Desperdício no Brasil está relacionado ao que se perde de alimentos, água, energia elétrica e não aproveitamento do lixo.
O relatório “Estado da Insegurança Alimentar no Mundo 2012”, divulgado em outubro daquele ano, apontava que cerca de 13 milhões de brasileiros ou passavam fome ou sofreram de desnutrição. O número já foi maior, mas continua preocupante. Na contramão deste cenário, 30% de toda a produção agrícola nacional são jogados fora. Isto significa que o País da fartura ainda é a nação do desperdício e da fome.
No livro “Brasil: O País dos Desperdícios” (Auriverde Inovações/2005), o pesquisador da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) José Abrantes, comenta que o desperdício no Brasil é elevado. E diz respeito não somente ao que se perde de alimentos, água e energia elétrica, mas também ao não aproveitamento do lixo.
Enquanto isto, cita Abrantes, ao redor do mundo os números são bem diferentes: nos países europeus, o desperdício está entre 20% e 25%; no Japão é de menos de 20%; e nos Estados Unidos chega a 35%, que já é bem alto.
Comida virando lixo
Fazendo uma análise das perdas durante o processo de produção no Brasil — água, fertilizantes, dinheiro, mão de obra, combustíveis, tempo — e do desperdício do próprio alimento, os números encontrados por Abrantes impressionam: na colheita, a perda é de 10%; no transporte chega a 50%; e nas casas dos consumidores, 10% vão para o lixo. O resultado disto não é somente a fome, mas o encarecimento dos alimentos.
Segundo Abrantes, muito daquilo que é desperdiçado, principalmente no comércio varejista, não está necessariamente estragado. Frutas amassadas e restos das feiras ou de restaurantes não são precisamente impróprios para o consumo. Mas alerta que, de acordo com o inciso IX, do artigo 7º, da Lei 8.137/90 do Código de Defesa do Consumidor, “constitui crime contra as relações de consumo: vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo”. Isto faz, em sua opinião, com que a possível doação de alimentos seja inibida.
“O desperdício em caráter privado é enorme, mas as indústrias e grandes empresas não ficam de fora. A adoção de um modelo de consumo consciente passa por todas as esferas”, diz o pesquisador da UERJ.
Locávoros
Para evitar o desperdício, uma alternativa é se tornar um locávoro. Ambientalistas ao redor do mundo utilizam a frase “think globaly, act locally” (pense globalmente, aja localmente) como guia para que suas ações se tornem mais sustentáveis. É da mesma forma que, aqui no Brasil, agem os chamados locávoros.
Nos EUA, a cultura de consumir alimentos produzidos localmente se expande aos poucos. O nome é um neologismo baseado em palavras como herbívoros e carnívoros e já possui até significado no dicionário online Merriam Webster. Locávoro significa “alguém que come localmente sempre que possível”. A definição, porém, explica apenas o nome, mas não o motivo pelo qual os locávoros surgiram.
Seus hábitos são definidos por um raio de quilometragem, ou seja, qualquer alimento cultivado dentro desta demarcação pode ser consumido. Além disto, os adeptos procuram se alimentar de produtos que usam embalagens biodegradáveis e tenham a etiqueta ambiental.
Vantagens
Ao consumir produtos que sejam cultivados nas proximidades das regiões residenciais, estima-se que a poluição provocada por veículos no transporte das mercadorias seja sensivelmente reduzida, assim como as perdas decorrentes da degradação dos alimentos neste processo. Os aspectos positivos do consumo de alimentos locais podem ainda representar um incentivo para que pequenos produtores revendam seus produtos apenas para moradores mais próximos.
Comprar hortigranjeiros em pequenas quitandas, feiras, dentre outros estabelecimentos, ainda ajuda a reduzir o consumo de embalagens plásticas e substituindo-as por sacolas ecológicas, cestas ou carrinhos de feira, que podem ser reutilizadas várias vezes. Com tantos benefícios, que tal começar a se tornar um locávoro também? Evite embalagens e frequente a feira (de preferência orgânica) para ter uma alimentação mais saudável e em harmonia com o meio ambiente.
Fonte: Equipe eCycle
Aproveitamento integral gera renda
É necessário fazer um diagnóstico mais recente sobre as perdas e desperdícios de alimentos no Brasil
Diagnosticar a realidade das perdas e desperdícios de alimentos no Brasil foi o ponto principal da oficina “Redução de Perdas e Desperdícios e Segurança Alimentar e Nutricional”, realizada pela Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ), em maio passado. Pela complexidade e múltiplos atores envolvidos, foi consenso entre os participantes de que a abordagem para a solução desta questão deve ser multidisciplinar e interinstitucional.
De acordo com o órgão, o primeiro passo seria a realização de um diagnóstico mais recente sobre a questão de perdas e desperdícios de alimentos no País a ser feito por instituições governamentais para a proposição de novas políticas públicas. Outra solução seria o aproveitamento integral dos alimentos, inclusive daqueles fora do padrão de consumo, com a integração das práticas de pós-colheita, de processamento e de aproveitamento de coprodutos, para geração de renda e agregação de valor à produção alimentícia.
A capacitação do produtor em boas práticas de manipulação e de transporte e a utilização de restos de comida para compostagem e uso em hortas de áreas públicas e privadas também foram apontados pelos participantes.
Transporte e embalagem
Presidente da Associação Comercial da Ceasa Grande Rio e da Câmara da Cadeia Produtiva de Hortaliças do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Waldir de Lemos destaca a questão do transporte e da logística, alertando que muitos produtores ainda optam por transportar seus produtos em caixas de madeira devido ao baixo custo, mesmo com a ocorrência de uma grande perda pós-colheita.
“O transporte das frutas e hortaliças é um dos principais gargalos para a redução das perdas de alimentos no Brasil. Não há embalagens adequadas e economicamente viáveis para o produtor rural”, constata.
Na opinião de Lemos, é importante que haja um incentivo público para o uso de embalagens que garantam a qualidade do alimento até chegar aos polos de distribuição. Para ele, os supermercados também deveriam rever as regras para aquisição de produtos dentro de um determinado padrão estético.
“Uma possível saída seria a criação de seções com alimentos de diferentes padrões e diferentes preços dentro dos supermercados, para evitar perdas dos alimentos fora do modelo”, sugere.
Falta de conhecimento
Maria Ângela Girioli, da Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional da Prefeitura de Belo Horizonte (MG), que também integra o Comitê de Peritos em Redução de Perdas e Desperdícios para América Latina e Caribe da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU), ressalta os fatores para o desperdício de alimentos em países em desenvolvimento.
Segundo ela, o baixo custo da comida, a exigência por alimentos dentro de padrões elevados e a falta de conhecimento do público urbano sobre a produção de alimentos contribuem para que este cenário continue. Por isto, o governo teria papel fundamental.
“A solução para a redução do desperdício de alimentos está em desenvolver programas e campanhas públicas desde a produção até o consumo”, afirma Maria Ângela, ao apresentar as inúmeras ações da Prefeitura de Belo Horizonte, como o Programa Abastecer que, desde 1993, comercializa frutas e hortaliças de classificação comercial inferior a um preço controlado (R$ 0,99) para a população de baixa renda.
Uma alternativa também apontada por ela seria, “a redução da cadeia de distribuição de alimentos. “Aproximando os produtores dos consumidores, diminuirá as perdas de alimentos”. As vantagens seriam preços mais justos e a possibilidade de compra de alimentos mais frescos direto do produtor, destaca Maria Ângela.
Por outro lado, “a maioria dos produtores rurais ainda não possui uma logística de transporte adequada para escoar a sua produção desde o campo, o que inviabilizaria esta ideia em muitas regiões do País”.
Aumento da população
Professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Walter Belik alerta para o aumento populacional e a provável escassez de alimentos, principalmente em virtude disto, menos terras cultiváveis e menos água para o consumo dos seres humanos, animais e para a agricultura.
“Pensar em reduzir as perdas e o desperdício de alimentos é pensar no meio ambiente, ao se racionalizar o uso da água e evitar a contaminação do solo”, diz. “Devemos diminuir a pressão sobre os recursos naturais e a emissão de gases que provocam o efeito estufa; enfim, buscar um sistema alimentar sustentável”, afirma o professor.