Embrapa Solos acaba de lançar dois programas que devem revolucionar os testes em torno da terra: o SpecSolo e o Pronasolos. O primeiro realiza análise de amostras em apenas meio minuto; o segundo vai mapear os solos de todo o país
Desenvolvido em parceria com a iniciativa privada, o SpecSolo envolve um pacote tecnológico destinado à análise de solos, que avalia amostras de forma não destrutiva, rápida e econômica. Em quanto tempo? Anos, meses, dias? Não, em apenas meio minuto!
De acordo com a unidade de Solos da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, dezenas de parâmetros de fertilidade (tais como carbono orgânico, pH, cálcio, magnésio, fósforo, potássio, dentre outros) e física do solo (argila, silte e areia) podem ser analisadas, simultaneamente, em 30 segundos, ao contrário do método convencional, que demora dias para apresentar os mesmos parâmetros.
“O SpecSolo é baseado no uso de técnicas de espectroscopia vibracional e de inteligência artificial”, informa André Marcelo de Souza, pesquisador da Embrapa Solos e responsável pela nova tecnologia.
Ele explica que a técnica utiliza algoritmos precisos e eficientes: “Esses algoritmos usarão um robusto banco de dados, com mais de um milhão de amostras de solos representativos do Brasil”.
Parceria
O cientista ainda relata que as amostras e dados analíticos relacionados à nova tecnologia – que deverá revolucionar o mercado no Brasil – foram obtidos a partir da parceria com um dos maiores laboratórios de análises de solos do mundo: o Instituto Brasileiro de Análises (Ibra), aliado da Embrapa Solos no projeto de desenvolvimento e corresponsável pela tecnologia.
“A solução analítica SpecSolo é uma das maiores inovações em análise de solos das últimas cinco décadas no Brasil, retomando a missão da Embrapa de propor e implantar novas metodologias em análise de solos, no cenário agrícola brasileiro”, reforça o chefe-geral da Embrapa Solos, Daniel Vidal Pérez.
Tanto o instrumento quanto a tecnologia possuem o aval da estatal, portanto, o SpecSolo será mais um método oficial preconizado pelo órgão para análise de solos no país.
Como funciona
Diretores do Instituto Brasileiro de Análises, Armando Saretta Parducci e Thiago Parducci Camargo avaliam que a parceria entre a Embrapa Solos e o Ibra favoreceu, e muito, o desenvolvimento da tecnologia, lançada no dia 20 de outubro de 2016.
“Somos os pioneiros no Brasil em construir um banco de dados robusto, com um número tão expressivo de amostras dos solos brasileiros, essencial para o desenvolvimento e sucesso da tecnologia”, diz Parducci.
O pacote tecnológico SpecSolo, além do numeroso banco de dados, conta com um software hospedado em nuvem, exclusivo para o processamento da informação, e um equipamento inovador dedicado à análise da terra, denominado SpecSolo-Scan.
O equipamento possui um amostrador automático, que permite a análise simultânea de 40 amostras de solo e autonomia para trabalhar sozinho, durante 20 minutos. Depois desse tempo, os resultados analíticos são gerados automaticamente, acessando remotamente o banco de dados.
Esses, por sua vez, podem ser liberados conforme o serviço adquirido pelo cliente, sob a forma de resultados analíticos de cada parâmetro do solo, ou por faixas de interpretação da fertilidade do solo.
Adubação e calagem
O projeto da Embrapa Solos e do Ibra ainda conta com um sistema específico para gerar recomendações de adubação e calagem, de acordo com os principais manuais disponíveis no país.
O SpecSolo-Scan é o primeiro instrumento comercial de espectroscopia no infravermelho próximo e visível (VisNIR) do mundo a apresentar um amostrador automático e um sistema integrado com banco de dados totalmente voltado para a análise de solos.
Sua versatilidade atende a diferentes públicos-alvo, como laboratórios de análises de solo, cooperativas agrícolas, usinas de açúcar e álcool, órgãos de pesquisa e extensão rural, empresas de agricultura de precisão e consultores, entre outros.
“Programas do governo, como o ABC (Agricultura de Baixo Carbono), e atividades relacionadas à caracterização e planejamento do uso da terra (levantamento de solos tradicional e digital) ganham eficiência com a adoção da tecnologia”, afirma o pesquisador da Embrapa Solos Maurício Rizzato Coelho.
A nova tecnologia, conforme André Marcelo de Souza, também pesquisador da Embrapa Solos e responsável pelo SpecSolo, deve permitir a substituição, com rapidez e precisão, dos métodos tradicionais em análise de solos, “muitos deles poluentes ao meio ambiente, mitigando os impactos ambientais e diminuindo os custos dos laboratórios com o tratamento e destinação correta de resíduos”.
Ele ainda garante que, além disso, devido à sua versatilidade, produtores rurais que antes tinham dificuldade de conduzir análises de solos e, consequentemente, as recomendações de adubação e correção, passarão a ter fácil acesso à nova tecnologia. Como consequência, prevalece a expectativa de aumento de produtividade dos sistemas de produção, impactado pelo emprego racional de corretivos e fertilizantes, com a diminuição dos impactos ambientais e melhorias da qualidade de vida no campo.
Para mais informações, acesse www.specsolo.com.br. Na página virtual, é possível encontrar um formulário para cadastro dos interessados.
Importância da análise de solos na agricultura
A análise do solo vai muito além de saber, simplesmente, se a terra é boa ou não, se está degradada ou não. Ela é uma das exigências das instituições financeiras para disponibilizar crédito agrícola e seguro safra ao agricultor, pois possibilita a avaliação dos riscos do negócio.
Para ter acesso às mais variadas linhas de financiamentos disponíveis no país, conforme indica o Manual de Crédito Rural (de 2010), o agricultor tem de apresentar laudos de análise de solo e da respectiva recomendação agronômica. Vale ainda informar que, desde a safra de 2013/14, a análise inclui também o carbono total do solo.
Coordenador do Programa de Análise de Qualidade de Laboratórios de Fertilidade (PAQLF) da Embrapa Meio Ambiente (SP), o analista Marcelo Saldanha destaca que, atualmente, existem cerca de 250 laboratórios de análise de solos credenciados, no Brasil. Informa ainda que, todos os anos, são realizadas em torno de quatro milhões de análises de solos em todo o território nacional.
Ele ressalva apenas que, apesar do bom desempenho, ainda há um potencial de oito milhões de análises. “Pelo menos quatro milhões de análises deixam de ser realizadas, devido à falta de divulgação, limitação de capacidade analítica dos laboratórios, longos prazos para liberação de resultados e à falta de laboratórios próximos aos polos agrícolas”, critica Saldanha.
Custos mais acessíveis
Foi exatamente para estreitar esse árduo caminho que a Embrapa Solos traz novas soluções para alavancar e democratizar as análises da terra no Brasil.
“Mesmo nas regiões mais remotas do país, será possível utilizar o pacote tecnológico SpecSolo a um custo muito inferior de implantação e operação em relação a um laboratório tradicional”, assegura Thiago Parducci Camargo, diretor do Instituto Brasileiro de Análises, entidade parceira da estatal no projeto SpecSolo.
De acordo com ele, a estratégia de comercialização da nova tecnologia adotada permitiu ao instituto criar o Ibra-express. Nesse caso, as análises são realizadas pelo equipamento SpecSolo-Scan e os resultados estarão disponíveis para o cliente em apenas algumas horas, a partir da entrada da amostra no laboratório.
Pronasolos: programa mapeará todo o país
Outro trabalho inédito da Embrapa Solos – o Programa Nacional de Solos do Brasil (Pronasolos) – pretende mapear todo o território brasileiro e gerar dados com diferentes graus de detalhamento para subsidiar políticas públicas, auxiliar gestão territorial, embasar a agricultura de precisão e apoiar as decisões de concessão do crédito agrícola, entre outras aplicações.
Ao custo inicial de até R$ 3 bilhões, o Pronasolos deve gerar ganhos de R$ 40 bilhões ao país, dentro de uma década, conforme esperam os especialistas envolvidos nesse trabalho, que deve contar com a participação de vários ministérios e órgãos federais. O objetivo é um só: fazer o mapeamento do solo de norte a sul do Brasil, no período entre dez e 30 anos, apresentando escalas que tornem viáveis a correta tomada de decisão e o estabelecimento de políticas públicas nos níveis municipal, estadual e federal:1:25 mil, 1:50 mil, 1:100 mil, respectivamente.
De acordo com a Embrapa Solos, isso significa que cada centímetro do mapa corresponde a um quilômetro de área (na escala de 1:100 mil). Tal definição dependerá das prioridades governamentais. O maior detalhamento (de 1:25 mil) é desejável, por exemplo, para o planejamento de propriedades e na agricultura de precisão, fato que deve influenciar diretamente na concessão de crédito rural, prevê a estatal.
Preço alto do desconhecimento
Segundo pesquisadores da Embrapa, o Brasil paga um preço muito alto por não conhecer melhor seu solo; causando a falta de água no campo em grandes metrópoles; intensos processos erosivos do solo no campo, que agravam enchentes e provocam desperdício de insumos agropecuários; entre várias outras consequências.
Dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA) indicam que 140 milhões de hectares de terras brasileiras estão degradadas, o que corresponde a 16,5% do território nacional.
“O Pronasolos deverá melhorar nossa competitividade no mercado externo de produtos agrícolas. Ao final do projeto estaremos no mesmo nível de países mais avançados em mapeamentos, como os Estados Unidos, que realizam essa identificação desde a década de 1960, e Austrália”, prevê o pesquisador José Carlos Polidoro, chefe de P&D da Embrapa Solos.
Ao final do programa, está prevista a elaboração de um grande banco de dados para disponibilização à sociedade, em linguagem acessível e com todas as informações sobre os solos brasileiros. No entanto, para ser executado na prática, o projeto precisa ter aliados, contando com o apoio de ampla rede de laboratórios, técnicos de campo, com o trabalho cooperativo de várias instituições, formação de mão de obra especializada, entre outros.
Projeto especial
A Embrapa Solos ainda comanda um projeto especial no país, que contará com a participação efetiva de diversas instituições parceiras, cujo objetivo é mostrar o caminho para a implantação e implementação do Pronasolos.
Segundo Polidoro, esse projeto especial pretende oferecer subsídios, em menos de um ano, para a implantação do Pronasolos. Só então será possível executar o megaprograma. “A Embrapa assumiu a coordenação dessa rede de parceiros por sua tradição em levantamentos de solos, sua história e por ter sido nominalmente citada no Acórdão do Tribunal de Contas da União (que originou o programa)”, explica.
Chefe-geral da Embrapa Solos, Daniel Vidal Pérez também informa ainda que a Casa Civil da Presidência da República já demonstrou interesse pelo assunto e, recentemente, reuniu representantes das instituições e ministérios responsáveis pela execução do Pronasolos.
“A implantação do Pronasolos deverá proporcionar ganhos na produtividade, economia nos insumos e auxiliar na sustentabilidade do sistema agrícola, diminuindo as emissões de gases do efeito estufa”, acredita a pesquisadora Maria de Lourdes Mendonça, atual chefe-geral da Embrapa Cocais (MA), também envolvida no projeto.
Terras degradadas
Segundo dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o Brasil possui 140 milhões de hectares com diferentes níveis de erosão (o equivalente a mais de 9,5 milhões Maracanãs). Em todo o mundo, 33% dos solos sofrem degradação de moderada a alta, conforme o órgão internacional. São áreas que tiveram sua capacidade produtiva reduzida pela erosão, impermeabilização, salinização, poluição, entre outros problemas.
“A erosão faz o solo perder seus atributos químicos, físicos e biológicos. Também provoca a perda da qualidade e disponibilidade de água, especialmente para consumo humano”, relata Aluísio Granato de Andrade, pesquisador da Embrapa Solos, que atua na área de uso, manejo, conservação e recuperação do solo.
“Sem cobertura florestal, a água não consegue penetrar corretamente nos lençóis freáticos, causando diminuição na quantidade de água”, alerta.
Segundo Andrade, a atividade humana sem conhecimento dos recursos naturais – solo, água e biodiversidade –, a falta de planejamento em diferentes escalas, o uso de sistemas não adequados de manejo, o desmatamento incorreto, a exploração do solo acima de sua capacidade (superpastoreio, agricultura extensiva), além do crescimento urbano e industrial desordenados dão origem a uma sequência de ações que influem sobre as propriedades e a natureza do solo, tornando-o mais susceptível às forças naturais de degradação e afetando, consideravelmente, a quantidade e a qualidade da água.
Com um terço de terras degradadas nos Estados Unidos, a erosão causa prejuízos anuais na ordem de 10 bilhões de dólares ao ano. “Mudar essa realidade no Brasil deve ser uma prioridade fundamental para a agricultura do país nos próximos anos”, diz o pesquisador da Embrapa.
Fontes: Embrapa Solos e Ministério da Agricultura