Em busca de uma produção com menor custo e mais sustentável, os biofertilizantes são alternativas eficazes e cada vez mais presentes na agricultura brasileira, substituindo os tradicionais defensivos agrícolas
A agricultura brasileira vem passando por diversas revoluções tecnológicas ao longo dos últimos anos, principalmente a partir do desenvolvimento de uma série de novos biofertilizantes, que podem garantir lavouras mais sustentáveis, sem agredir o meio ambiente e a saúde dos produtores rurais.
Segundo o Decreto nº 4954/2004 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), é considerado biofertilizante o produto com princípio ativo ou agente orgânico, sem nenhuma substância agrotóxica e que seja capaz de atuar, direta ou indiretamente, sobre a planta cultivada, elevando sua produtividade.
Sendo assim, os biofertilizantes podem ser de origem animal, vegetal ou mineral. O esterco do gado, por exemplo, é a matéria-prima mais utilizada para a produção de biofertilizantes, após passar por um processo de fermentação. Já o Krill A32, um dos lançamentos mais recentes do gênero, desenvolvido pelo Instituto de Química da Universidade de Brasília (UnB), é de origem mineral.
Composto por carbono luminescente – novo material nano-luminescente, de tamanho pequeno, não-tóxico, com bom desempenho luminoso, biocompatibilidade, boa estabilidade à luz, ampla gama de matérias-primas, fácil para modificar, entre outras vantagens –, o Krill A32 é fruto de uma pesquisa realizada em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Segundo os cientistas envolvidos nesse trabalho, o novo bioproduto agrícola é capaz de aumentar o valor nutritivo dos alimentos, reduzir o uso de agroquímicos, além de tornar a produção em campo menos vulnerável à seca, pragas e doenças.
O nome Krill faz referência a pequenos crustáceos (de um a dois centímetros), que servem como alimento a diversas espécies marinhas, inclusive baleias, e são fundamentais para a manutenção dos ecossistemas nos oceanos. A nanotecnologia manipula matérias de tamanho de átomos e moléculas de 1 e 1.000 nanômetros, só verificáveis em equipamentos especiais.
Como funciona
O biofertilizante ainda pode, além de potencializar a captação de energia, transportar substâncias para proteger a planta e enriquecer os alimentos.
“O que nós temos é um veículo. Esse veículo, sozinho, funciona como estimulante que potencializa a produção, ao melhorar o aproveitamento da água e a taxa de fotossíntese”, descreve a química Carime Rodrigues, uma das responsáveis pela pesquisa na UnB.
De acordo com a especialista, como possibilita o crescimento rápido das plantas, o nanocomposto poderá ser utilizado na recuperação de áreas degradadas, no manejo florestal para produção de madeiras e celulose, na intensificação da atividade agrícola, sem a necessidade de aumentar áreas plantadas e diminuir as florestas.
Aplicação em raízes e folhas
“O biofertilizante, que é atóxico, pode ser aplicado nas raízes e nas folhas das plantas. Os testes mais avançados são com folhagem. Foram estudadas a aplicação com alface, algodão, alho, arroz, cacau, milho, soja e tomate. Como a substância é luminescente, é possível rastrear nos alimentos a sua absorção“, explica Carime.
Como a substância é luminescente, é possível rastrear sua absorção nos alimentos.
“Os primeiros estudos foram feitos via foliar. Isso porque o tamanho do estômato [conjunto de células localizadas nas folhas] é mil vezes maior que o tamanho do nosso composto. Ao passar, o Krill leva os íons, nutrientes que estão aderidos a ele. Seria como injetar na veia da planta“, detalha o engenheiro químico Rogério Faria, colega da mesma equipe que desenvolveu o bioproduto.
Biofortificação
Além das próprias propriedades que favorecem o desenvolvimento das plantas, o nanocomposto pode ser um veículo de carreamento para outras substâncias. Pode levar, por exemplo, zinco, selênio e ferro para os frutos e, assim, fazer a biofortificação para enriquecer alimentos.
“Queremos reduzir a erosão alimentar. As pessoas estão se alimentando com muitas calorias e ingerindo poucos nutrientes. Enriquecer algumas plantas é uma de nossas ideias“, diz Faria.
Carime relata outro sonho dos pesquisadores: “Nossa ambição principal é aumentar a capacidade produtiva de áreas já desmatadas, para evitar que novas áreas precisem ser descompostas“.
A química afirma que há “interesse no desenvolvimento de pesticidas usando esse material como veículo“. Faria também confirma o interesse destacando que o carreamento via Krill também “reduz o consumo de fertilizantes“. Por causa da eficiência, é possível “aplicar carga menor de agrotóxicos. A planta consegue captar com maior facilidade“.
Extrato de algas marinhas
Ainda em fase de desenvolvimento, outro bioferitilizante vem sendo testado por cientistas da Unidade Agroenergia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, em parceria com a empresa Dimiagro.
Trata-se de um novo produto feito a partir do extrato de algas presentes no litoral brasileiro. O trabalho conta com o aporte de recursos da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
O biofertilizante deve proporcionar entre 10% e 15% a mais de rendimento de lavouras de soja, milho, feijão, banana, uva, entre outras. “Essa é uma solução adicional para aumentar a produtividade na agricultura”, salienta o engenheiro agrônomo Cesar Miranda, pesquisador da Embrapa Agroenergia e responsável pelo projeto.
O grupo de pesquisa da estatal, com o apoio da Dimiagro e parceiros, está desenvolvendo um processo de obtenção de extratos de algas e cianobactérias da biodiversidade brasileira. “Evidências de pesquisas, teses, dissertações e trabalhos de campo sugerem que essas algas e cianobactérias produzem fitormônios que agem de forma semelhante aos inoculantes comercialmente utilizados em lavouras de soja”, exemplifica Miranda.
Benefícios
De acordo com o pesquisador, está comprovado que o crescimento das raízes e outros pontos de alongamento das plantas é facilitado pela presença de determinados hormônios vegetais. O extrato já é usado especialmente nas culturas perenes, mas também em cultivos anuais, na Europa e nos Estados Unidos. Inúmeros resultados de pesquisas no Brasil comprovam a eficácia dos extratos de algumas algas selecionadas.
Assim, segundo o engenheiro agrônomo da Embrapa, a proposta do projeto é produzir tais macroalgas próximo aos locais de maior consumo, como é o caso de Formosa, no Mato Grosso do Sul, provendo nutrientes e luminosidade adequadas para maximização do crescimento dos organismos de interesse.
O projeto está em seu último ano de execução, devendo ser finalizado no primeiro semestre de 2020, mas ainda não há data para o seu lançamento no mercado.
“Iremos produzi-las em sistemas de produção competitivos, gerando emprego para a região. Elas poderão ser produzidas em biorreatores, por exemplo, que maximizam o uso do espaço e facilitam o reuso da água e controle de rejeitos”, destaca.
Fazendas marinhas
Outro estudo, desta vez da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também prevê contribuir para a implantação de fazendas marinhas de macroalgas, em comunidades do litoral norte do Estado de São Paulo, que renderá novos biofertilizantes,.
O trabalho da oceanógrafa Valéria Cress Gelli, do Núcleo Regional de Pesquisa do Litoral Norte do Instituto de Pesca, vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, orientado pelo professor da Unicamp Jansle Vieira Rocha, estuda a viabilidade técnica e econômica da produção de biofertilizante a partir do cultivo e extrato da macroalga Kappaphycus alvarezii, originária das Filipinas.
“Optamos em incentivar a produção do extrato da macroalga de forma artesanal, envolvendo um processamento simples, de separação do suco e do bagaço, por meio de uma infraestrutura caseira”, explica a oceanógrafa.
A fração líquida dessa macroalga serve como biofertilizante ou estimulante agrícola e pode ser engarrafada e vendida diretamente aos agricultores ou mesmo a indústrias de fertilizantes que a utilizam como matéria-prima.
A eficiência do extrato, empregado em concentrações específicas e utilizado de modo foliar, é relatada em vários trabalhos científicos referentes ao cultivo de quiabo, soja, feijão verde, tomate, arroz, pimenta, amendoim, banana, milho e cana-de-açúcar. Nesta última, por exemplo, o uso a 1% aumentou a produtividade em cerca de 25% em quatro colheitas.
Relação com mercado orgânico
Um dos principais desafios da produção orgânica no Brasil é encontrar bioinsumos que substituam os defensivos agrícolas, segundo mostra uma pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), em que foram ouvidos 1.200 produtores do Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos.
“Queríamos conhecer quais eram as principais dificuldades que os produtores orgânicos tinham para melhorar seu processo de produção e obter produtividade mais elevada. A opção mais indicada, presente em 57% das respostas, foi a carência de insumos apropriados para a produção orgânica”, avalia Luiz Rebelatto, analista técnico de Competitividade do Sebrae Nacional.
Segundo ele, há uma série de insumos disponíveis na agricultura convencional, como adubos, agrotóxicos, fertilizantes químicos e sementes de alta produtividade. No entanto, o cenário para os produtores de orgânicos é outro: há carência de insumos – como biofertilizantes e defensivos naturais e biológicos – que sejam destinados a esse tipo de cultura mais específica (sem agroquímicos). Além disso, faltam sementes em virtude das poucas pesquisas nessa área e pela própria dinâmica de investimentos na agricultura convencional.
A agricultura orgânica também precisa de alguns insumos, principalmente na fase inicial de transição agroecológica. “Quando uma unidade de produção deixa de ser convencional, para de usar produtos como agrotóxicos e fertilizantes químicos, podendo enfim ter a certificação da produção orgânica. Nessa conversão, o agricultor sente muito e a produtividade cai bastante. É necessário que haja uma substituição de insumos, do químico para o orgânico”, explica Rebelatto.
O Sebrae ainda identificou uma possibilidade para novos empreendedores. “Estamos desenvolvendo alguns planos de negócio para que micro e pequenas empresas possam entrar no mercado de produção de insumos para agricultura orgânica, grande filão de mercado identificado pela pesquisa”, adianta o analista técnico.
Soluções
A legislação brasileira que rege o uso e comercialização de bioinsumos, de modo geral, ainda é ineficaz, especialmente porque os processos de registro são demorados no País. Somente em janeiro passado e depois de seis anos de tentativas, o Brasil registrou – via Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) – o primeiro biofertilizante, de propriedade da empresa brasileira Microquimica,
Esse novo bioproduto nacional tem atividade bioestimulante a partir de seu processo de fabricação, que envolve a fermentação biológica. A boa notícia para o mercado de biofertilizantes é que, após esse primeiro registro, abriu-se oficialmente uma nova classe de produtos regulamentados para utilização na agricultura brasileira, que tem se mostrado cada vez mas sustentável.
Para agilizar esse processo, o Ministério da Agricultura criou um Grupo de Trabalho Técnico (GTT) para tratar da criação e implementação do Programa Nacional de Insumos para a Agricultura Orgânica (Programa Bioinsumos). Sob coordenação da Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Rural e Irrigação, esse grupo será integrado por representantes de outras três secretarias do Mapa: Defesa Agropecuária, Política Agrícola e Agricultura Familiar e Cooperativismo.
Secretário adjunto da Secretaria de Inovação, Pedro Correa Neto afirma que a discussão da temática dos bioinsumos é estratégica para o fortalecimento de um modelo sustentável de agronegócio, que agrega valor, responsabilidade ambiental e viabilidade econômica.
“É uma pauta fundamental para o desenvolvimento sustentável da agricultura. É uma política que está alicerçada nos planos nacionais da agricultura orgânica e é a base para o estabelecimento de uma agropecuária de base ecológica”, comenta Neto.
Alinhamento
De acordo com o Ministério da Agricultura, um dos objetivos do Programa de Bioinsumos será harmonizar as ações e experiências existentes de forma descentralizada no setor, identificando as necessidades do segmento e propondo novas formas e processos que possam trazer inovação e fomento. Ainda prevê a definição de eixos temáticos e a revisão do marco legal relacionado ao assunto.
Um dos pontos que deve ser discutido, por exemplo, é a produção de insumos dentro das propriedades rurais. “Queremos olhar para o que temos hoje, envolvendo esses insumos, em que situação está e o que é viável fazer. A expectativa é que o programa organize o processo para impulsionar o setor, que tem crescido no País”, diz a bióloga Mariane Carvalho, chefe da Divisão de Novos Insumos da Secretaria de Inovação do Mapa.
Fonte: Agencia Brasil/EBC, Embrapa, Unicamp e Ministério da Agricultura