Em ambientes quentes e úmidos deve-se estar atento para modificar a dieta como medida de suporte para aumentar ainda mais os benefícios oriundos das modificações ambientais
A pecuária é uma atividade altamente dependente dos fatores climáticos, cujas alterações podem afetar a produtividade e o manejo dos animais. As condições de adaptação dos sistemas de produção de leite à mudança do clima podem ser variáveis, colocando-os em posições mais ou menos vulneráveis em função dos diferentes cenários climáticos. Segundo as previsões, as regiões tropicais e subtropicais serão as mais afetadas pela a mudança do clima e os países em desenvolvimento poderão ser mais afetados devido às economias de baixo capital, às deficiências de mercados, à predominância de atividades agropecuária, entre outros fatores. Independente deste cenário, baseado no aquecimento global, ambientes quentes e úmidos, frequentemente encontrados em regiões tropicais e subtropicais, como é o caso do Brasil, podem tomar-se extremamente desconfortáveis para as vacas leiteiras, principalmente para aquelas em lactação e de alto potencial para produção de leite.
O desempenho produtivo e reprodutivo destes animais diminui consideravelmente, principalmente durante o verão, quando a temperatura ambiente e umidade relativa do ar atingem o pico, conforme pode ser observado no zoneamento bioclimatológico da região Sudeste do Brasil para prognóstico de declínio na produção de leite e na taxa de concepção de vacas holandesas em função do índice de temperatura e umidade, disponível no site da Embrapa Gado de Leite. Estes fatores ambientais aliados à produção de calor metabólico do animal reduzem sua capacidade de eliminar o calor corporal, resultando em uma condição conhecida como estresse calórico, que pode diminuir a produção de leite em até 30%, bem como comprometer o desempenho produtivo e reprodutivo. A maneira mais eficiente de se combater o estresse calórico é estabelecer um sistema de manejo e de ambiente integrados com o objetivo de manter a temperatura corporal do animal próxima do normal (38ºC a 39ºC) a maior parte do dia.
O que é estresse calórico?
Estresse calórico é o desequilíbrio que ocorre no organismo do animal em resposta às condições ambientais adversas tais como alta temperatura ambiente, alta umidade relativa do ar e alta radiação solar. Estas condições, aliadas à alta produção de calor metabólico, resultam em um estoque de calor corporal excedente. O estresse calórico ocorre, então, quando a carga térmica que o animal recebe do ambiente, adicionada à carga calórica produzida pelo metabolismo, são maiores que a capacidade do animal em eliminar para o ambiente o estoque de calor excedente. Para haver dissipação de calor é necessário um gradiente térmico entre a temperatura do corpo do animal e a temperatura ambiente. Em condições ambientais adversas, como as que ocorrem no verão, o gradiente térmico desaparece, e no lugar de perder calor para o ambiente o animal passa a receber mais calor, aumentando assim a sua carga calórica. Em geral, quanto mais alta a produção de leite maior é a quantidade de calor produzido na digestão e metabolismo dos alimentos estando, assim, as vacas de alta produção mais susceptíveis ao estresse calórico.
As consequências
A primeira alteração perceptível em consequência do estresse calórico é, talvez, a alteração do comportamento dos animais e, em alguns casos, estas alterações representam a única indicação de que o estresse está presente. No entanto, dentre os distúrbios mais comumente observados podemos citar a redução de consumo de alimentos e da taxa metabólica, aumento da temperatura retal e da frequência respiratória, aumento do consumo de água, alterações das concentrações
hormonais, aumento da sudorese e alterações das necessidades de mantença. Finalmente, estes mecanismos resultam em redução da produção de leite e baixas taxas de concepção, ocasionando perdas econômicas significativas para o produtor.
Sinais de estresse calórico
Alguns sinais de estresse calórico são visíveis nas vacas em lactação, especialmente a redução da produção de leite e o comportamento letárgico dos animais. A sensibilidade à temperatura ambiente alta manifesta-se por aumento da temperatura retal (o principal indicador), aumento da taxa respiratória e redução da produção (produção de leite e ganho de peso), do consumo de alimento e da eficiência reprodutiva. Sinais de estresse podem ocorrer quando a temperatura ambiente encontra-se na faixa entre 26 e 32OC e a umidade relativa do ar entre 50 a 90%. Estes sinais incluem respiração rápida e superficial, sudorese abundante e aproximadamente 10% de redução da produção de leite e do consumo de alimentos. Quando a temperatura aumenta de 32 para 37,8OC e a umidade permanece entre 50 e 90% os animais apresentam redução severa da produção de leite, normalmente superior a 25%, bem como da ingestão dos alimentos e há uma elevação da temperatura corporal. Neste ponto, inicia-se a manifestação de um dos sinais mais significativos do estresse calórico que é a respiração com a boca aberta. Normalmente, a combinação de temperatura ambiente com a umidade relativa do ar que resulte em um ITU superior a 90 poderá provocar sinais de estresse calórico severo em vacas de alta produção e de estresse calórico moderado em vacas de baixa produção. Em casos severos, as vacas podem morrer de calor extremo, especialmente quando ocorrem complicações associadas a outros tipos de estresse como aqueles provocados por doenças ou parto.
Recomenda-se prestar atenção no rebanho para identificar os animais que estejam apresentando os seguintes sinais:
- procura por sombra (não abandona a sombra para se alimentar ou beber água);
- aumento da ingestão de água;
- redução do consumo de alimentos;
- permanece de pé ao invés de deitar;
- aumento da frequência respiratória;
- aumento da temperatura retal;
- aumento da produção de suor;
- salivação excessiva.
Atenção especial deve ser dispensada a estes animais para evitar redução acentuada da produção de leite e da fertilidade, gerando sérios prejuízos econômicos para o produtor.
Como medir o estresse calórico
Existem diferentes índices para se medir o estresse calórico, sendo o mais comum o Índice de Temperatura e Umidade (ITU), calculado a partir da temperatura e da umidade relativa do ar. Vacas de leite começam a sofrer com o estresse calórico quando o ITU excede 72. A temperatura ambiente considerada limite para produção de leite está em torno de 25OC, e neste caso a umidade relativa deve permanecer abaixo de 50%. Quando a temperatura aumenta para 26OC com a mesma umidade relativa, o ITU ultrapassa o valor de 72 e já ocorre uma redução do consumo de alimento e da produção de leite. A fertilidade do rebanho também passa a ser afetada. Com temperaturas em torno de 32OC e a umidade relativa do ar acima de 60%, a queda na produção de leite pode chegar a 30% e a taxa de concepção fica seriamente compro-metida. No entanto, é importante ressaltar que as raças diferem nas suas respostas fisiológicas e adaptação ao ambiente térmico. Vacas holandesas mostraram maiores frequências respiratória e cardíaca, bem como temperatura retal mais elevada que animais das raças indianas e mestiços em condições climáticas semelhantes. Trabalhos recentes realizados na Embrapa Gado de Leite identificaram valores limites do ITU para manutenção da normotermia (temperatura retal em níveis normais) de vacas mestiças HXZ produzindo em média 10kg/leite/dia. Assim vacas 1/2 sangue, 3/4 e 7/8 conseguem manter a normotermia com o ITU igual 80; 77 e 75, respectivamente. Acima destes valores observa-se aumento da temperatura retal destes animais indicando que se encontram sob um processo de estresse calórico.
Para saber se suas vacas estão sendo afetadas pelo estresse calórico, escolha dez vacas em lactação ao acaso e tome a temperatura retal (TR) destes animais. Para isto, é importante conhecer o comportamento da temperatura retal dos bovinos, que usualmente apresenta um picao elevado no início da tarde e valores mínimos no início da manhã, dentro da faixa de normalidade de 38ºC a 39ºC. Portanto, deve-se fazer este teste antes da ordenha da tarde. Se sete ou mais vacas apresentarem a temperatura corporal acima de 39,4ºC, é sinal que estes animais estão exibindo sintomas de estresse calórico. Em estresse calórico severo, a temperatura das vacas pode exceder a 40OC. Deve-se também contar os movimentos respiratórios de 10 vacas. Se a frequência respiratória (FR) for maior que 60 movimentos por minuto (mov./min.) em no mínimo sete animais, é também um sinal de estresse calórico. E, finalmente, se ocorrer uma redução de 10% na ingestão de alimentos e na produção de leite, e provável que o rebanho esteja manifestando sinais de estresse calórico. A Tabela 1 mostra uma relação das variáveis fisiológicas e níveis de estresse.
TABELA 1 – Relação entre alterações da temperatura retal, da frequência respiratória e níveis de estresse
FR1 | TR2 | NÍVEIS DE ESTRESSE
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23 mov/min | 38,3OC | Não há estresse nenhum. |
45 a 65 mov/min | 38,4 a 38,6OC | O estresse está sob controle; o apetite, a reprodução e a produção estão normais. |
70 a 75 mov/min | 39,1OC | Início do estresse térmico; menor apetite, mas a reprodução e a produção estão estáveis. |
90 mov/min | 40,1OC | Estresse acetuado; cai o apetite, a produção diminui, os sintomas de cio quase desaparecem; ocorre repetição de cios. |
100 a 120 mov/min | 40,9OC | Estresse sério; grandes perdas na produção; a ingestão de alimentos diminui 50% e a fertilidade pode cair para 12%. |
> 120 mov/min | > 41OC | Estresse mortal; as vacas expõem a língua e babam muito; não conseguem beber água nem se alimentarem. |
Como amenizar o estresse calórico adotando medidas de manejo nutricional
Os efeitos do calor na produtividade do gado de leite podem ser reduzidos mediante a implementação de práticas nutricionais. Entretanto, a relação custo/benefício destas medidas deve ser analisada antes de sua utilização. Deve-se sempre ter em mente a opção da seleção genética e a utilização de cruzamentos para obtenção do animal adequado para cada região.
O manejo nutricional para os períodos mais quentes do ano deve incluir o fornecimento de dietas “frias”, dietas de alta densidade energética, além de suplementação adicional de minerais, tais como potássio, sódio e magnésio, e manter água de boa qualidade à disposição dos animais. O conceito de dieta fria é aquela que gera uma alta proporção de nutrientes para síntese e diminui o incremento calórico oriundo da fermentação e metabolismo dos alimentos.
As características desta dieta são: maior teor de energia, fibras de alta fermentação, menor degradabilidade de proteínas e alto conteúdo de nutrientes protegidos. Estão incluídas nesta categoria as pastagens tenras, silagem com alto conteúdo de grãos e concentrados ricos em gordura. No entanto, um bom manejo nutricional vai muito além de formulação de dietas, uma vez que inúmeros outros fatores relacionados ao manejo diário da propriedade terão reflexos direto na ingestão de alimento pelas vacas. Tais fatores incluem o manejo pré-parto, condição corporal ao parto, qualidade da forragem, manejo da silagem, disponibilidade de água de boa qualidade, problemas de cascos, manejo de cocho incluindo limpeza e área de cocho por animal, disponibilidade de alimento na maior parte do dia, horário de alimentação, parcelamento do fornecimento de alimento, separação das vacas primíparas das demais etc. Antes de lançar mão de aditivos ou tecnologias que podem direta ou indiretamente aliviar o estresse térmico de vacas em lactação, devemos garantir que o manejo nutricional básico permita ao animal o maior consumo possível de matéria seca.
Em síntese, ao se pensar em um bom manejo nutricional para amenizar o estresse calórico deve-se:
Aumentar a densidade energética da dieta (se está havendo diminuição do consumo é necessário adicionar mais nutrientes em um volume menor de alimento):
- fornecer forragem de alta qualidade;
- aumentar a proporção de concentrado;
- adicionar a dieta ingredientes com alto teor de óleo ou gordura (não ultrapassar 7% da dieta total).
Aumentar a porcentagem de minerais na ingestão de matéria seca total (se ocorre perda excessiva de minerais no suor e saliva, é necessário fazer a sua reposição):
- adicionar de 1,3 a 1,5% de potássio;
- adicionar 0,5% de sódio na forma de cloreto de sódio;
- adicionar 0,3% de magnésio.
Não fornecer dieta com mais de 65% de proteína degradável no rúmen (a excreção de nitrogênio N é cara e gera calor metabólico).
Adicionar tamponantes na dieta para estabilizar o pH do rúmen (se há redução no consumo e a forragem é de alta qualidade, a atividade ruminal pode diminuir, provocando uma acidose ruminal):
- incluir 1 % de bicarbonato de sódio na dieta.
Aumentar o parcelamento dos alimentos ao longo do dia (reduzindo a quantidade de alimento por refeição):
- evita o aquecimento e a deterioração do alimento;
- estimula o consumo da dieta;
- permite observação mais frequente dos animais e detecção precoce dos efeitos do calor e umidade sobre eles;
- reduz a quantidade de insetos no ambiente.
Aumentar a quantidade de alimento disponível durante as horas mais frescas do dia:
- fornecer de 60 a 70% do alimento entre oito horas da noite e oito horas da manhã.
Em ambientes quentes e úmidos deve-se estar atento para modificar a dieta como medida de suporte para aumentar ainda mais os benefícios oriundos das modificações ambientais.
O efeito do estresse calórico no desempenho animal, provavelmente, vai se tornar muito mais importante no futuro, em consequência da alta taxa de crescimento populacional nas áreas tropicais e subtropicais, e da previsão de aquecimento global que a cada dia torna-se uma ameaça mais aterradora para a humanidade. Somente o esforço conjunto de técnicos, pesquisadores e produtores poderá reverter esse quadro, pelo conhecimento real da magnitude do problema e da busca de alternativas viáveis e adaptadas a cada situação.