A engenheira agrônoma, que completaria cem anos em 2020, foi professora da Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, por mais de uma década. Ainda contribuiu para a criação do primeiro curso de pós-graduação sobre agricultura orgânica e fundou a Associação da Agricultura Orgânica, uma das primeiras desse tipo no País
Referência em agroecologia no Brasil e no mundo, Ana Maria Primavesi, que completaria um século de vida em outubro deste ano, morreu em decorrência de problemas cardíacos no último dia 5 de janeiro. Nascida na Áustria em 1920, era filha de agricultores e foi com seus pais que adquiriu os primeiros conhecimentos sobre o plantio e a terra, antes de se tornar engenheira agrônoma.
Durante a Segunda Guerra Mundial, foi presa com seu pai por tropas inglesas e mantida em um campo de prisioneiros por nove meses. Quando livre, se casou com Arthur Primavesi e se mudou para o Brasil. Na década de 1950 iniciou sua carreira acadêmica no País.
Foi docente da Universidade Federal de Santa Maria (UFMS), no Rio Grande do Sul, entre 1961 e 1974, onde ajudou a criar, ao lado do marido, o primeiro curso de pós-graduação em agronomia: “Biodinâmica e Produtividade do Solo”.
Pioneira da agroecologia no País, Ana Maria também fundou várias organizações voltadas à agricultura, como a Associação de Agricultura Orgânica (AAO) e o Movimento Agroecológico Latinoamericano (MAELA). Em 2012, Ana Primavesi ganhou o One World Award, prêmio concedido pela Federação Internacional de Movimentos pela Agricultura Orgânica (IFOAM, na sigla em inglês).
Legado
A engenheira agrônoma publicou mais de 10 livros, além de 94 artigos científicos. Entre suas obras, destaque para “A Convenção dos Ventos – Agroecologia em contos”, “Manual do Solo Vivo” e “Manual Ecológico de Pragas e Doenças”, editados pela Expressão Popular.
Sua obra mais conhecida, no entanto, é o livro Manejo ecológico do solo: a agricultura em regiões tropicais, uma referência importante para quem estuda ciências agrárias.
Em nota, Wellington Hack, da Pró-Reitoria de Extensão da UFSM afirma: “[Primavesi] Escreveu inúmeros textos que até hoje servem como referência mundial para os estudos do solo. Seu livro Manejo Ecológico do Solo revolucionou a agroecologia tropical. Na obra, Ana coloca a sua principal preocupação: a vida em equilíbrio com os solos — uma questão tratada há três décadas, mas que permanece atual”.
“A agricultura convencional é a arte de explorar solos mortos. (…) as pessoas que comem agora estas colheitas, comem plantas doentes e também se tornam doentes. Uma planta deficiente somente pode gerar um homem deficiente e deficiência sempre significa doença. Por isso precisa-se a cada ano mais leitos hospitalares. Doenças antes nunca vistas aparecem, especialmente de vírus, como também nas plantas as pragas e doenças aumentam ano por ano. Em 1970 existiam no Brasil 193 pragas. Atualmente ultrapassa 650. De onde vieram? Bactérias, fungos, vírus e insetos que antes eram pacíficos e até benéficos agora se tornam parasitas. Por quê? Porque as plantas são doentes nos solos doentes. E o solo é doente quando perde sua vida, sua porosidade, seu equilíbrio em nutrientes.” (Ana Maria Primavesi)
Homenagens
Em 3 de outubro de 2019, quando completou 99 anos, a pesquisadora lançou um site que reúne toda a sua obra (anamariaprimavesi.com.br).
A geógrafa e escritora Virginia Mendonça Knabben, organizadora do acervo de Primavesi, publicou um texto em homenagem à agrônoma em suas redes sociais.
“Quase um século de vida, cerca de 80 anos dedicados à ciência no e do campo. Descansa uma mente notável, uma mulher de força incomum e um ser humano raro. Afastada de suas atividades desde que passou a morar em São Paulo com a filha Carin, Ana recolheu-se. Quase centenária, era uma alma jovem num corpo envelhecido que, mesmo se tivesse uma vitalidade para mais 200 anos, não acompanharia uma mente como a dela”, disse um trecho da nota.
O texto ainda lembra: “Annemarie Baronesa Conrad, seu nome de solteira, desde pequena apaixonou-se pela natureza, inspirada pelo pai. Naturalmente entrou para a faculdade de agronomia, mesmo Hitler tentando fazer com que as “cabeças pensantes” desistissem de estudar. Ela não só era uma das raras mulheres na faculdade como também aquela que destacou-se por seu talento natural em compreender o invisível: a vida microscópica contida nos solos”.