A Produção Integrada de Frutas irá atender à sustentabilidade social e à rentabilidade da produção, tornando o produtor mais competitivo em um cenário de economia globalizada e mercados exigentes em qualidade e segurança do alimento
A viticultura ocupa uma área de aproximadamente 82,5 mil hectares no Brasil e produz 1,34 milhão de toneladas de uva/ano. Deste volume, cerca da metade (50,39%) é destinada ao processamento para a elaboração de vinhos, sucos e outros derivados, sendo o restante (49,61%) comercializado como uva de mesa.
Do total da uva processada, estima-se que 77% sejam usadas na produção de vinho de mesa e 9% na de suco de uva, ambas elaboradas a partir de uvas de origem americana, especialmente as cultivares de Vitis labrusca e Vitis bourquina, e híbridos interespecíficos diversos; e que cerca de 13% seja destinada à produção de vinho fino e espumante, elaborados com cultivares Vitis vinifera.
A produção de uva para processamento, conclui-se, é um importante segmento gerador de emprego e renda no país, capaz de fornecer um produto com valor agregado – suco, vinho e espumante – que atrai divisas à nação. Prova disso é que, segundo dados do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), exportamos vinho para 22 países, destacando-se os Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e República Tcheca.
Essa condição só foi alcançada devido ao desenvolvimento de tecnologias de ponta no Brasil. Todavia, ela está ameaçada devido ao rigor crescente do mercado externo em relação a produtos de qualidade e saudáveis, em conformidade com os requisitos da sustentabilidade ambiental e da segurança alimentar, mediante a utilização de tecnologias não-agressivas ao meio ambiente e à saúde humana.
Sistema da Produção Integrada de Frutas – PIF
A adoção do sistema PIF por parte dos viticultores e vinícolas é uma forma segura de vencer esses desafios. A Produção Integrada da Uva é definida como a produção econômica de uvas de alta qualidade, dando prioridade a métodos seguros do ponto de vista ecológico, os quais minimizam os efeitos secundários nocivos do uso de agroquímicos, de modo a salvaguardar o ambiente e a saúde humana. Além disso, a PIF surgiu para atender, também, à sustentabilidade social e à rentabilidade da produção, tornando o produtor mais competitivo em um cenário de economia globalizada e mercados exigentes em qualidade e segurança do alimento.
A adoção da PIF, adicionalmente, proporciona outros benefícios aos produtores, por abranger princípios de sustentabilidade ambiental, permitindo o ajustamento de conduta junto a órgãos ambientais. Traz, ainda, uma grande contribuição para a gestão da propriedade, já que direciona o produtor a organizar e registrar suas informações, possibilitando análises econômicas mais pertinentes e confiáveis.
Para o consumidor, os produtos da PIF garantem a redução dos riscos de contaminação, sejam de ordem química (resíduos de agrotóxicos, micotoxinas, nitratos e outros), física (solo, vidro, metais e outros) ou biológica (dejetos, bactérias, fungos e outros). Para atingir esses objetivos é preciso seguir normas, desde o manejo do vinhedo até a embalagem do produto processado, passando pelo cuidado na colheita e no transporte.
Qualidade e segurança
Em sintonia com uma preocupação setorial, diversas ações vêm sendo organizadas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), para que seja possível se produzir com melhor qualidade e maior segurança para o produtor e para o consumidor. Desde 1997, a Embrapa Uva e Vinho tem atuado com o sistema de Produção Integrada (PI), possibilitando uma certificação que é aceita internacionalmente.
O processo de certificação envolve a auditoria da empresa ou produtor rural que produz a uva, o vinho e/ou o suco por uma empresa certificadora, a qual deve ser acreditada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) para esta finalidade. Dessa forma, a Produção Integrada preconiza que todo o sistema de produção, desde a produção da uva no campo, até a elaboração do vinho ou do suco, passe por um processo de avaliação de conformidade com os critérios descritos nas Normas da Produção Integrada de Uva para Processamento, permitindo receber o selo da Produção Integrada somente aqueles produtores ou vinícolas que atendem todos os pré-requisitos.
Exigência do mercado
A avaliação de conformidade é uma exigência de mercado, a qual assegura a qualidade e a inocuidade do produto, possibilitando o controle e a rastreabilidade hábil e permanente de todo o sistema e do processo produtivo. O processo de certificação permite, portanto, o acesso a mercados externos, os quais são reconhecidamente exigentes em termos de segurança alimentar.
Após diversos outros processos de certificação para frutas, como a maçã, o pêssego, a uva de mesa, a manga e o mamão, a uva para processamento está sendo trabalhada em um projeto coordenado pela Embrapa e com a parceria de diversas instituições e empresas privadas. Este projeto abrange os polos de viticultura de clima temperado, tropical semiárido e subtropical do Brasil, representados, respectivamente, pelo Estado do Rio Grande do Sul, pelo Vale do São Francisco e pelo Estado do Paraná.
No Rio Grande do Sul, o projeto iniciou-se na metade de 2010, com a instalação de quatro áreas de validação em vinhedos da Serra Gaúcha e da Campanha. Os primeiros resultados foram obtidos na safra 2011, culminando no processamento da matéria-prima – elaboração de suco ou vinho, de acordo com a cultivar – e na realização de análises multirresíduos na uva, no suco e no vinho.
A análise multirresíduo visa detectar a eventual presença de resíduos químicos na uva e em seus produtos, sendo que a relação de moléculas químicas analisadas segue a legislação vigente. Nesse sentido, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) atualiza periodicamente os limites máximos de resíduos e de contaminantes tolerados para fins de monitoramentos de agrotóxicos, através da publicação, no Diário Oficial, de Instruções Normativas. Dessa forma, sabe-se quais os princípios ativos proibidos, os permitidos e em que níveis podem estar presentes nos alimentos.
Manuais técnicos
Neste ano, foram instaladas novas parcelas de validação das Normas da Produção Integrada de Uva para Processamento no Vale do São Francisco e no Estado do Paraná. Em complementação a estas atividades, estão sendo preparados manuais técnicos a serem utilizados em futuros cursos de capacitação para técnicos que atuarão junto a produtores de uvas e a vinícolas. Estes manuais contêm a informação técnica necessária para implantar o sistema de Produção Integrada, desde a instalação do vinhedo – passando pelo manejo do solo e da planta – e a colheita, até o processamento da uva na vinícola.
Estruturação do Projeto da Embrapa
O Projeto da Embrapa irá elaborar, validar e disponibilizar à sociedade brasileira as Normas Técnicas da Produção Integrada de Uva para Processamento – Vinho e Suco (Normas PIUP). Ele contempla vinte e duas atividades, distribuídas em quatro planos de ação (Gestão do Projeto; Elaboração e Harmonização das Normas; Transferência de Tecnologia via Unidades de Validação; Articulação e Sensibilização de Agentes de Mídia para Externalização do Sistema PIUP). O projeto abrangerá quatro regiões – Serra Gaúcha, Campanha (RS), Vale do São Francisco e Estado do Paraná.
Nestas regiões, está prevista a instalação de parcelas experimentais, onde serão avaliadas as cultivares mais importantes de uva, de acordo com sua representatividade de cultivo, seguindo o seguinte esquema:
– Grupo 1: Vinhos finos (Vitis vinifera) – Serra Gaúcha, Campanha, Lagoa Grande (PE) e Casa Nova (BA);
– Grupo 2: Vinhos de mesa e suco (Vitis labrusca) – Serra Gaúcha e Paraná.
No Rio Grande do Sul, foram instaladas, em meados de 2010, quatro parcelas experimentais, também denominadas unidades demonstrativas, localizadas em:
– Flores da Cunha: vinhedo cultivar Merlot, da Vinícola Luiz Argenta; Caxias do Sul: vinhedo cultivar Isabel, de Rodrigo Formolo, viticultor associado à Cooperativa Vitivinícola Nova Aliança; Garibaldi: vinhedo cultivar Concord, de Selmar Corbellini, viticultor associado à Empresa Tecnovin e Santana do Livramento: vinhedo cultivar Cabernet Sauvignon, da Vinícola Almadén.
No Estado do Paraná e no Vale do São Francisco, as unidades demonstrativas já estão sendo instaladas de acordo com a seguinte localização:
– Araucária (PR): vinhedo cultivar Bordô, de Nelson Bertulucci, viticultor assistido pela Emater-PR; Almirante Tamandaré (PR): vinhedo cultivar Bordô, de Mauro S. Perussi, viticultor assistido pela Emater-PR; Lagoa Grande (PE): vinhedo cultivar Tempranillo, da Vinícola Ducos; e Lagoa Grande (PE): vinhedo cultivar Syrah, da Vinícola Santa Maria.
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Monitoramento de pragas e doenças na PI: à esquerda, armadilha modelo do tipo McPhail, para captura dos adultos da mosca-dasfrutas do gênero Anastrepha; no centro, armadilha modelo Delta, para captura de adultos da traça-dos-cachos (Cryptoblabes gnidiella); à direita, dano do besouro desfolhador (Maecolaspis aenea) nas bagas – Fotos: Samar Velho da Silveira/Embrapa Uva e Vinho
Ações previstas
- Elaboração e Harmonização das Normas – Esta etapa do projeto visa à elaboração e harmonização das Normas Técnicas da Produção Integrada de Uva para Processamento. Para este fim, pesquisadores da Embrapa Uva e Vinho e Embrapa Semiárido elaboraram as referidas Normas, as quais foram posteriormente apresentadas ao setor produtivo para sua discussão e harmonização.
As Normas Técnicas da Produção Integrada de Uva para Processamento contemplam 15 áreas temáticas, as quais abrangem todas as etapas do sistema de produção da uva e do seu processamento. Cada área contém práticas obrigatórias, recomendadas, permitidas, com restrição e proibidas. Sua importância reside no fato de constituir-se em documento regulamentador específico para a cultura da uva para processamento, vindo a nortear todas as práticas adotadas dentro do sistema. Portanto, o documento, além de dar as diretrizes para a produção de alimentos seguros à saúde humana, conterá as leis que regem a Produção Integrada de Frutas no Brasil. Nele, as empresas certificadoras deverão se basear para estabelecer a conformidade, ou não, das práticas adotadas no vinhedo e na vinícola por aqueles que desejarem receber o selo da PI.
- Transferência de Tecnologia via Unidades de Validação – A experiência da Embrapa em projetos de produção integrada tem demonstrado que a forma mais eficiente de transferir tecnologia aos produtores rurais é através da instalação de unidades de validação, onde o produtor observa e vivencia diariamente a aplicação do sistema. Nesse contexto, o viticultor adquire confiança e sente-se seguro para adotá-lo na sua propriedade. Por outro lado, as unidades de validação também servem para detectar e corrigir as possíveis falhas do sistema, as quais somente são detectadas quando o Sistema da Produção Integrada está sendo aplicado no campo.
No Sistema da Produção Integrada, prevalecem as normas e critérios de manejo definidos na Instrução Normativa MAA 20/2001 e Instrução Normativa MAA 11/2003, as quais norteiam a elaboração das Normas PIUP e que têm como principais características:
- O manejo da cultura deve maximizar a entrada de luz no dossel vegetativo, promover o desenvolvimento equilibrado das plantas, permitir a produção de fruta de alta qualidade e regular a produção de acordo com a capacidade das plantas;
- Os agroquímicos somente podem ser utilizados quando indicados pelos resultados de análises, do monitoramento de pragas e moléstias ou quando recomendados pelos técnicos responsáveis, mas desde que estejam registrados para a cultura no Mapa e que sejam respeitadas as doses de aplicação e os prazos de carência constantes do rótulo do produto. Nas fotos abaixo, é possível visualizar o monitoramento de pragas e moléstias que é adotado nas parcelas da Produção Integrada de Uva para Processamento;
- Adoção de práticas que minimizam o impacto ambiental e de critérios (relevo, clima, solo, segurança ambiental e alimentar) desde a escolha da área para plantio do vinhedo até o processamento da uva na vinícola, visando à redução dos riscos de contaminação química (resíduos de agrotóxicos, micotoxinas, nitratos e outros), física (restos de vidro, metais e partículas de solo) e biológica (fungos, bactérias, dejetos e outros).
Externalização do Sistema de Produção Integrada de Uva para Processamento – Após a conclusão da etapa de elaboração e validação das normas, o sistema será transmitido à cadeia produtiva da uva e do vinho e à sociedade brasileira, através da realização de cursos de capacitação de técnicos, dias de campo, seminários e distribuição dos manuais técnicos que orientam e embasam a adoção do sistema, bem como por meio da publicação de artigos na mídia.
Processo de microvinificação da uva feita na Cantina Experimental da Embrapa: à esquerda, as uvas despejadas na desengaçadeira… vão para o minitanque de fermentação, onde se inicia o processo de maceração… e os garrafões de vidro onde ocorrem os processos de fermentação (tumultuosa à esq e lenta à dir) em Bento Gonçalves, RS – Fotos: Samar Velho da Silveira/Embrapa Uva e Vinho
Duração do projeto e parceiros
O projeto tem previsão de duração de três anos e meio: teve início em meados de 2010 e término no final de 2013. Um importante conjunto de instituições, empresas privadas e cooperativas do setor vitivinícola aporta a este projeto o apoio do setor produtivo, disponibilizando suas áreas de vinhedos ou de seus fornecedores e associados para a implementação das Estações de Validação das Normas PIUP, além de vários insumos empregados na produção de uvas, de mão-de-obra especializada e de logística de transporte. Também o meio acadêmico e a área de extensão, além do governo federal, oferecem suporte. Compõem tal grupo a Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (Fecovinho), a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) e o Instituto do Vinho do Vale do São Francisco (Vinhovasf); a empresa Tecnovin, além das vinícolas Almadén, Luiz Argenta, Ducos e Santa Maria; a Cooperativa Central Nova Aliança (Coocenal); e ainda a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Emater-PR e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Ao MAPA, representado por seus agentes federais, cabe acompanhar todas as etapas do projeto, analisar as questões que envolvem a legislação do país e a conformidade dos procedimentos a serem preconizados nas Normas PIUP e os adotados na realização das análises multirresíduos. Além disso, após a validação das Normas PIUP a campo, são os responsáveis por dar continuidade aos procedimentos legais até a publicação das Normas no Diário Oficial da União.
Mais competitividade
A concretização deste projeto proporcionará mais competitividade ao setor da uva e do vinho, seja pelo aumento da qualidade de seus produtos, seja pelo marketing positivo que o sistema possibilita. Com isso, busca-se atender à satisfação do consumidor, que está cada vez mais exigente, e o acesso a novos mercados.
No entanto, para a manutenção destes benefícios, após a publicação das Normas da Produção Integrada de Uva para Processamento no Diário Oficial, torna-se necessária a criação de um comitê a fim de atualizar o sistema anualmente, principalmente quanto à Grade de Agroquímicos, à adoção de novas práticas ao sistema e à harmonização dessas Normas com as adotadas pelos principais países importadores.
Samar Velho da Silveira – Engenheiro Agrônomo, Mestre e Doutor em Fitotecnia – Pesquisador Embrapa Uva e Vinho
Embrapa inicia pesquisa sobre compostos bioativos em bagaço de uvas
A Embrapa Agroindústria de Alimentos (Rio de Janeiro, RJ) iniciou atividades de pesquisa que visam “extrair do bagaço de uvas compostos bioativos, como o resveratrol e outras moléculas, que possam contribuir para saúde e desenvolver bebidas lácteas e sucos de frutas com estes compostos funcionais de interesse comercial e industrial”, explica a pesquisadora Lourdes Maria Correa Cabral, líder do projeto extração e uso de substâncias de interesse comercial e industrial a partir de coprodutos gerados na produção de vinhos e suco de uva. O projeto vai trabalhar com resíduos do processamento de suco de uva, vinho tinto e vinho branco e também vai estudar a extração de óleo dos caroços presentes no bagaço. O óleo da semente de uva tem alto valor agregado e é muito utilizado na indústria de cosméticos, cada vez mais interessada em utilizar ingredientes naturais, mas ainda não é extraído do resíduo da uva, sendo descartado. O projeto vai aperfeiçoar a técnica de separação do caroço do bagaço e os processos de extração e refino do óleo da semente da uva, garantindo seu aproveitamento. Os resíduos da indústria vinícola e de sucos ganharão aproveitamento econômico e para os produtores, mais opções de renda.
Fases
Na primeira fase, serão realizados estudos de extração de compostos com atividade biológica (bioativos) dos bagaços por meio de extração com solvente e enzimática, além de estudos de extração de óleo das sementes presentes no bagaço. Pretende-se, no primeiro ano do projeto, aperfeiçoar o processo de extração no que diz respeito à atividade antioxidante em cada um dos extratos. Será verificado o nível de atividade antioxidante e o teor de antocianinas para saber qual é o mais interessante do ponto de vista funcional.
Em uma segunda fase, as instituições parceiras vão realizar estudos e testes com os extratos e desenvolver os produtos. Participam do projeto pesquisadores da Embrapa Uva e Vinho (Bento Gonçalves, RS), Embrapa Caprinos e Ovinos (Sobral, CE) e quatro grupos de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Escola de Química, Grupo de Bioquímica Médica, Instituto de Microbiologia e Grupo Ciência de Alimentos. Além da parceria de instituições de ensino e pesquisa, o projeto conta com a participação da Vinícola Aurora e da Tecnovin, empresas produtoras de vinhos e suco de uva com expressiva participação no mercado, sediadas no Rio Grande do Sul.