O conhecimento de aspectos relacionados com a qualidade do produto é fundamental para que o leite brasileiro atinja os padrões mínimos para o consumo, exigidos pela legislação
O leite possui teores composicionais que conferem a ele características altamente nutritivas, que o tornam um produto de alta qualidade a partir do momento que é retirado do animal. Acredita-se erroneamente que a qualidade do leite é um atributo que pode ser melhorado após a ordenha do animal e depois de sua chegada aos laticínios.
Em contrapartida, durante vários momentos da cadeia de produção, a qualidade do leite pode ser prejudicada pela ausência de medidas que garantam a manutenção da sua composição normal ou que mantenham a sua qualidade microbiológica. A qualidade do produto na propriedade rural pode ser mantida pelo perfeito equilíbrio entre os diversos agentes envolvidos na sua obtenção. Dentre esses agentes, os principais são o animal e a pessoa responsável pela ordenha, num ambiente que tenha condições higiênicas.
Após a retirada do leite, ele deve ser submetido imediatamente ao processo de refrigeração, processo fundamental antes de ser transportado até o estabelecimento processador. Desde a sua retirada até a chegada ao laticínio, o leite pode apresentar a qualidade desejada se o animal é saudável e alimentado corretamente; se o ordenhador está em perfeitas condições de saúde e apresenta hábitos higiênicos; se o ambiente da ordenha e o local em que o animal permanece são limpos e se o manejo da ordenha não interferir na qualidade antes da chegada do leite ao laticínio.
O fato de não ser possível melhorar a qualidade do leite após a sua saída da propriedade não significa que a qualidade do produto não possa ser prejudicada por processos ineficientes nos laticínios.
Uma vez que a pasteurização não reverte atividades incorretas conduzidas nas propriedades rurais que acarretam a perda da qualidade nem melhora os aspectos composicionais do produto, como os teores de gordura (deve-se combater o falso conceito de as gorduras serem completamente más), proteínas e vitaminas, atenção mais abrangente deve ser dispensada aos fatores que interferem na qualidade do leite no local onde ele é retirado dos animais, ou seja, no campo.
Inicialmente, os animais que fornecerão o leite ao consumo humano devem estar em perfeitas condições de saúde. Os produtores devem submetê-los aos corretos esquemas de vacinação e de controle de doenças infecto-contagiosas que podem ser transmitidas por meio do consumo do produto. Além disso, quando efetivado o tratamento dos animais contra as mais variadas doenças o produtor deverá seguir os procedimentos para descartar o leite durante determinado período de carência, que varia de acordo com o medicamento utilizado.
Brucelose e tuberculose: zoonoses
Doenças importantes como a brucelose e a tuberculose podem ser transmitidas por meio do leite ao homem, quando os animais estão doentes e quando não é feito o tratamento térmico adequado do produto. Porém, uma vez que a legislação brasileira preconiza o descarte de animais com essas doenças, a patologia mais importante relacionada com a qualidade do leite é a mastite, que é a inflamação da glândula mamária responsável por afetar a composição do produto e, consequentemente, a sua qualidade, além da quantidade de leite produzida pelo animal acometido.
A mastite se apresenta sob duas formas: a clínica ou a subclínica. A primeira, caracterizada pelo leite ou a mama do animal estarem visivelmente alterados deve ser imediatamente tratada com produtos antimicrobianos, pois é causada principalmente por microrganismos.
Nesse caso, o leite deve ser descartado e não deve ser misturado ao leite de animais sem a doença. A forma subclínica, entretanto, é aquela que está mais relacionada com a qualidade do produto, pois quando o animal a apresenta nem o leite nem a mama estão alterados. Porém, o animal também tem redução da sua capacidade produtiva e o produto apresentará a sua qualidade alterada. Para o controle da doença, o acompanhamento permanente de um veterinário se faz necessário.
Hábitos higiênicos do ordenhador durante a retirada do leite também estão relacionados com a qualidade do produto obtido. Vestimentas adequadas, não somente na ordenha manual, mas também na mecânica, e a necessidade de uma pessoa que auxilie na condução dos animais para o local de retirada do leite são fundamentais. A pessoa que ordenha os animais não deve ter outra atividade concomitante à da retirada do leite. Somente pessoas em perfeito estado de saúde e sem ferimentos nas mãos e braços devem ordenhar o animal. O responsável pela ordenha não deve fumar, escarrar, cuspir ou praticar qualquer outro ato não higiênico.
Rotina de ordenha: importante para a qualidade do leite
A rotina adequada de ordenha deve ser seguida para a manutenção da qualidade do leite. O animal deve ser conduzido de forma calma até o local da ordenha, sem o auxílio de pedaços de madeira, ferros, arames ou cordas. A pessoa responsável por essa condução deve estar calma e agir de maneira gentil. Muitas vezes é dada uma atenção secundária à vida pessoal do ordenhador ou de qualquer outro trabalhador na propriedade rural. Porém, como pode uma pessoa infeliz na função ou com problemas familiares trabalhar da maneira correta durante a obtenção do leite? A satisfação pessoal no trabalho e a qualidade do trabalho produzido estão proporcionalmente relacionadas.
Após a entrada do animal no local onde será ordenhado, os primeiros jatos de leite de cada teto são desprezados para o diagnóstico da mastite clínica, com o uso do teste da caneca telada de fundo escuro. Após esse procedimento, verifica-se o quanto o animal apresenta sujidades nos tetos. Se estiverem sujos com barro ou esterco, eles devem ser lavados com água de boa qualidade e completamente secos. Em algumas propriedades, na dependência dos microrganismos que estão presentes na etiologia da mastite, se faz necessária a prévia antissepsia dos tetos, obedecendo-se um período de contato mínimo do agente antisséptico com os tetos. Após essa antissepsia prévia, os tetos devem ser novamente secos com papel toalha descartável.
O próximo passo é a ordenha propriamente dita. Tanto na ordenha manual quanto na mecânica, o responsável pela retirada do leite deve estar com as mãos limpas, as unhas curtas e obedecer aos demais procedimentos higiênicos colocados anteriormente. Quando a ordenha é mecânica, deve ser feita a colocação das teteiras com o cuidado de evitar a entrada de ar no sistema. O animal deve ser ordenhado completamente, pois a ordenha incompleta facilita a presença de leite residual e a ocorrência de mastite. Após a retirada das teteiras e o término da ordenha, os tetos precisam ser higienizados com produto antisséptico adequado e os animais devem sair calmamente do local de ordenha. Após esse procedimento, os animais ordenhados deverão permanecer em pé por um período mínimo de 45 minutos a uma hora para a correta ação do produto e o fechamento do esfíncter dos tetos, de modo a impedir a contaminação se entrarem em contato com o solo.
Sempre que possível, deve-se ordenhar inicialmente os animais sadios, seguidos pelos animais com mastite subclínica e, por último, os animais com mastite clínica, cujo leite deve ser descartado. Essa sequência de ordenha tenta impedir a transmissão da doença. Para o produtor ter o conhecimento dos níveis de mastite subclínica em seu rebanho, um bom indicador é a contagem de células somáticas do leite total que é enviado ao laticínio. Um técnico especializado deve ajudar a propriedade a identificar quando a contagem de células somáticas está relacionada com altos índices da forma subclínica da enfermidade, assim como orientar esse produtor sobre as medidas a serem tomadas para o seu controle e prevenção.
Após a retirada do leite dos animais, ele deve ser filtrado e imediatamente resfriado, permanecendo por um período máximo de 48 horas na propriedade até o seu transporte ao estabelecimento processador, período que deve ser obedecido quando não for classificado como leite do tipo “A”. Esse processo de refrigeração do produto é fundamental para a manutenção da qualidade do leite e para o seu processamento sem perdas na indústria, evitando prejuízos.
A questão não é como melhorar a qualidade do leite, mas sim como manter a sua qualidade. O atendimento das propriedades leiteiras, feito por técnicos especializados e com conhecimento dos aspectos relacionados com a qualidade do produto é fundamental para que o leite brasileiro atinja os padrões mínimos para o consumo, exigidos pela legislação.