Com o lançamento do Programa Nacional de Bioinsumos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a expectativa é pelo fortalecimento do setor e ampliação da oferta de produtos no mercado, como o controle biológico (foto)
O Brasil deu um passo importante ao lançar o Programa Nacional de Bioinsumos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), no final de maio. A iniciativa pretende fortalecer o setor, acelerando o desenvolvimento de normas e a criação de novas empresas, além de consolidar a marca da agricultura brasileira sustentável, estimulando o uso de biodefensivos e biofertilizantes.
Estimativas apontam que a área nacional tratada com biodefensivos é de 10 milhões de hectares, principalmente cultivos de soja, cana, café, hortaliças e frutas, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCBio).
Somente em 2019, o mercado de insumos biológicos ou bioinsumos movimentou mais de R$ 675 milhões no País, segundo dados da Croplife Brasil, associação que representa o setor. O mercado global, considerando apenas o segmento de bioinseticidas, faturou US$ 3,4 bilhões em 2016. Para 2021, a estimativa é de US$ 7,5, um crescimento da ordem de 17% ao ano, segundo a pesquisadora da Embrapa, Rose Monnerat.
“O Brasil tem acompanhado essa tendência, o mercado de bioinsumo é o que tem maior potencial de crescimento”. Segundo ela, atualmente, existem 96 produtos biológicos e extratos vegetais registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), com 76 empresas atuando no setor e 220 novos produtos aguardando para serem analisados.
O papel da Embrapa
A Embrapa vem ocupando papel fundamental neste segmento. São mais de 600 pesquisadores, situados em quase todos os 43 centros, atuando em pesquisas dedicadas ao controle biológico e ao desenvolvimento de inoculantes, responsáveis pela promoção do crescimento de plantas, como os fixadores de nitrogênio e fósforo, por exemplo.
Celso Moretti, presidente da instituição, lembra que reduzir o uso de fertilizantes químicos é um tema importante na agenda da entidade desde a sua criação.
Ele explica que o Brasil ainda importa por ano cerca de 25 milhões de toneladas de NPK (Nitrogênio, Fósforo e Potássio) e que é preocupante o fato de um setor como o agro brasileiro, que corresponde a 23% do PIB, ainda depender tão fortemente da importação de adubos nitrogenados.
“Por isso, a busca por bioinsumos é uma prioridade para a pesquisa agropecuária. E por isso é que lançamos em 2019, em parceria com o setor privado, um bioinsumo inicialmente específico para a cadeia do milho, que é o Biomaphos”.
Moretti explicou que a novidade é composta por duas bactérias que trabalham sinergicamente e atuam sobre o fósforo que está acumulado no solo ao longo de anos de adubação.
“O Biomaphos foi testado em 400 áreas agrícolas diferentes do país e foi fruto de um trabalho de 17 anos de pesquisa. E já demonstrou que pode possibilitar aumento de produtividade da ordem de 10% na cultura do milho”. No ano passado, o Brasil importou 5,5 milhões de toneladas de adubos fosfatados.
O presidente da Embrapa disse também que com a fixação biológica de Nitrogênio para a soja, a pesquisa ajudou o agro a economizar e evitar o uso de adubos nitrogenados.
“Agora, com o Biomaphos, avançamos na questão do fósforo. E quem sabe, num futuro próximo, vamos encontrar uma solução também para o potássio”.
Investimentos
A demanda por insumos biológicos é crescente não apenas na produção de base agroecológica, como também na agricultura convencional, acredita Ivan Cruz, pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo e coordenador do “Portfólio Insumos Biológicos” da Embrapa.
“Para suprir esta demanda, há necessidade de investimentos, tanto financeiros quanto humanos, pois a disponibilidade comercial de insumos biológicos ainda é pequena. A Embrapa tem investido nesta linha temática, sabendo que o Brasil, com a imensa biodiversidade que possui, pode, em pouco tempo e especialmente com parceiros externos, aumentar a disponibilidade dos insumos biológicos no país”, afirma Ivan.
“A iniciativa do Mapa em criar o Programa Nacional de Bioinsumos é uma sinalização clara do reconhecimento da importância do tema e vai auxiliar de forma decisiva no aumento do uso de insumos biológicos no país, ao criar normativas e, ao mesmo tempo, incentivar a criação de novas empresas para produção e uso de insumos biológicos na agropecuária brasileira”, complementa o coordenador dessa linha de pesquisa na Embrapa.
Controle biológico no combate à dengue
Um universo com mais de 10 mil linhagens de bactérias, fungos e vírus controladores de pragas e doenças de plantas e mais de 14 mil linhagens de micro-organismos fixadores de nutrientes e promotores de crescimento de plantas, constitui diversos bancos de germoplasmas da Embrapa.
Um deles faz parte do Laboratório de Bactérias Entomopatogênicas (LBE), onde são desenvolvidos produtos não-químicos. Além do uso nas lavouras, o controle biológico pode também ser usado na veterinária e na saúde pública, como o combate às larvas do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, zika, chikungunya e febre-amarela.
Foi a partir da bactéria Bti (Bacillus thuringiensis israelensis), que o laboratório criou o bioinseticida para combater as larvas da dengue, assim como outro para defesa das lavouras de soja, algodão, milho e hortaliças atacadas por lagartas. São produtos inofensivos à saúde humana e dos animais e ao ambiente.
“No LBE são realizadas pesquisas voltadas ao desenvolvimento de biolarvicidas à base dessas bactérias e de outras para controlar pragas agrícolas e mosquitos transmissores de doenças, como por exemplo, o mosquito transmissor da dengue (Aedes aegypti) e a lagarta Spodoptera frugiperda, que é a pior praga do milho, entre outros”, comenta a pesquisadora Rose Monnerat,
Pesquisas em andamento
As pesquisas com insumos biológicos ou bioinsumos se iniciaram na Embrapa assim que a Empresa foi criada, no início dos anos de 1970. A pesquisadora Johanna Döbereiner foi a grande liderança desses estudos, que contribuíram de forma significativa para o entendimento e a aplicação da fixação biológica de nitrogênio e a promoção de crescimento de plantas na agricultura brasileira.
Três ex-alunos de Döbereiner – José Roberto Peres, Milton Vargas e Alert Suhet – foram responsáveis pelas primeiras pesquisas sobre bioinsumos na região dos cerrados. Desenvolvidos na Embrapa Cerrados (DF), os estudos culminaram no lançamento das quatro estirpes de rizóbios atualmente recomendadas para a inoculação da cultura da soja, uma tecnologia que gera economia de bilhões de dólares anuais para a agricultura nacional.
Atuante na área e também ex-orientando de Döbereiner, o pesquisador Fábio Bueno, da Embrapa Cerrados, está animado com o lançamento do Programa Nacional de Bioinsumos.
“Temos a oportunidade de construir uma importante plataforma de integração entre o poder público, a pesquisa, a indústria e os produtores rurais para alavancar a geração, produção e adoção de insumos biológicos em nossa agricultura”, afirma.
Bueno acredita que as ações do Programa, apoiadas em bases técnico-científicas, poderão estimular o desenvolvimento e a oferta de produtos eficientes, com qualidade e segurança biológica comprovadas.
“Podemos esperar, consequentemente, que o aumento na adoção desses insumos nos sistemas produtivos apresentará reflexos na preservação ambiental, na produtividade, qualidade, competitividade e sustentabilidade do agronegócio”, projeta.
Necessidade de biofábricas
Quando se fala em ciência e, principalmente, em seres vivos, tudo é muito peculiar e, na maioria das vezes, não existem generalizações. Isso significa que para cada molécula identificada é necessário estudar a melhor biofábrica para produzí-la em larga escala e com custos que tornem o processo atraente para ser acolhido pelo mercado.
Foi exatamente o que aconteceu no caso da cianovirina, uma proteína extraída da alga marinha azul-verde (Nostoc ellipsosporum) com capacidade natural de se ligar a açúcares impedindo a multiplicação do vírus HIV no corpo humano.
Os efeitos positivos da cianovirina contra a Aids já estavam comprovados desde 2008 a partir de testes realizados com macacas pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH, sigla em inglês). Entretanto, faltava encontrar um meio viável de produzir a proteína em larga escala.
Depois de testes com bactérias, leveduras e plantas de tabaco, a equipe da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, coordenada pelo pesquisador Elíbio Rech, conseguiu comprovar que sementes de soja geneticamente modificadas constituem uma biofábrica eficiente e viável para a produção em larga escala da cianovirina.
Segundo ele, os estudos vêm sendo feitos com a soja em razão do grande conhecimento que a comunidade científica já tem sobre a espécie, mas as pesquisas podem ser feitas com outras espécies vegetais.
“As plantas, de um modo geral, agem como incubadoras de moléculas que futuramente serão biofábricas de fármacos.” Ainda de acordo com Rech, a vantagem do uso da soja transgênica na produção de fármacos é, principalmente, econômica.
“Essa economia, em comparação com os experimentos feitos em animais, é 40 vezes maior. Além disso, a Embrapa tem patentes para modificação genética da soja em níveis mundiais, o que permite aos cientistas uma liberdade maior para manipular a cultura”.
Segundo Rose Monnerat, pelo fato de o mercado de bioinsumos estar em pleno crescimento, há também o interesse de produtores rurais em instalar suas próprias biofábricas e prepararem seus insumos biológicos.
“Para isso, contudo, são necessários técnicos capacitados. Nesse sentido, a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia oferece, pelo menos duas vezes ao ano, o curso controle biológico, que disponibiliza aos participantes conteúdos técnicos e práticos sobre como controlar as pragas agrícolas e os insetos transmissores de doenças a partir do uso de seus inimigos naturais”, esclarece a pesquisadora.
Vírus, bactérias, insetos e feromônios
Para realizar o controle de pragas e doenças nas lavouras, podem ser usados vírus, bactérias e insetos e até mesmo os chamados feromônios, substâncias que os insetos produzem e utilizam na sua comunicação com os outros insetos da mesma espécie.
De acordo com a pesquisadora, é possível fazer uso do controle biológico para quase tudo, como no controle a lagartas, besouros, nematoides, entre outros. Trata-se de um método racional e seguro, com grande potencial de utilização em programas de manejo integrado de pragas porque pode reduzir significativamente e, até mesmo, eliminar a utilização de defensivos químicos nas lavouras.
“Temos hoje, inclusive, a aplicação de parasitoides nas lavouras por intermédio dos drones”, exemplificou Monnerat, lembrando que é uma tecnologia que está avançando muito no País.
“Em compensação temos também limitações, como o fato de os produtos não serem tão específicos, ou seja, não é possível utilizar apenas um tipo de controle para várias pragas. É preciso cuidados especiais no armazenamento, pois são organismos vivos que precisam ser transportados para as propriedades rurais para serem aplicados nas lavouras. Além disso, as aplicações devem ser feitas em condições específicas, levando-se em conta o clima e o estágio que a praga se encontra. Ou seja, é preciso interagir um pouco mais com a cultura para fazer melhor uso do controle biológico”, explicou a especialista da Embrapa.
Aplicativo Bioinsumos
Os produtores rurais já podem consultar pelo celular uma lista de produtos de origem biológica indicados para nutrição, controle de pragas e doenças de diversas culturas agrícolas.
O aplicativo Bioinsumos coloca na palma da mão um catálogo com 580 produtos biológicos disponíveis no País destinados a combater mais de 100 pragas e plantas invasoras e ampliar a absorção de nutrientes, favorecendo o crescimento de espécies vegetais. Ele está disponível para plataformas iOS e Android.
Desse total, 265 são defensivos biológicos, entre bioacaricidas, bioinseticidas, biofungicidas e bioformicidas. Os outros 315 itens são inoculantes, um insumo biológico que contém micro-organismos com ação benéfica para o desenvolvimento das plantas. Todos os produtos são registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
A ideia é consolidar um catálogo nacional de insumos biológicos, facilitando o acesso a uma ampla base de informações, de forma fácil, rápida e gratuita, para uso na produção agrícola, armazenamento e beneficiamento de produtos agropecuários.
A oferta dessa listagem visa favorecer a conexão entre a oferta dos produtos registrados e a demanda do setor produtivo, apoiando assim fornecedores e compradores. “Muitas vezes as pessoas querem usar os insumos biológicos, mas não sabem como encontrá-los”, explica a bióloga Mariane Carvalho Vidal, coordenadora do programa de bioinsumos do ministério.
Ela conta que é preciso garantir a qualidade desses produtos, verificando todas as etapas do processo, ou seja, desde o local onde foram produzidos até o momento da aplicação, para que cheguem adequadamente ao campo e tenham eficiência. Por isso, o catálogo busca promover o uso dos bioinsumos, trazendo indicações de empresas produtoras, bula do produto, número de registro no Mapa, entre outras informações relacionadas ao controle de pragas e inoculantes.
Para se ter uma ideia, no caso da broca da cana, o aplicativo traz indicações de 39 produtos biológicos, considerados como agentes de controle dessa praga, que é uma espécie de mariposa e causa grandes prejuízos na cultura da cana-de-açúcar.
Fonte: Embrapa