A área dedicada à vegetação nativa no Brasil equivale à superfície de 48 países e territórios da Europa
Ali ficamos um pedaço, (…)
entre esse arvoredo, que é tanto, tamanho, tão basto
e de tantas prumagens, que homens as não podem contar. “Pero Vaz de Caminha”
O que é feito das florestas e da vegetação nativa do Brasil? O avanço científico e o monitoramento por satélite respondem essa pergunta. Estudo recente da Embrapa Territorial, com dados cartográficos e imagens orbitais, mostra um oceano verde no Brasil, com muitas tonalidades e matizes. As áreas preservadas, conservadas e protegidas do território brasileiro têm dimensões continentais, sem equivalente. Seus tons de verde, próprios da zona equatorial, tropical e até temperada, foram mapeados, estimados e quantificados em escala municipal, estadual e nacional. São quase 6 milhões de quilômetros quadrados de áreas verdes num só país. Para honra e glória da fotossíntese.
Áreas protegidas
Parte desse verde decorre de o Brasil possuir a maior rede de terras protegidas no planeta. Como afirma o relatório da ONU sobre as Áreas Protegidas no Planeta (Unep Protected Planet Report): The most extensive coverage achieved at a regional level is for Latin America and the Caribbean (…). Half of the entire region’s protected land is in Brazil, making it the largest national terrestrial protected area network in the world. (A mais ampla cobertura vegetal alcançada em nível regional está na América Latina e no Caribe (…). Metade de todas as terras protegidas da região está no Brasil, sendo a maior rede nacional de áreas protegidas terrestres do mundo.)
Essas áreas protegidas, constituídas por unidades de conservação integral (parques nacionais, estações ecológicas etc.) e terras indígenas, resultam de leis e decretos federais, estaduais e municipais. São terras públicas. As 1.689 unidades de conservação integral protegem 9,3% do território nacional. E as 614 terras indígenas ocupam 13,8% do país. O total protegido recobre 1.974.400 quilômetros quadrados, ou 23,2% do Brasil.
A gestão de cada uma dessas 2.303 áreas protegidas é um enorme desafio técnico e operacional. Como evitar seu desmatamento? Como financiar a sua conservação e respeitar as finalidades para e pelas quais foram criadas?
Áreas preservadas
Ao lado das áreas protegidas, o país mantém um enorme mosaico de áreas dedicadas à preservação da vegetação nativa em terras privadas. Hoje, elas estão mapeadas graças ao Cadastro Ambiental Rural (CAR). Esse cadastro foi instituído pelo Código Florestal (Lei nº 12.651, de 25/5/2012) como um registro eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais. Cada agricultor marcou o perímetro de seu imóvel rural em imagens de satélite com 5 metros de detalhe e delimitou: vegetação nativa, nascentes, rios etc., num total mapeado de 18 categorias previstas no CAR, além de outros dados. No início de 2021, graças ao avanço da informatização no campo, os dados geocodificados de cerca de 6 milhões de imóveis rurais e 4,6 milhões de quilômetros quadrados estavam registrados no Ministério da Agricultura.
O cômputo por geoprocessamento desses dados e de outros do IBGE pela Embrapa Territorial somou mais de 2,8 milhões de quilômetros quadrados de áreas dedicadas à preservação no mundo rural, a maioria em terras privadas. Os cerca de 6 milhões imóveis rurais registrados no CAR contribuem com cerca de 2,3 milhões de quilômetros quadrados de vegetação nativa. Os 554.432 quilômetros quadrados restantes são de 1,8 milhão de estabelecimentos agropecuários, ainda sem registro no CAR, levantados pelo Censo Agropecuário 2017.
Esse total representa 33,2% do território nacional. Ou seja, o mundo rural preserva um terço do Brasil. E utiliza, em média, 49,4% da área dos imóveis rurais. Caso único no planeta, o agricultor brasileiro usa, em média, apenas 50% de suas terras. O resto é dedicado à preservação.
Áreas verdes
As áreas protegidas em terras públicas e as preservadas pelo mundo rural em terras privadas totalizam cerca de 4,8 milhões de quilômetros quadrados, ou 56,4% do Brasil. Ainda restam muitos locais com vegetação nativa não contidos nas terras protegidas e/ou preservadas. No Amazonas e no Pará, por exemplo, há grandes vazios com vegetação nativa não mapeada, associados a terras devolutas e a áreas militares, como a do Cachimbo, no sul do Pará. No semiárido nordestino há uma rarefação de informação associada ao menor cadastramento de imóveis rurais no CAR. Toda essa vegetação nativa foi mapeada e quantificada, de forma complementar.
Quando às áreas protegidas e preservadas se agregam as de vegetação nativa em terras devolutas, áreas militares e imóveis rurais ainda não cadastrados ou disponíveis no CAR (10%), chega-se a um total de 5.642.359 quilômetros quadrados, ou 66,3% do território nacional.
Atribuição, ocupação e uso das terras
Há uma década, a Embrapa Territorial quantifica o uso e a ocupação das terras no Brasil com dados de satélite, fontes cartográficas e numéricas de órgãos públicos, além de informações de instituições privadas e não governamentais. A tabela resume, em números absolutos e relativos, uma estimativa do conjunto das áreas das categorias de atribuição, ocupação e uso das terras no Brasil em 2021.
O gráfico a seguir, o green card do Brasil, destaca a dimensão das áreas dedicadas à preservação e à proteção da vegetação nativa (66,3% do país) e o papel decisivo dos agricultores na preservação ambiental (33,2% do país). O mundo rural “ocupa” cerca de 63,4% do território nacional, usa apenas 30,2% (pastagens, lavouras e florestas plantadas) e destina à preservação da vegetação nativa uma área equivalente a um terço do território nacional.
Vários desses números apresentam uma variabilidade intra-anual devido à dinâmica da agricultura. Um exemplo é o crescimento da integração lavoura-pecuária (ILP) nos sistemas de produção. No ILP, no mesmo ano, a mesma área durante alguns meses é ocupada por uma ou duas lavouras (primavera e verão) e em outros transformada em pastagem (outono e inverno). Não se trata mais de opor as lavouras às pastagens na agropecuária brasileira. Os dois usos são possíveis numa mesma área, ao longo de um ano, graças a inovações tecnológicas como o ILP e outras. A área total dos sistemas intensificados de ILP aproxima-se de 20 milhões de hectares. Como situá-los no gráfico? No verão, são milhões de hectares de lavouras e no inverno uma área equivalente de pastagens.
Eles veem o desmatamento e não os plantios e a regeneração florestal
Outro fato a ser considerado é a dinâmica da recuperação das florestas e outros tipos de vegetação no mundo rural. O balanço entre desmatamento e regeneração florestal na Amazônia pelo Projeto Terraclass mostra: quase 30% das áreas mapeadas como desmatadas nos últimos 30 anos hoje estão ocupadas de novo por vegetação nativa, em diversos estágios de regeneração florestal (Terraclass Embrapa/Inpe).
Não é tanto a zona rural quem contém manchas de florestas e de vegetação nativa. É mais a vegetação nativa, protegida, preservada e conservada em 66,3% do país quem contém as atividades agropecuárias. O mundo rural brasileiro é uma sucessão de ilhas e arquipélagos num oceano de tons de verde.
Ver o verde
Se, como Garcia Lorca, o território brasileiro proclama: “Verde que te quiero verde”, outros agem ao contrário: “Verde que no quiero verte”. Ao falar do Brasil, muitos, no Brasil e no exterior, parecem colocar óculos de aumento, com lentes verdes, para não ver o verde.
Eles veem apenas o desmatamento e não os plantios e a regeneração florestal. Veem as emissões de CO2 e não o sequestro de carbono pela agricultura. Seu foco está nos impactos ambientais negativos da agropecuária. Os positivos não existiriam. O balanço líquido dos processos ambientais não interessa. Eles não dirigem seu olhar à situação ambiental das cidades onde vivem, nem para a própria casa. Olham de longe para o campo distante e não veem o verde na agricultura. Sobre esses “verdes” e sua atitude, cada árvore das florestas brasileiras diz e interroga como Luís de Camões em sua Lírica:
“Eles verdes, são,
E tem por usança
Na cor esperança
E nas obras não.
Vossa condição
Não é de olhos verdes,
Porque me não vedes?”