Aplicativo realiza mapeamento, histórico e média de infestação da principal praga do algodoeiro, auxiliando o produtor na redução de custos com o manejo
A agricultura descobriu, há tempos, que aliar tecnologia ao correto manejo no campo é um passo a mais para o sucesso da produção agropecuária. E no caso do cultivo de algodão não é diferente.
Inimigo desse tipo de cultura, um inseto conhecido como bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis) pode causar perdas de até 100%, se o manejo da praga não for feito de maneira correta na lavoura, fato ocasionado, principalmente, pela inexistência de monitoramento no campo. Estimamse que as perdas causadas pelos ataques desse inseto girem em torno de R$ 1,7 bilhão por ano, só no Brasil.
Para auxiliar o cotonicultor, uma nova ferramenta, gerenciada pelo Fundo de Incentivo ao Algodão em Goiás (Fialgo) com o apoio financeiro do Instituto Brasileiro do Algodão (IBA), foi criada utilizando o georreferenciamento para informar sobre a presença do inseto na lavoura.
O trabalho da equipe técnica do Fialgo relacionado ao armadilhamento, na fase de pré-plantio e do monitoramento, durante e após a safra, é transferido para o software já no momento em que o profissional está no campo. A medida gera um mapeamento detalhado e preciso de toda a situação.
Estratégia
Cerca de 60 dias, antes do plantio da safra e da safrinha, são montadas as armadilhas em torno de toda a área que será plantada. De acordo com o Fialgo, a estratégia adotada pelo Projeto de Controle do Bicudo (nome desse trabalho) possibilita detectar a incidência da praga na área, por meio do índice BAS (Bicudo por Armadilha na Semana).
A partir daí, é iniciado o mapeamento via satélite para que o cotonicultor comece a preparar o manejo de combate ao inseto.
Interação
Conforme o Fundo de Incentivo, a interação homem-tecnologia continua durante todo o processo de desenvolvimento da cultura, quando o monitor procura detectar a presença do bicudo na lavoura, seja o inseto, a postura ou a marca da maçã atingida.
Qualquer sinal de existência da praga é registrado no aplicativo que avisa o local exato da presença do bicudo, no mapa da lavoura. A informação, com isso, chega mais rápido ao cotonicultor, que poderá visualizar, com mais clareza e detalhamento, a incidência do inseto-praga no campo.
A partir daí, ele poderá reduzir o número de pulverizações de defensivos agrícolas, gerando queda acentuada no custo de produção, além do aumento da sustentabilidade do algodão.
Coordenador do Fialgo, Marcelo Swart defende que a maior vantagem do app é a rapidez e a tranquilidade que proporciona: “informações com transparência e em tempo real têm efeitos práticos na redução de custos e no ganho de produtividade no campo”.
Todas as 37 propriedades e áreas onde se planta algodão, em Goiás, estão mapeadas no software e monitoradas pelas equipes do Fundo. Os responsáveis pelas lavouras têm acesso aos dados em tempo real, mas somente às informações referentes à propriedade onde é credenciado. O sigilo de dados é garantido pelo Fialgo.
Combate o ano todo
O monitoramento do algodoeiro é feito o ano inteiro, começando pela borda da lavoura, para depois avançar para seu núcleo.
“O bicudo possui um curto alcance de voo e começa a se manifestar nas bordas da plantação. Ao detectarmos a presença dele, ainda na borda, podemos impedir que a praga avance para dentro da plantação, evitando perdas de produtividade e reduzindo custos do manejo”, explica Paulo César Peixoto, coordenador do Projeto de Controle do Bicudo.
De acordo com o Fialgo, um novo monitoramento é feito a cada 15 dias, para verificar a reincidência do inseto. Antes da desfolha, é realizado o armadilhamento de pré-colheita, para medir a incidência do bicudo no final do ciclo para, em seguida, acompanhar a destruição da soqueira. Dias depois, recomeça o processo de armadilhamento no pré-plantio. Em um ano de aplicação do monitoramento, a alta infestação desapareceu.
Ainda conforme o Fundo, mesmo as fazendas ou áreas que cultivaram algodão na safra passada, mas que mudaram a cultura no atual ciclo agrícola, também recebem vistorias após a destruição das soqueiras. Confinamentos de gado, que utilizam o caroço de algodão como ração, também passam por vistoria.
A praga
O bicudo é considerado a pior praga do algodão desde 1983, quando a espécie foi introduzida no Brasil, mais precisamente no Estado de São Paulo, segundo informações da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) – Unidade Algodão (PB). Suas larvas ficam escondidas no interior dos botões florais, o que dificulta sua identificação e combate.
O Manejo Integrado de Pragas (MIP) é uma das soluções defendidas pelos pesquisadores da estatal Carmen Pires e Edison Sujii, do Laboratório de Ecologia e Biossegurança, responsáveis pelo estudo “Bioecologia do bicudo na entressafra e distribuição espacial na paisagem agrícola”.
A pesquisa mapeou áreas de ocorrência do bicudo, em períodos de entressafra, com o objetivo de identificar o padrão de dispersão do inseto-praga na paisagem agrícola, tanto em áreas de plantio quanto em áreas de vegetação no entorno. Os resultados trazem dados como preferência por alimentos alternativos ao algodão, períodos de dormência e reprodução e rotas de entrada e saída da praga em campo.
“É preciso trabalhar com a população de bicudo na entressafra e concentrar o controle das áreas que estão favorecendo a permanência do inseto-praga”, alerta Carmen.
Ecologia química
A ecologia química também é alternativa para o combate ao bicudo, principalmente com a utilização de semioquímicos – substâncias produzidas por insetos e plantas que agem no comportamento dessa praga. É o que defende a pesquisadora Maria Carolina Blassioli de Moraes, do Laboratório de Semioquímicos da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF).
O foco dos cientistas envolvidos nesse trabalho foi estudar os chamados feromônios de agregação, que permitem que essa praga seja atraída uma pela outra, ao descobrir uma nova fonte de alimento. No caso do bicudo-do-algodoeiro, os pesquisadores descobriram que o feromônio perdia a eficiência quando a planta chegava ao estágio reprodutivo, mas que a mistura do feromônio de agregação com alguns voláteis do algodoeiro conseguia aumentar a captura de insetos em armadilhas.
“A próxima etapa é sintetizar esses compostos em larga escala para oferecer essa alternativa aos produtores”, explica Maria Carolina, ressaltando que a Embrapa já está em negociação com uma empresa interessada na produção dos compostos. Após essa etapa, será possível criar armadilhas mais eficientes para a captura do bicudo.
Repelentes
Os pesquisadores da Embrapa também já identificaram os compostos químicos que repelem o bicudo, para os quais estão sendo feitos testes de confirmação de eficácia.
Nos últimos anos, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) concedeu, à estatal, duas patentes de tecnologias que vão ajudar produtores brasileiros a se livrarem de insetos-praga: uma, contra o percevejo-do-colmo do arroz (em 2016); e outra, contra o percevejo-da-soja (2013).
De acordo com a Embrapa, ambos os métodos utilizam semioquímicos para eliminar as pragas, dispensando o uso de defensivos químicos.
Poderosas pastilhas
No Laboratório de Micologia de Invertebrados, os pesquisadores Marcos Faria e Rogério Lopes apresentaram alguns fungos que podem ser usados no controle biológico do bicudo-do-algodoeiro.
A coleção da Embrapa conta com aproximadamente 1,3 mil isolados de fungos, que são utilizados para estudos básicos e aplicados. Segundo Faria, existem mais de 30 empresas no mundo produzindo fungos para controlar diversas pragas agrícolas.
No caso específico do bicudo, ele explica que o Metarhizium anisopliae tem se mostrado bastante eficaz, mas ressalta que ainda é preciso desenvolver formas de produzi-lo em larga escala, com baixos custos.
Uma das propostas apresentadas pelos pesquisadores, para tornar o uso de fungos contra insetos-praga economicamente viável, é a produção de pastilhas biodegradáveis, os chamados pellets, para o bicudo-do-algodoeiro.
Essa pastilha seria uma mistura de feromônio, para atrair o adulto do bicudo e fungos específicos que, em contato com o inseto, causariam sua morte. “O inseto se contamina, volta para o campo e contamina outros indivíduos da mesma espécie”, relata Lopes.
O pesquisador diz ainda que já foi feita a seleção de isolados de fungos virulentos ao bicudo.
Próximas etapas
As próximas etapas da pesquisa serão selecionar as doses de feromônios que devem ser inseridas nos pellets, o material para incorporação do fungo, realizar estudos com os pellets formulados e bicudos em casas de vegetação, e finalizar a pesquisa com os testes em campo.
“Quando o produto estiver pronto, vamos definir qual será a melhor estratégia de utilização nas lavouras e incorporá-la aos programas de manejo já adotados pelos agricultores”, informa Lopes.
Para o presidente da Fundação Bahia, Ademar Antônio Marçal, “eliminar o bicudo é o grande desafio do setor agrário brasileiro”. “Por isso, os produtores precisam botar a mão no bolso e investir em pesquisas que pensem em todas as possibilidades de controle, para reduzir a população do bicudo a níveis aceitáveis. O investimento em pesquisa é o começo de todas as nossas necessidades”, defende.
Segundo Marçal, os cotonicultores, geralmente, chegam a fazer até 40 aplicações de inseticidas por safra para conter o bicudo. Cerca de mil reais são gastos por hectare para fazer a aplicação do produto, sem contar o custo dessa aplicação.
Chefe-geral da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, José Manuel Cabral ressalta que tanto o apoio financeiro quanto institucional são muito importantes para que a Embrapa continue levando seus resultados aos produtores.
Fontes: Fialgo e Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia