Patente da Embrapa sobre uso de microescleródios é aprovada (Foto: Arquivo USDA ARS)
A Embrapa obteve a concessão de uma patente que descreve composições e métodos de uso de microescleródios — estruturas de resistência formadas por fungos — para o controle de doenças de plantas e promoção de crescimento vegetal. O documento, válido por 20 anos a partir de 2015 e expedido oficialmente em 11 de novembro de 2025, apresenta uma rota tecnológica capaz de transformar o uso de Trichoderma na agricultura, ampliando a eficiência e a estabilidade desses bioinsumos.
Trichoderma é um fungo do solo amplamente estudado e aplicado como agente de biocontrole no mundo inteiro. Ele atua combatendo patógenos por múltiplos mecanismos, como competição, parasitismo, produção de compostos antimicrobianos e indução de resistência nas plantas. Algumas cepas, além disso, funcionam como promotores de crescimento ao colonizar a rizosfera. Apesar de seu potencial, grande parte dos produtos comerciais ainda depende de conídios produzidos em fermentação sólida, um processo longo, caro (muito dependente de mão-de-obra e espaço físico) e de difícil automação industrial.
O pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Gabriel Mascarin, um dos inventores da tecnologia, explica que a patente da Embrapa introduz uma alternativa tecnológica ao revelar, pela primeira vez, a produção de microescleródios de Trichoderma por fermentação líquida submersa — algo até então descrito apenas para fungos patogênicos de plantas. Essas estruturas são altamente resistentes à dessecação, persistem no solo por longos períodos e, quando reidratadas, germinam e produzem conídios, mantendo todas as propriedades fungicidas do organismo original.

Patente concedida à Embrapa descreve composições e métodos de uso de microescleródios — estruturas de resistência formadas por fungos — para o controle de doenças de plantas e promoção de crescimento vegetal. Foto: Divulgação Embrapa
Além de Mascarin, Mark Jackson, da USDA-ARS, Peoria-IL, EUA e Nilce Kobori, consultora de desenvolvimento de bioinsumos e docente do curso de Engenharia Agronômica da Unifaj, participaram do desenvolvimento da tecnologia.
Metodologia
A invenção descreve composições formadas por microescleródios de diversas espécies, entre elas T. harzianum, T. asperellum, T. reesei, T. viride, T. lignorum e T. koningi. Os microescleródios podem ser incorporados a veículos agronomicamente aceitáveis para formulações líquidas ou sólidas, aplicados no solo, pulverizados, usados em tratamento de sementes ou integrados a sistemas de liberação controlada. Uma vez ativados pela umidade, eles passam a produzir conídios no ambiente, atacando fungos causadores de doenças e, em alguns casos, beneficiando o desenvolvimento das plantas.
O documento detalha ainda dois métodos de produção em larga escala: um focado exclusivamente na geração de microescleródios e outro que permite sua formação simultânea com conídios submersos. Ambos usam fermentação em meio líquido com fontes controladas de carbono e nitrogênio e podem ser operados em biorreatores aerados. Os processos permitem obter concentrações elevadas — na ordem de 10⁵ a 10⁶ microescleródios por grama de biomassa seca — com estabilidade durante o armazenamento e após a aplicação nas sementes. Em termos de rendimento de conidios submersos, concentrações acima de 1 bilhão de esporos/mL são atingidos em apenas 3-4 dias de fermentação submersa, a depender do isolado e espécie de Trichoderma.
Para Mascarin, a nova tecnologia oferece uma alternativa industrialmente viável ao modelo tradicional de fermentação sólida, reduzindo tempo de produção, custo e variabilidade entre lotes. “Para o mercado de biopesticidas, representa a possibilidade de produtos mais estáveis, eficientes e adaptados ao uso em diferentes cultivos e condições ambientais. Para a agricultura, abre caminho para soluções mais sustentáveis no controle de doenças fúngicas, alinhadas à crescente demanda global por agentes biológicos confiáveis e de alto desempenho”, acredita o pesquisador.

Biorreator de bancada para produção de Trichoderma. Foto: Nice Koboti
Pesquisas recentes demonstraram que microescleródios produzidos por diferentes espécies do fungo Trichoderma conseguem gerar hifas e conídios capazes de controlar um amplo conjunto de patógenos que atacam raízes e plântulas. Entre os organismos suprimidos estão Rhizoctonia, Sclerotinia, Fusarium, Phytophthora e Pythium, patógenos de grande importância econômica para diversas culturas agrícolas.
Os experimentos avaliaram, em condições controladas, como diferentes meios de cultura, fontes de nitrogênio, relação carbono-nitrogênio e tempos de fermentação influenciam a formação de biomassa, de conídios submersos e, principalmente, de microescleródios — estruturas altamente resistentes e essenciais para aplicações de controle biológico no solo. Para isso, foram conduzidos ensaios repetidos ao longo de vários meses, utilizando modelos estatísticos robustos para medir a significância de cada fator sobre o desempenho dos fungos.
As pesquisas utilizaram a cepa Trichoderma harzianum T-22 — conhecida comercialmente e já aplicada em bioinsumos — e outras espécies provenientes de coleções científicas. As culturas foram conduzidas em meios líquidos, com diferentes concentrações de nutrientes, e mantidas sob agitação para estimular a formação de propágulos. Os testes mostraram que microescleródios se formam principalmente em meios com alto teor de carbono e em condições específicas de relação C:N. Em vários tratamentos, o pico de produção ocorreu no quarto dia de fermentação.
Após a obtenção dos microescleródios, os pesquisadores desenvolveram um processo de secagem com terra diatomácea, resultando em um produto estável, com menos de 4% de umidade e capaz de germinar e produzir conídios mesmo após longos períodos de armazenamento sob refrigeração ou temperatura ambiente. Ensaios adicionais mostraram que esses propágulos mantêm elevada viabilidade e são capazes de gerar grande quantidade de esporos, o que os torna promissores para formulações comerciais.
Mascarin destaca que a eficácia agronômica também foi avaliada. Em testes de solo com plântulas de melão, formulações contendo microescleródios reduziram significativamente a mortalidade causada por Rhizoctonia solani, comprovando o potencial do produto para o manejo de doenças do tombamento. As análises estatísticas, incluindo modelos de sobrevivência, confirmaram diferenças claras entre os tratamentos.
Os resultados reforçam a importância dos microescleródios como alternativa tecnológica para ampliar a oferta de bioinsumos no controle de patógenos habitantes do solo. A pesquisa oferece uma base sólida para otimizar processos industriais de fermentação e para o desenvolvimento de produtos comerciais mais estáveis, eficientes e competitivos em comparação a fungicidas químicos tradicionais.
Resultados
A composição nutricional dos meios de cultivo mostrou forte influência na formação de microescleródios e conídios submersos do fungo Trichoderma harzianum, estruturas fundamentais para formulações de biocontrole mais estáveis e eficientes. O estudo comparou diferentes fontes de nitrogênio, razões entre carbono e nitrogênio (C:N) e períodos de fermentação, além de testes em biorreator e bioensaios com plantas.
Meios formulados com farelo de algodão apresentaram os melhores resultados, gerando microescleródios mais escuros (melanizados), compactos e abundantes a partir do quarto dia de fermentação. Já meios contendo melaço associado à caseína hidrolisada ácida não formaram microescleródios. A produção de conídios submersos também variou conforme o meio, com destaque para a combinação farelo de algodão + glicose, que resultou em altas concentrações após quatro dias. A produção de biomassa, por outro lado, foi maior em meios com melaço e caseína.
A razão C:N também se mostrou decisiva. Culturas com relação 10:1 produziram mais microescleródios no segundo dia e acumularam maior biomassa, indicando crescimento mais rápido em ambientes com maior aporte de nitrogênio. Além disso, microescleródios produzidos em meio 10:1 geraram 25% mais conídios após a reidratação, embora ambos os tipos apresentassem 100% de germinação após a secagem. Em testes de armazenamento, preparos de microescleródios do meio 10:1 tiveram melhor desempenho, apesar de variações conforme temperatura e tempo.

Trichoderma produzido em biorreator de bancada. Foto: Nice Koboti
A pesquisa também avaliou outras espécies de Trichoderma, que foram capazes de formar microescleródios sob as mesmas condições, demonstrando a aplicabilidade do método. Após a fermentação, os propágulos foram extraídos com terra diatomácea e convertidos em grânulos secos com baixa umidade para facilitar o armazenamento e uso.
Nos bioensaios com melão, microescleródios de T. harzianum T-22 mostraram alta eficácia no controle do fungo patogênico Rhizoctonia solani, responsável pelo tombamento de plântulas. A presença do antagonista reduziu a mortalidade pós-emergência em até 100%, aumentou a germinação e favoreceu a sobrevivência das plantas. O fungo benéfico também se estabeleceu no sistema radicular, confirmando sua capacidade de colonização e proteção.
Por fim, os pesquisadores testaram a produção em biorreator de 5 litros, onde a alta aeração (1,5 L/min) e agitação intensa (600-900 rpm) resultaram em elevados rendimentos de microescleródios e conídios submersos após quatro dias. As formulações secas produzidas no biorreator geraram mais de um bilhão de conídios por grama e mantiveram 93% de viabilidade após secagem, reforçando o potencial para escalonamento industrial.








