Por ser um alimento de fácil decomposição, o pescado exige cuidados relacionados à manipulação e conservação
O setor pesqueiro brasileiro é responsável por gerar um milhão de empregos diretos e uma renda anual de R$ 5 bilhões, segundo estatísticas da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca (SEAP/PR, 2008). No entanto, a ausência de assistência técnica adequada e de políticas públicas voltadas ao setor levou ao seu crescimento desordenado, resultando em elevados índices de exclusão, empobrecimento da pesca artesanal e esgotamento dos principais estoques naturais de pescado. Além disso, as precárias condições de manipulação após a captura ou despesca, durante o transporte e, principalmente, a falta de higiene no processamento dos peixes, levam à veiculação de inúmeras doenças aos próprios manipuladores, pescadores e consumidores desses produtos.
O baixo consumo de pescado brasileiro, causado dentre outros fatores por razões culturais e socioeconômicas, também é consequência da falta de políticas públicas voltadas ao setor, ausência de estabelecimentos comerciais especializados na venda de pescado e falta de qualidade dos produtos encontrados em feiras livres e entrepostos.
O consumo de peixes é importante devido ao seu alto valor nutritivo, pois possuem elevados teores de vitamina A e D, gordura insaturada, proteína de excelente valor biológico, além de serem fonte de cálcio e fósforo. A proteína de pescado é considerada de excelente qualidade por conter todos os aminoácidos necessários ao desenvolvimento e manutenção dos músculos, e ser de fácil digestão. Os lipídios, em sua maioria, são compostos por ácidos graxos insaturados, conhecidos popularmente por ômega três e seis, são importantes na prevenção de doenças cardiovasculares e circulatórios.
Problemas com manuseio inapropriado
Apesar de conter nutrientes essenciais para alimentação humana, o pescado também pode veicular uma gama enorme de micro-organismos patogênicos, a maior parte deles fruto da contaminação do ambiente ou pelo manuseio inapropriado.
Dentre os agentes transmitidos por pescado encontram-se os endoparasitos, as biotoxinas, os poluentes químicos e metais tóxicos. Alguns contaminantes podem causar uma pequena e passageira intoxicação alimentar, enquanto outras substâncias (como as biotoxinas) podem provocar um problema neurológico grave.
O ideal seria apenas consumir pescado de lugares com garantia de origem comprovada, de produções ou extrativismo livres de contaminantes e de águas não poluídas. Porém, isso se torna quase impossível no mundo atual. Assim, algumas medidas poderiam minimizar a contaminação do pescado, ou mesmo impedir a veiculação de certas doenças, diminuindo o risco de ingestão de um produto contendo algum tipo de patógeno ou toxina, como: cuidados na manipulação do pescado desde sua captura ou despesca, utilizando-se estruturas bem higienizadas, funcionários asseados e manejo dos peixes de forma a garantir o mínimo de injúrias e cortes na pele, evitando-se a contaminação do músculo; higiene no recebimento do produto; todas essas atividades devem ser realizadas com o uso de gelo e o armazenamento deve ser imediato, em temperaturas próximas de zero graus celsius, sob refrigeração constante.
Baixas temperaturas inibem a ação prejudicial dos micro-organismos e de suas enzimas proteolíticas (que degradam a proteína). Porém, alguns tipos de pescado podem sofrer alterações de sabor e cor durante a estocagem congelada, por isso mais estudos aplicados nessa área devem ser realizados no intuito de garantir não só segurança alimentar, mas também qualidade sensorial do pescado refrigerados e congelados.
Fiscalização
A ingestão de pescado cru também não é aconselhável, já que estão sujeitos à contaminação pelos mais variados micro-organismos que podem ser inativados pelo tratamento térmico ou cozimento. Do mesmo modo, faz-se necessária maior fiscalização na importação de produtos, principalmente aqueles oriundos de países onde existam doenças endêmicas veiculadas pela ingestão de organismos aquáticos contaminados, e no abate e processamento do pescado.
O pescado exige cuidados relacionados à manipulação e conservação por ser um alimento de fácil decomposição. Talvez a conscientização dos consumidores seja uma maneira de pressionar os mercados a oferecer produtos de qualidade e, assim, melhorar a higiene dos produtos vendidos. Fiscalização sanitária e educação alimentar também podem contribuir para aumentar o consumo de peixes de forma ordenada e segura, e aí sim proporcionar mais saúde aos seus consumidores.
Fabíola H. S. Fogaça, Pesquisadora Embrapa Meio-Norte/Núcleo de Aquicultura – fabiolafogaca@cpamn.embrapa.br
Cresce interesse pelos aspectos nutricionais do pescado
O interesse pelo pescado como alimento aumentou após a expansão da ciência da nutrição, constatando-se o seu importante valor nutritivo, principalmente pelos altos teores de vitaminas A e D, cálcio e fósforo, baixa quantidade e considerável qualidade dos lipídios, bem como pela presença de proteínas de elevado valor biológico. É o que aponta Cristiane Rodrigues Pinheiro Neiva, pesquisadora e diretora da Unidade Laboratorial de Referência em Tecnologia do Pescado do Instituto de Pesca, órgão ligado à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado (IB/Apta/SAA).
Em artigo, Cristiane explica que a composição do pescado varia entre 60 e 85% de umidade, aproximadamente 20% de proteína bruta, 1 a 2% de cinzas e 0,6 a 36% de lipídios. Em relação aos aminoácidos essenciais, a composição do pescado é completa, balanceada e bastante semelhante entre as espécies de água doce e do mar.
“A carne de pescado apresenta boa digestibilidade por conter menos tecido conjuntivo (3%) em comparação com a de mamíferos (17%). Apresenta ainda, em média, 5% de gordura (cerca de 1/3 da apresentada por mamíferos), 26% de proteína, todos os aminoácidos (1 a 5 mg de aminoácidos livres/grama de proteína), elevados teores de vitaminas do complexo B e menos do que 1,5% de matéria mineral, embora seja excelente fonte de cálcio e fósforo”, complementa.
A pesquisadora alerta, ainda, que o pescado tem elevado teor de lisina, “sendo, por isso, necessário na dieta brasileira, constituída basicamente de arroz”. A digestibilidade é alta, acima de 95% conforme a espécie, e maior que a das carnes em geral e do leite.
O teor de lipídios varia em função da espécie, tipo de músculo, sexo, idade, época do ano, habitat e dieta. Eles são importantes como fonte de energia, como constituintes de membranas celulares, nutrientes essenciais, substâncias controladoras do metabolismo, substâncias isolantes de temperatura e protetores contra danos mecânicos externos. Podem estar associados, positiva ou negativamente, a diversas propriedades como sabor, cor, características emulsificantes e conteúdo calórico.
E o diferencial nos pescados é a presença de ácidos graxos poli-insaturados, correlacionados à baixa incidência de doenças cardiovasculares nos esquimós e japoneses, povos com elevado consumo. “A partir da década de 50, pesquisas começaram a demonstrar a influência dos ácidos graxos insaturados na redução das taxas séricas do colesterol, enquanto outras demonstraram que esses ácidos também reduziram o risco de doenças como artrite e câncer. Apesar de necessários para inúmeras reações bioquímicas, o ser humano precisa ingerir ácidos graxos essenciais, pois eles não são produzidos pelo organismo”.
Os ácidos graxos têm uma série de funções no organismo humano, como atuar na construção de células, desenvolvimento do cérebro e da retina, e a ausência causa uma série de anomalias fisiológicas e bioquímicas, prejudicando o crescimento e a fertilidade, por exemplo.
Além de peixes, vários outros alimentos disponibilizam esses ácidos graxos, conforme Cristiane, como o óleo de linhaça, nozes, sementes de abóbora, sementes de gergelim, abacate, óleo de canola não-refinado e extraído a frio, mostarda e alguns vegetais verde escuros, mas os animais marinhos, especialmente peixes como salmão, cavala, sardinha, anchova e atum, são “campeões”.
Cristiane dá uma informação preocupante: pesquisas de caracterização da alimentação complementar para o primeiro ano de vida da criança relataram que o peixe foi um dos alimentos mais rejeitado, sendo que 85,4% das mães entrevistadas admitiram não ter interesse na inclusão de peixe na dieta infantil. Embora não haja consenso na literatura sobre o melhor período da vida para a introdução do peixe na dieta, segundo ela, é desejável que ocorra gradualmente a partir do sexto mês de vida.