Presença de tuberculose na fazenda implica exclusão da propriedade do rol de exportação do produto para alguns mercados, além de a carne de um animal infectado não poder ser consumida, por representar risco à saúde
Por meio de mutações observadas no genoma da bactéria Mycobacterium bovis, agente causador da turberculose bovina, cientistas estão rastreando a transmissão da doença em animais ou no rebanho. O trabalho envolve pesquisadores da Unidade Gado de Corte da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
O projeto é financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e aprovado pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect). Esse é o primeiro resultado da pesquisa recém-iniciada e com duração prevista de dois anos.
“Constatamos que fazendas próximas ou que comercializaram animais têm isolados de Mycobacterium bovis idênticos geneticamente. Com isso, avançamos no conhecimento das relações entre genótipos e distribuição espacial de cepas de M. bovis”, relata o imunologista Flábio Ribeiro de Araújo, pesquisador da Embrapa.
Ele ressalta que esse conhecimento é importante aos estudos de manutenção e disseminação de focos de tuberculose bovina, essenciais para o sucesso de medidas de erradicação da doença. “Uma metodologia de rastreamento de focos de tuberculose bovina baseada em mutações de sítio único terá como clientes potenciais o Programa Nacional de Controle e Erradicação da Tuberculose do Ministério da Agricultura (Mapa), além das agências estaduais de vigilância sanitária”, prevê.
Experimentos no Sul
Araújo comenta que os experimentos foram realizados em animais do Rio Grande do Sul e servem de base para as demais regiões. “Sequenciamos isolados provenientes de cultivo de tecidos de bovinos obtidos pelos serviços veterinários desse estado em seis propriedades rurais”, conta. Cada isolado de bovino acompanha dados de localização do foco, origem dos animais, movimentações prévias, resultados de diagnóstico pela prova intradérmica (teste cervical comparativo), sorologia, cultivo e nested-PCR de tecidos.
O cientista relata que próximo passo será trabalhar, estaticamente, a relação da distância física entre as propriedades e o número de mutações idênticas. Esse é um dos objetivos da doutoranda Rudielle Andrade, do programa de Ciências Veterinárias da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), orientada por Araújo. Andrade realizou treinamento na área no Instituto Sanger, no Reino Unido.
Monitorando a bactéria em humanos
Outra frente de trabalho tem sido desenvolvida por pesquisadores de instituições do norte do País (Amazonas e Pará). Eles trabalham com o sequenciamento de isolados dessas regiões e com um detalhe inédito: foco em humanos.
“Se encontrarmos M. bovis em humanos, vamos correlacionar quão parecidos são com os isolados de bovinos da região. Se isso for confirmado, será a primeira descrição no Brasil de tuberculose zoonótica, o que representa muito para os estudos”, acentua Araújo. Pioneiramente, esses testes são realizados no Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen) de Manaus (AM), ligado à Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), parceira do projeto.
Os estudos estão sob os cuidados dos pesquisadores Paulo Alex Carneiro (Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e Centro de Epidemiologia Comparada da Michigan State University – MSU), John Kaneene (MSU), Haruo Takatani e Christian Barnadd (Agência Defesa Agropecuária e Florestal do Amazonas (ADAF) e Marlucia Garrido e Ana (FVS-AM).
O grupo de pesquisa ainda é formado por especialistas de diversas instituições, como Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Universidade de São Paulo (USP), e Secretaria da Pecuária, Agricultura e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul.
Entenda a doença
A tuberculose bovina é uma doença infectocontagiosa crônica causada pela bactéria M. Bovis, que acomete animais e humanos. Entre os animais atingidos estão bovinos, bubalinos, caprinos, ovinos, suínos e animais silvestres, como javalis, por exemplo.
“A tuberculose é de notificação obrigatória e uma das mais importantes catalogadas pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Havendo ocorrência da doença, os países membros da OIE são obrigados a fazer a notificação, pois há influência no comércio internacional”, explica Araújo, acrescentando que “o Brasil aderiu às politicas da Organização porque possui um comércio intenso e representativo e por isso segue as regras estabelecidas”.
A presença de tuberculose na fazenda implica exclusão da propriedade do rol de exportação do produto para alguns mercados e o pesquisador alerta que a carne de um animal infectado não pode ser consumida, pois representa risco à saúde. “A forma mais comum de o ser humano se infectar é consumir leite cru ou derivados de animais infectados. A ingestão de carne não inspecionada também é um potencial risco”, ressalta.
O cientista da Embrapa conta que o diagnóstico da doença em animais não é fácil, porque nem sempre eles apresentam sintomas. No entanto, animais infectados podem apresentar emagrecimento ou problemas respiratórios. Araújo relata que quanto mais tempo o animal estiver infectado, pior será a situação dele e da própria propriedade.
“O desenvolvimento da doença é progressivo e causa lesões no sistema linfático e no pulmão. A queda na produção gira em torno de 10% a 15%”, esclarece Araújo, salientando que “a tuberculose é um obstáculo comercial e uma doença importante, por isso, são necessários estudos avançados, como os que já estão em andamento, para conhecer com mais detalhes a transmissão da doença, sua origem e disseminação e dessa forma construir linhas de controle,