistentes a doenças, em especial as causadas por viroses e fungos. “Esperamos encontrar materiais com genes resistentes a essas doenças, especialmente Fusarium, que é um fungo muito crítico nas baunilhas”, diz o pesquisador.
Incentivo à produção
Boa parte do material técnico disponível no Brasil está voltado para a Vanilla planifolia, espécie mexicana cultivada em todo o mundo. Segundo Vieira, para incentivar os produtores, que carecem de informação, a equipe tem realizado oficinas voltadas a levar conhecimento técnico e, ao mesmo tempo, reunir e conhecer o público que trabalha com a espécie.
Um dos desafios das Unidades da Embrapa envolvidas na pesquisa é a domesticação da cultura com o desenvolvimento de técnicas e protocolos de cultivo para a substituição do modelo extrativista que vigora no País. Apesar de o gênero Vanilla ter uma ampla distribuição no território brasileiro, com ocorrência em todos os estados e Distrito Federal, três espécies são consideradas de valor econômico atual ou de uso potencial: a Vanilla bahiana, a V. chamissonis e V. pompona.
A Vanilla bahiana aparece amplamente distribuída nas regiões Sudeste e Nordeste. A V. chamissonis apresenta ampla distribuição geográfica no Brasil, desde o extremo oriental até o extremo ocidental, estando presente nas cinco regiões do País. Já a V. pompona é conhecida atualmente nas regiões Sudeste, Nordeste, Centro-Oeste e Norte.
Mercado mundial
Atualmente, Madagascar é o maior produtor mundial de baunilha. Os tipos comumente encontrados são Bourbon, baunilha Mexicana, baunilha do Taiti e baunilha do Oeste da Índia. Das variedades disponíveis no mercado, a de Madagascar é a mais utilizada, respondendo por 70% do mercado internacional, enquanto os tipos restantes são do Taiti e do México.
A demanda por esse produto é maior do que a oferta, provavelmente porque a produção dos principais fornecedores de matérias-primas, como Madagascar e Indonésia, apresenta uma redução de produtividade, em função de doenças e adversidades climáticas.
O preço da baunilha curada é definido por empresas internacionais, e é, normalmente, semelhante ao preço em Madagascar. Nos últimos três anos, essas empresas cobravam cerca de 50 dólares pelo quilo do produto. Em alguns casos, pequenas quantidades de favas gourmet foram vendidas a 80 dólares o quilo.
De Goiás para o mundo
Foi o chef dinamarquês Simon Lau, que vive em Brasília desde os anos 1960, que “descobriu” as baunilhas do Cerrado e as introduziu como ingrediente na alta gastronomia da região. Quando um vendedor ambulante bateu à porta de sua casa na cidade de Goiás, ele comprou todas as favas que ele carregava em uma caixa de sapatos.
Enormes, quando comparadas às favas comerciais (chegam a medir 25 centímetros), passaram a ser difundidas no meio gastronômico e foram levadas a um festival na Espanha pelo chef Alex Atala. Chefs conceituados já a incorporaram em suas receitas. Emiliana Azambuja criou o vinagrete de cajuzinho do Cerrado com azeite de baunilha. Já Humberto Marra, a utiliza em um caramelo salgado servido sobre carne suína.
“O potencial aromático e de sabor da especiaria brasileira está se difundindo pelo mundo da gastronomia”, afirma a gastróloga e pesquisadora de baunilhas brasileiras, Cláudia Nasser. A maior parte das favas de Goiás vem do extrativismo e as práticas de produção seguem as técnicas adquiridas de seus antepassados.
A valorização do ingrediente tem levado a um extrativismo desordenado, o que pode causar um desequilíbrio na produção das plantas. “Precisamos entender a formação da cadeia produtiva das baunilhas brasileiras para termos um processo sustentável e justo, que possa auxiliar na renda dos agricultores familiares. Hoje, uma fava de Goiás é vendida por R$ 20,00 e na Internet, encontramos por até R$ 180,00”.