Pesquisadores desenvolvem material que mimetiza condições uterinas e pode resultar em aumento de 32% na produção embrionária de bovinos (Imagem: divulgação/Blastocell)
Especialista na produção in vitro de embriões bovinos, a veterinária Raquel Zaneti Puelker, cofundadora da startup Blastocell Biotechnologies, tinha um questionamento bastante recorrente. A pesquisadora se perguntava por que o cultivo embrionário atualmente é feito em placas achatadas de duas dimensões em vez de ambientes em três dimensões, como é no interior do útero desses animais.
“Pelo processo atual de produção in vitro é comum o embrião na gota de cultivo ficar grudado no fundo dessas placas achatadas bidimensionais. Na hora de desgrudar, em vez de ser uma esfera, às vezes ele fica achatado. Passei a me perguntar, então, se essa área do embrião que fica grudada no fundo da placa e, portanto, não faz contato com o ambiente, pode perder a capacidade de interagir”, diz Puelker.
Essa inquietação levou a pesquisadora a pensar em um ambiente mais propício para o desenvolvimento de embriões in vitro.
“Se pudéssemos realizar o cultivo da forma mais próxima da que ocorre dentro do animal, não haveria achatamento do embrião como ocorre nas placas. Afinal, tanto no oviduto [que permite a passagem de óvulos dos ovários para o útero] como no próprio útero, ele fica em ambientes tridimensionais e interage com os tecidos”, explica.
Cultivo tridimensional
Com base nessa constatação, a pesquisadora e os colaboradores Sarah Nunes e Anthony Castilho começaram a buscar uma superfície que se adaptasse melhor ao processo e se aproximasse mais do modelo fisiológico.
“Chegamos a uma membrana de material atóxico que, na teoria, se encaixaria muito bem com essa ideia de cultivo tridimensional”, afirma Puelker. “Testamos os materiais e selecionamos aqueles em que o oócito [óvulo] e o embrião se adaptam melhor”, diz.
Em testes preliminares em laboratório, a tecnologia apresentou bons resultados de maturação em comparação com o cultivo convencional em duas dimensões.
“Conseguimos um mínimo de 10% de incremento nos embriões produzidos”, relata Puelker. “Buscamos a qualidade do embrião e isso, naturalmente, se traduz em mais gestações”, avalia.
Segundo Puelker, além de biodegradável, o material é feito de matéria-prima amplamente disponível. O sistema pode ser implementado facilmente em rotinas comerciais de laboratórios de embriões bovinos e levar a um acréscimo de 32% na produção embrionária in vitro.
“O impacto mais positivo é verificado em raças taurinas, com aumento nas interações celulares e sem efeito negativo na qualidade oocitária”, sublinha.
Outra vantagem desse sistema, ainda de acordo com a pesquisadora, é a possibilidade de liberação lenta de qualquer fator — como uma proteína ou um antioxidante, por exemplo.
“Durante o desenvolvimento embrionário, há demandas específicas e esse material permite fazer a liberação lenta de elementos interessantes para o embrião.” Isso é útil, por exemplo, em relação ao ambiente de cultivo. “Temos de promover o melhor meio para cada fase com o material que vai representar o ambiente 3D.”
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In vitro e in vivo
Segundo Puelker, embriões desenvolvidos in vivo têm melhor qualidade do que aqueles cultivados in vitro.
“Isso pode ocorrer por várias razões e uma delas talvez seja o modelo de cultivo. O grande objetivo é tornar o embrião obtido in vitro o mais próximo possível do produzido in vivo”, sublinha.
Os embriões in vivo, em geral, têm mais células viáveis — independentemente da espécie animal. “Já evoluímos muito, mas ainda há deficiências na conversão de embrião obtido in vitro em gestação. Acreditamos que os pequenos avanços vão nos levar mais próximo do que ocorre fisiologicamente”, avalia.
Embriões produzidos in vitro têm grande sensibilidade a processos de criopreservação – a preservação por meio de congelamento –, o que não ocorre com os cultivados in vivo. Além disso, a taxa de gestação é maior para embriões desenvolvidos in vivo. Por isso, o objetivo da técnica desenvolvida pela startup é tornar os embriões obtidos in vitro mais viáveis para que alcancem os mesmos índices de gestação que os produzidos in vivo.
A pesquisadora explica que qualquer aumento em porcentagem de prenhez pode representar um incremento considerável na produção. “Se um criador tiver 100 receptoras preparadas para receber os embriões, ele investiu nesses animais e espera conseguir o maior número possível de gestações”, explica.
Idealmente, o laboratório envia uma quantidade de embriões aptos para, pelo menos, ocupar as receptoras disponíveis. Além disso, esses embriões devem produzir o percentual máximo de prenhez possível.
Nem sempre, entretanto, isso ocorre: em geral, a taxa média excelente de gestações com embriões in vitro é em torno de 60% — na prática, porém, varia de 30% a 60% —, enquanto com embriões in vivo o índice pode atingir até 80% de prenhez. “Se conseguirmos aumentar 10% ou 20%, por exemplo, isso representa lucro para o criador.”
Como se trata de um processo em cadeia, há, ainda, economia na preparação dos animais. “Na nossa propriedade, por exemplo, tentamos manter uma criação sustentável. Se tivermos de sincronizar os animais e, depois, ressincronizá-los, vamos produzir mais lixo e desperdiçar material”, descreve a pesquisadora. “Tentamos pensar em toda a cadeia de produção. Então, quanto mais qualidade tiver o embrião, menos desperdício.”
Um modelo para cada etapa
Como o processo de produção de embriões in vitro é composto por diferentes fases, a equipe da startup teve de adaptar a técnica para cada uma delas.
O projeto tem apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP. O primeiro passo foi criar a metodologia para a fase inicial, da maturação do oócito. “Não existe a produção de um embrião de qualidade se o oócito não tiver qualidade.”
Atualmente, a Blastocell já conseguiu implantar o sistema de maturação com um material produzido por biodigestores. Falta, agora, testar os estágios de fertilização e de cultivo embrionário — o tempo de duração dessa última fase varia de acordo com a espécie animal: enquanto em bovinos a transferência dos embriões ocorre no dia 6 ou 7, em equinos é realizada do dia 8 ao 9.
O material usado para abrigar o embrião é biodegradável e precisa se manter adequado durante toda a fase de desenvolvimento em que se encontra (maturação, fertilização ou cultivo).
Os pesquisadores querem desenvolver um sistema que possa ser utilizado para animais distintos e, por isso, o material deve ter comportamento adequado quando usado para embriões de diferentes espécies. Além disso, querem desenvolver o ciclo completo de cultivo. Para isso, devem ser necessários mais dois anos de pesquisas.
“Essa é a minha expectativa, porque, depois de definir a primeira etapa, já sabemos manusear o material. Tivemos dificuldades inicialmente, mas avançamos muito. Acredito que os maiores obstáculos já foram superados e agora é necessária a adaptação às diferentes fases da produção embrionária.”
A empresa já tem planos de usar a técnica na produção de embriões de equinos, ovinos e suínos. “O segmento de suínos, além da produção de carne, investe atualmente em minipigs, que são utilizados em pesquisa e desenvolvimento de tecidos para transplantes em humanos”, lembra Puelker.
“O embrião suíno produzido da melhor maneira, em um sistema que promova melhor qualidade da célula, vai permitir obter animais mais adequados.”
De acordo com a pesquisadora, a técnica na placa de duas dimensões é utilizada em todo o mundo e, embora haja outras pesquisas no segmento, os métodos são diferentes do que estão propondo.
“Existem modelos que utilizam a tecnologia microfluídica para evitar que o embrião fique parado na superfície. Não encontrei nenhum que use um material maleável em busca de proximidade com o útero”, afirma.
O nome da empresa mescla as palavras blastocisto, o nome de um dos estágios de desenvolvimento do embrião, e cell, que representa a qualidade das células dele. “No fim, é isso que a gente busca: a qualidade das células do embrião.”