Uma iniciativa no Paraná espera transformar os rejeitos da suinocultura em matéria-prima para o combustível sustentável de aviação (SAF, na sigla em inglês). (Foto:EUROPEAN CIVIL AVIATION CONFERENCE/Divulgação)
O Grupo Mele, que hoje produz biogás no Paraná, quer exportar bio-syncrude (uma espécie de substituto sustentável do petróleo bruto) para abastecer refinarias na Alemanha que fabricam o SAF.
A ideia é transformar o biogás, oriundo dos resíduos da suinocultura de municípios no oeste do Paraná, em biometano e combiná-lo ao hidrogênio verde – obtido a partir de eletrólise da água e reforma do biogás – para produção do syncrude.
Os SAF produzidos a partir de biomassa renovável e têm o mesmo potencial de desempenho do combustível de aviação à base de petróleo, mas com uma fração menor de carbono, proporcionando às companhias aéreas uma base sólida para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa (GEE) dos voos.
O projeto, que foi anunciado no começo deste ano, está sendo financiado pelo programa global H2Uppp, uma iniciativa comissionada pelo Ministério Federal Alemão de Economia e Proteção Climática (BMWK).
“O programa prevê uma produção local em torno de 30 mil metros cúbicos de biometano/hora, e com uma produção de SAF de 100 mil toneladas/ano, na primeira fase do programa”, disse Neudi Mosconi, sócio administrador da Me Le Brasil Biogás.
Segundo ele, os números consideram apenas os atuais produtores de seis municípios que participam do projeto. Mas a expectativa é que outras 20 cidades integrem a iniciativa, não só do Paraná, como também de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, que também possuem produção intensiva de aves e suínos.
O projeto conta hoje com a participação das cooperativas COOPERSAN e AMBICOOP, Cooperativas que organizam mais de 100 granjas de suínos cada.
Cooperação alemã
“O Brasil tem potencial para ser um dos produtores mais promissores de hidrogênio verde em áreas-chave como a de fertilizantes – tornando-se independente de importações – mobilidade e naval”, afirma o Dr. Bernd dos Santos Mayer, coordenador da iniciativa no Brasil por parte da Agência Alemã.
No entanto, o mercado, a cadeia de valor e o ecossistema local de PD & I ainda precisam ser desenvolvidos no Brasil. A iniciativa é considerada essencial para o alcance da chamada transição energética, em voga em todo o mundo.
As cooperativas do agro já são protagonistas na utilização de energia gerada a partir de dejetos de animais com a produção de biogás e biometano em suas produções agrícolas, o que chamou a atenção do grupo alemão em investir 2,3 milhões de euros para acelerar a transição para a energia limpa.
A iniciativa alemã também planeja apoiar o Ministério de Minas e Energia (MME) e o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) na implementação de ações para a construção de laboratórios, desenvolvimento de novas tecnologias, entre outros fomentos, como financiamento de estudos e pesquisas, treinamentos e capacitações profissionais na área do hidrogênio verde.
Marco regulatório
Em outra iniciativa com apoio alemão, o Pacto Brasileiro pelo Hidrogênio Renovável, formado pela Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha e as entidades Abeeólica , Absolar e Abiogás, definiu 17 sugestões para composição de uma legislação voltada para o mercado de hidrogênio verde.
Entre elas, a equiparação do hidrogênio renovável com o biodiesel, a criação do mercado de carbono nacional em lei, como impulsionador de tecnologias verdes no Brasil e a redução da carga tributária para o setor.
As entidades entregaram as sugestões na semana passada ao deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania/SP), presidente da Comissão Especial de Transição Energética.
Potencial do Paraná
Segundo Benno Henrique Doetzer, diretor técnico da Secretaria de Estado da Agricultura e do Abastecimento, o Paraná tem desafios próprios para fomentar a produção de energia e também ganha ao tentar neutralizar o potencial poluidor de culturas que ganharam força nos últimos anos.
“Temos no Paraná, hoje, o mesmo número de suínos e de seres humanos, porém os animais geram uma carga orgânica equivalente ao de sete pessoas, um material que precisa ser tratado e disposto corretamente na natureza, e o H2 pode ajudar nesse sentido, reduzindo a pegada de carbono”, destaca
Doetzer cita que a produção rural no Paraná é difusa, mas que já existem redes próprias conectando produtores e que elas devem ser a base da estrutura logística da produção da nova energia.
“Investir nos clusters regionais existentes, como na interligação de redes de biogás, vai ajudar a viabilizar mercados e redes locais de distribuição e a construção de um modelo de negócio prático e efetivo”, diz o diretor.
Ele cita que, nesse processo, é importante a consolidação de segurança jurídica sobre o tema, o estabelecimento de um modelo de governança que organize essas iniciativas e envolva setor público e privado e que seja promovida ampla difusão da capacitação, tecnologia e inovação na área.
As mudanças energéticas transformam das pequenas propriedades rurais às grandes empresas paranaenses, como explica Cassio Santana da Silva, diretor de Desenvolvimento de Negócios da Copel, que tem iniciativas relacionadas ao hidrogênio.
“Muito se fala da exportação de hidrogênio, mas penso que atender o mercado interno pode ser hoje a melhor estratégia para o hidrogênio renovável, visto ainda que o elemento está na base dos fertilizantes, dos quais o Paraná muito depende e vai depender por muito tempo”, pontua.
O CEO da Compagas, Rafael Lamastra Jr, destaca a caminho do desenvolvimento do hidrogênio a partir do gás natural e do biometano.
“Nossa meta é ter um hidrogênio verde e para isso é necessário uma modelagem e um planejamento estabelecido em fases. Num primeiro momento, o gás natural, que já apresenta menor emissão de CO2, e na sequência, a partir do biometano, um gás 100% renovável e paranaense”, afirma.