Pesquisadores desenvolveram uma técnica que transforma a vinhaça de cana em um fertilizante, com baixo impacto ambiental, capaz de recuperar solos pobres e degradados, e que pode ser mais um subproduto comercializável das indústrias de etanol
O Brasil é um dos maiores produtores de etanol do mundo. Somente na safra 2019-20, foram produzidos cerca de 35 bilhões de litros, mais de 7% de crescimento em relação ao período anterior. Por isso, um dos grandes problemas da indústria da cana-de-açúcar no País é o excesso de resíduos gerados para a extração do biocombustível. Entretanto, este pode deixar de ser uma pedra no sapato do setor e se tornar uma solução mais sustentável para a agricultura.
Pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de São José do Rio Preto em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC) desenvolveram uma técnica para tratar a chamada vinhaça de cana, um líquido resultante do processo de produção do álcool muito nocivo ao ambiente, e que pode contaminar cursos d’água e gerar mau odor.
Em estudo publicado na edição de janeiro do Journal of the Brazilian Chemical Society, os cientistas descreveram a técnica inédita de carbonização hidrotérmica, que consegue converter esse resíduo em água e carvão hidrotérmico para uso como fertilizante agrícola. Os pesquisadores testaram os efeitos da carbonização hidrotérmica no tratamento da vinhaça de cana em diferentes reações.
Essa reação termoquímica ocorre em meio aquoso e a elevadas pressões e temperaturas. A variação de temperaturas (entre 100ºC e 200ºC) e tempo de reação nos testes (entre 12h e 48h) influenciaram nos processos. Experimentos conduzidos a 200ºC e 8,3% de acidez foram os mais eficientes para gerar materiais sólidos. Uma das reações termoquímicas promoveu redução de 70% da quantidade de carbono na água, tornando-a menos agressiva ao meio ambiente.
Nada se perde, tudo se transforma
A pesquisadora Laís Fregolente destaca que a técnica de carbonização hidrotérmica pode ser implementada pela indústria de forma direta após o processo de destilação do etanol.
“Aproveitamos assim somente os benefícios da aplicação da vinhaça, já que o processo de carbonização produz um material rico em carbono e nutrientes que pode servir como fertilizante agrícola”, comenta a pesquisadora. As indústrias de etanol poderiam comercializar esse subproduto e gerar uma renda extra a partir do tratamento dos seus resíduos.
O diferencial da pesquisa está em mostrar que a biomassa da vinhaça – de 10 a 18 litros do poluente são gerados por cada litro de etanol produzido – pode ser transformada em um material sólido com valor agregado, o que ainda não havia sido feito por outros estudos. O tratamento proposto pode também contribuir com a recuperação de solos pobres, degradados ou até mesmo de regiões afetadas pelo despejo do poluente.
Outros experimentos estão sendo feitos para encontrar a melhor forma de aplicação do carvão hidrotérmico gerado neste processo. Os próximos passos destes estudos são elaborar uma planta piloto para testar os efeitos do carvão diretamente no solo, já que esse primeiro estudo foi feito em escala de laboratório.