Experimentos em torno da interação de fungos e bactérias do solo, como forma de autoproteção das plantas, foram feitos por um grupo de cientistas do Brasil, EUA e Holanda, com a participação da Embrapa Meio Ambiente
As plantas, quando atacadas por patógenos nas raízes, são capazes de interagir com fungos e bactérias do solo para se proteger de doenças, em uma escala muito mais complexa e ampla do que já era conhecida pela ciência.
Essa descoberta inédita no mundo foi feita por um grupo de cientistas da Holanda, Brasil e Estados Unidos, com a participação da Unidade Meio Ambiente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
De acordo com a estatal, a exploração desses mecanismos abre possibilidades para o controle de doenças e pragas agrícolas, incluindo a descoberta de novas moléculas. Estudos desse tipo pavimentam o caminho para uma agricultura mais sustentável, diminuindo a necessidade do uso de químicos no controle de doenças.
Publicado na revista Science, o artigo descreve como a flora microbiana, que vive dentro das raízes, defende naturalmente as plantas contra a invasão de patógenos causadores de doenças, uma descoberta inédita.
Em 2011, a equipe já havia publicado outro paper também na Science, no qual descreveu o modo como as plantas controlam o recrutamento de bactérias benéficas na rizosfera, que é o solo mais próximo das raízes, e as usam para se proteger de doenças.
Terceira linha de defesa
Nesse novo trabalho, os pesquisadores envolvidos quiseram ampliar a compreensão da complexa interação entre a planta e seu microbioma. A partir daí, eles investigaram os patógenos que alcançam o interior das raízes. Para isso, os microrganismos têm de transpassar a rizosfera (a primeira linha de defesa) e o tecido da planta (segunda linha de defesa).
Ainda no mesmo trabalho, os cientistas brasileiros, holandeses e norte-americanos, em conjunto, descobriram uma terceira linha de defesa contra a infecção: uma modulação do microbioma que vive dentro das raízes.
Segundo a Embrapa Meio Ambiente, o método empregado usou a abordagem metagenômica e de inferência de redes complexas para guiar a construção de um consórcio de bactérias Chitinophaga e Flavobacterium, introduzido nas raízes para neutralizar a doença.
Posteriormente, o grupo utilizou a técnica CRISPR para confirmar o grupo de genes NRPS-PKS como responsável pela supressão da doença no interior da planta. Na prática, os resultados obtidos destacaram que o microbioma endofítico das raízes abriga uma variedade de características funcionais ainda pouco conhecidas que, em conjunto, podem proteger a planta de dentro para fora.
Marco na pesquisa
Especialista em Biotecnologia e doutor em Genética e Melhoramento de Plantas, o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Rodrigo Mendes, que é engenheiro agrônomo e um dos autores do artigo, conta que esse estudo representa um marco na pesquisa de microbiomas de plantas.
“Há muito tempo conhecemos a importância dos microrganismos endofíticos para a promoção do crescimento e da saúde das plantas, mas ainda sabemos muito pouco sobre a diversidade genômica e funcional do microbioma endófito e suas interações com a planta e patógenos”, revela Mendes.
Ele continua relatando que, ao seguir os passos do fungo ao infectar a planta, “dissecamos o processo e usamos técnicas moleculares avançadas para elucidar os mecanismos que governam a defesa da planta”.
Segundo informações da estatal, a investigação focou no potencial funcional do microbioma da raiz na proteção das plantas contra infecções de fungos.
Utilizando técnicas avançadas de diferentes abordagens (como inferência de rede e metagenômica), os cientistas identificaram consórcios de bactérias encontrados em solos desfavoráveis (supressivos) ao desenvolvimento do fungo Rhizoctonia solani, causador de doenças em diversas plantas como arroz, trigo e beterraba sacarina.
As técnicas foram empregadas também para identificar agrupamentos de genes funcionais de microrganismos que habitam esses solos.
Mudas de beterraba
Os cientistas analisaram mudas de beterraba cultivadas em solo supressivo à R. solani para identificar os microrganismos associados à supressão de doenças, caracterizando grupos de genes biossintéticos (BGCs). O passo seguinte foi reconstruir o consórcio sintético de microrganismos endofíticos e, finalmente, direcionar as mutações para testar o papel de BGCs específicos na resposta à doença.
Os experimentos mostraram que, sob a invasão de patógenos, bactérias dos gêneros Chitinophagaceae e Flavobacteriaceae se enriqueceram na endosfera da planta e atacaram o fungo. Elas mostraram atividades enzimáticas aprimoradas que provocaram a degradação da parede celular dos fungos.
Ainda não se sabe onde esses dois gêneros bacterianos estão localizados no tecido radicular e como eles interagem no nível molecular na endosfera.
“Os resultados desse estudo destacam a riqueza de gêneros microbianos ainda desconhecidos e suas características funcionais no microbioma endofítico da raiz, questões que estimulam a continuidade e o aprofundamento dos estudos”, relata Mendes.
Fonte: Embrapa Meio Ambiente