Cultivo agroflorestal do café vem mudando a realidade de mais de 30 famílias na Amazônia. (Foto: Michell Mello/Secretaria do Meio Ambiente)
Iniciado em 2012, o Projeto Café, idealizado pelo Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), no sul do Amazonas, em Apuí, vem resgatando a produção do café na região através de métodos agroecológicos, gerando renda para as populações locais e evitando desmatamento de novas áreas.
Muitos produtores da região haviam abandonado seus cafezais tradicionais pela baixa produtividade. Foi aí que pesquisadores do Idesam observaram que os frutos de cafezais abandonados apresentavam uma qualidade maior do que outros ainda ativos.
Isso ocorria pois o crescimento da floresta ao redor do cafezal forneceu sombra ao fruto, criando um ambiente ideal para o desenvolvimento de plantas e frutos mais saudáveis. O cafezal que estava embaixo das árvores produzia um grão muito maior, uma variedade de café adaptado para sombra, conhecido como conilon.
A partir dessa constatação, o Instituto mobilizou pequenos agricultores familiares para cultivar os cafezais em meio à floresta amazônica, no sistema agroflorestal (SAF).
Hoje, mais de 30 famílias colhem os frutos que dão origem ao Café Apuí Agroflorestal e o Café Apuí Orgânico, mas, em breve, esse número deve chegar a 300 famílias produtoras.
Pequena agricultora dobrou a produção
Moradora da zona rural de Apuí, Maria Bernadete Diniz, é uma das agricultoras de café na região. Além do grão, ela produz em seu sítio, com a ajuda do seu filho, mandioca, cará, banana e diversas outras frutas que viram alimentos do dia a dia.
Enquanto corta uma jaca e serve um café recém passado, Bernadete fala com orgulho das suas conquistas nos últimos anos. As mais significativas, segundo ela, são a sua casa de farinha, onde produz farinha com a mandioca plantada na sua propriedade; e o seu cafezal, que graças ao auxílio técnico do Idesam conseguiu mais do que dobrar a sua produtividade.
“Os vizinhos sempre comentavam para eu acabar com o café. Eu respondia sempre para deixar o meu café aí, pois um dia eu iria aprender. Quando foi um dia eu cheguei em casa e vi um convite debaixo da porta, que era do Idesam, falando que iam ajudar a gente a aprender a mexer com o café dessa forma. Eu fui mesmo com aquele interesse e falei para o técnico que se me colocassem no projeto eu iria vestir a camisa”, conta a produtora de café agroflorestal.
Por ser plantando em áreas sombreadas combinado com outras espécies, os cafés trazem grãos selecionados e colhidos no tempo certo, secados em terreiros suspensos.
Sem misturas ou aditivos e por ser 100% conilon, o Café Apuí proporciona uma bebida mais encorpada e com sabor que se destaca dos cafés comuns.
Valor agregado
A produção do café agroflorestal em Apuí sempre enfrentou muitos desafios, entre eles a agregação de valor ao produto final. Isso significa garantir, além do bom fruto, beneficiamento, torrefação, ensacagem e venda do grão. Sem atravessadores e com as parcerias locais certas, os agricultores hoje têm um retorno bem maior.
João Nilton Julião, outro produtor da zona rural de Apuí que acreditou na iniciativa desde o início, relata que sua família sempre trabalhou com café, desde antes de se mudarem do Espírito Santo para o Sul do Amazonas.
“Quando a gente veio para cá, a terra não era produtiva. A gente plantou café na terra de um outro tio meu, mas abandonamos lá e viemos pra cá, que era uma terra que já produzia, tinha outras lavouras”, conta o produtor.
Ele entrou para o time de produtores com a certificação orgânica, algo que junto à Rede Maniva de Agroecologia, o Idesam também busca expandir nos próximos anos.
“Na produção do café comum, quem usa veneno, quem usa adubo, faz com mais facilidade, tem um preço menor. E esse produzido com o apoio do Idesam de maneira orgânica é diferente, tem uma etapa a ser seguida, tem uma meta, aí você vai ter que se adequar. Às vezes você pode colher até menos, mas o preço é melhor e compensa. E outra coisa é a saúde né, pois você não mexe com veneno”, completa Julião.
Para Marina Reia, coordenadora do Instituto em Apuí, a própria força da “marca” Amazônia no produto final agrega um grande diferencial no mercado, ainda mais por se tratar de um café orgânico e atrelado a um projeto de desenvolvimento social.
“Por onde a gente vai, com investidores que a gente conversa, todo mundo diz, e é também nossa análise, de que a gente está no caminho certo para expandir essa iniciativa e Apuí ser uma referência na produção de café sustentável”, explica.
Recuperação florestal e mercado de carbono
Além de gerar renda para as famílias envolvidas na produção, o café em Sistema Agro Florestal vem ajudando a recuperar áreas desmatadas da Amazônia. Apuí é o oitavo município do Brasil com a maior taxa de desmatamento, em geral, decorrente da produção pecuária.
Hoje, já são cerca de 11 hectares de café em sistemas agroflorestais implantados, que além do café, também movimentam outro mercado: o de créditos de carbono para compensação de emissões.
Pedro Soares, gerente do Programa de Mudanças Climáticas (PMC) e coordenador da iniciativa Carbono Neutro Idesam, que desde o início tem acompanhado a evolução do projeto Café em Agrofloresta, ano passado encarou o desafio de levar a Apuí o já bem sucedido modelo de compensação de carbono aplicado em outro município do Amazonas, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Uatumã.
A marca de roupas carioca Farm e a consultoria internacional ERM (Environmental Resources Management) fecharam acordos de compensação de emissões, com sete famílias beneficiadas diretamente.
Outros grandes projetos com a We Forest e ReNature também foram iniciados em 2021, com a expectativa de implantar 175 hectares de SAFs em Apuí, impactando ainda mais famílias.
A iniciativa agora visa uma expansão para os próximos cinco anos, com planos de aumentar em 10 a 15 vezes o número de famílias cafeicultoras beneficiadas na região.
“É uma história muito maior do que produzir café. É o que garante a renda dos produtores e uma grande alternativa econômica. Mas é mais do que isso, nós estamos provando que é possível conciliar produção, economia, geração de renda, com sustentabilidade”, explica Soares.
“Sempre nos propusemos a implantar alternativas concretas para o desenvolvimento da Amazônia. Então se a gente consegue desenvolver bons modelos em Apuí, quer dizer que eles podem ser replicados em grande escala para outros municípios”, reforça.
Mais de 300 famílias
Recentemente, o Idesam junto à Amazônia Agroflorestal, Mirova Natural Capital e Axcell investimentos captaram R$ 11 milhões para expandir a produção do Café Apuí Agroflorestal de modo sustentável, com previsão de devolução do investimento em créditos de carbono.
Os recursos possibilitarão incluir mais de 300 famílias no cultivo do café em Apuí, com expansão das áreas de agroflorestas plantadas, para mais de 600 hectares ao longo dos próximos 10 anos.
“Um dos maiores desafios do Instituto é viabilizar a continuidade e expansão de projetos que demonstram viabilidade técnica e econômica, mas não conseguem acessar capital e investimentos para ganho de escala”, explica Mariano Cenamo, diretor de Novos Negócios do Idesam.
“Conseguir atrair o aporte de investidores privados como a Mirova e Axcell é a comprovação de que estamos no caminho certo, e esperamos que outras organizações possam seguir a mesma trajetória”, completa.
Em volume de produção, isso pode representar um salto para mais de 12 mil sacas de café agroflorestal por ano, o que representa um crescimento superior a 5.000%, no comparativo com a produção de 2021, que foi de 231 sacas.
O investimento traz também a possibilidade de ampliar a cesta de produtos e atingir novos mercados com o fortalecimento da presença no e-commerce.
Investimento fomenta escala do negócio
A rodada de investimentos foi liderada pela empresa Mirova Natural Capital, responsável pela gestão do Amazon Biodiversity Fund Brazil (ABF), fundo comercial privado de investimento de impacto lançado em 2019 e administrado pela gestora brasileira Vox Capital.
Desenhado em parceria com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID, na sigla em inglês) e Aliança Biodiversity e o The International Center for Tropical Agriculture (CIAT), está registrado como um Fundo de Investimento e Participações (FIP), com vigência de 11 anos e previsão de captar até R$ 300 milhões) no período.
“Estamos muito felizes em conseguir investir neste projeto icônico e de alto impacto. Este projeto trará conhecimento aos pequenos produtores numa região importante para o desenvolvimento da bioeconomia da Amazônia, e conectar-lhes aos mercados de café e serviços ambientais. O potencial do projeto é enorme, fortalecido pelo grupo de sócios e parceiros com ampla experiência no Amazonas”, Nick Oakes, diretor de Investimentos do fundo ABF.
A outra investidora, Axcell, é uma aceleradora de impacto recém-criada, com foco em negócios de impacto da Amazônia, sediada em Manaus.
“O aporte na Iniciativa Café Apuí é parte da nossa estratégia de investir em empreendimentos sustentáveis e de impacto, que fortaleçam todo o ecossistema da cadeia produtiva no Amazonas, estando a empresa com ótima governança e maturidade”, destaca Átila Denys, investidor-anjo em negócios de impacto e acionista da Axcell.
O contrato com as investidoras está baseado no retorno em créditos de carbono, o que beneficiará também os produtores de café, que terão retorno pela atividade de conservação que promovem nas áreas de floresta de suas propriedades.
O projeto de carbono ainda está em fase de desenvolvimento, e em breve os termos para repartição de benefícios por serviços ambientais serão firmados com os produtores. A expectativa é de que haja ainda mais desenvolvimento econômico e conservação florestal incentivada pelos créditos de carbono gerados pelo projeto.
“É um arranjo bastante inovador, e que para além de ser uma solução interessante, reconhece o papel que os produtores têm na conservação de florestas. O Idesam, como parceiro técnico do projeto de carbono, está muito satisfeito em poder trazer ainda mais incentivos aos seus parceiros no campo”, explica Victoria Bastos, coordenadora de Mudanças Climáticas do Idesam.