Produção de amônia de baixo carbono no Brasil pode significar maior autonomia, segurança alimentar e sustentabilidade no agronegócio nacional (Foto Diego Feletti/Yara)
Um artigo recente publicado na revista Nature destacou a importância crítica dos fertilizantes nitrogenados sintéticos à base de amônia para a segurança alimentar global, mas também alertou para os desafios ambientais e logísticos associados à sua produção.
A amônia, principal componente desses fertilizantes, é hoje produzida majoritariamente a partir de combustíveis fósseis, um processo que consome muita energia, emite grandes quantidades de carbono e depende de cadeias de suprimentos vulneráveis.
Diante disso, a amônia verde — produzida a partir de fontes renováveis — surge como uma alternativa promissora para reduzir impactos climáticos e garantir a segurança alimentar, especialmente em países como o Brasil, que dependem fortemente de importações.
A dependência global dos fertilizantes nitrogenados
Os fertilizantes nitrogenados são essenciais para a produção agrícola em larga escala, sustentando cerca de 3,9 bilhões de pessoas no mundo.
No entanto, sua produção é altamente centralizada e dependente de combustíveis fósseis, principalmente gás natural. O estudo destaca que quatro países — Rússia, China, Qatar e Arábia Saudita — dominam mais de 40% das exportações globais, deixando 1,8 bilhão de pessoas vulneráveis a interrupções na cadeia de suprimentos e à volatilidade de preços.
Essa dependência é particularmente crítica no Sul Global, onde muitos países não possuem capacidade local de produção.
O Brasil, quarto maior consumidor mundial de fertilizantes nitrogenados, é um exemplo emblemático dessa vulnerabilidade. Em 2021, o país importou 6,7 milhões de toneladas de fertilizantes nitrogenados, o equivalente a 14% das importações globais, sendo a Rússia seu principal fornecedor.
Essa dependência expõe o agronegócio brasileiro a riscos geopolíticos e flutuações de preços, como os observados após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022.
O estudo ressalta que “1,2 bilhão de pessoas dependem de fertilizantes importados, número que sobe para 1,8 bilhão quando consideramos aqueles que usam fertilizantes produzidos localmente a partir de gás natural importado”.
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A amônia verde como alternativa sustentável
O estudo analisa diferentes caminhos para a produção de amônia com baixo carbono, destacando a amônia verde como uma solução viável para reduzir emissões e aumentar a resiliência das cadeias de suprimentos. A produção tradicional de amônia, baseada em gás natural, pode ter suas emissões reduzidas em até 70% com a captura e armazenamento de carbono (CCS). No entanto, essa abordagem ainda depende de combustíveis fósseis e não resolve a dependência de importações.
Já a amônia verde, produzida por meio de processos eletrolíticos ou bioquímicos alimentados por energia renovável, oferece uma redução drástica nas emissões. Embora atualmente seja “duas a três vezes mais cara e demande 100 a 300 vezes mais terra e água” do que a produção convencional, essa alternativa tem o potencial de descentralizar a produção, reduzindo custos de transporte e aumentando a segurança alimentar em regiões como a América do Sul e a África Subsaariana.
O papel do Brasil na transição para a amônia verde
O Brasil, com sua vasta capacidade de geração de energia renovável, está em uma posição privilegiada para liderar a produção de amônia verde. A descentralização da produção poderia não apenas reduzir a dependência de importações, mas também impulsionar a produtividade agrícola local, especialmente em regiões mais afastadas dos grandes centros de produção.
No entanto, o estudo ressalta que essa transição exigirá “investimentos significativos e apoio político para superar barreiras financeiras e tecnológicas”.
Além disso, a adoção de práticas agrícolas mais eficientes no uso de nitrogênio pode complementar a transição para a amônia verde, reduzindo a demanda por fertilizantes e minimizando impactos ambientais.
O estudo sugere que “abordagens interdisciplinares, que integrem políticas públicas, inovação tecnológica e cooperação internacional, são essenciais para garantir uma transição justa e sustentável”.
Custos são altos ainda
Apesar do potencial da amônia verde, o estudo alerta para os desafios associados à sua adoção em larga escala. Os altos custos iniciais, a necessidade de infraestrutura especializada e a competição por recursos como água e terra são obstáculos significativos.
Além disso, a transição para uma produção descentralizada exigirá mudanças profundas nas cadeias de suprimentos globais, atualmente dominadas por grandes produtores centralizados.
No entanto, os benefícios de longo prazo — como a redução das emissões de carbono, a maior resiliência às crises geopolíticas e o aumento da segurança alimentar — justificam os investimentos necessários.
Para países como o Brasil, a amônia verde representa não apenas uma oportunidade de reduzir sua dependência de importações, mas também de se posicionar como líder global na produção agrícola sustentável.
O estudo destaca que “a descentralização da produção tem o potencial de reduzir custos de transporte, emissões, dependência de importações e volatilidade de preços, aumentando a produtividade agrícola no Sul Global”.
Caso brasileiro
No Brasil, a Yara começou a produzir no ano passado, amônia renovável utilizando biometano em seu Complexo Industrial de Cubatão (SP). Segundo a empresa, a iniciativa reduz em 75% a pegada de carbono em comparação à amônia produzida a partir de gás natural.
A empresa possui um contrato com a Raízen que prevê o fornecimento de cerca de 20 mil metros cúbicos por dia de biometano, produzido na sua unidade em Piracicaba (SP), a partir de resíduos da cana-de-açúcar, como vinhaça e torta de filtro.
Segundo Daniel Hubner, vice-presidente de Soluções Industriais da Yara International, esse volume representa em torno de 5% do total de gás natural consumido pela fábrica em Cubatão, e permite fabricar entre 6 e 7 mil toneladas de amônia renovável e aproximadamente 15 mil toneladas de fertilizantes nitrogenados por ano.
Além de clientes industriais, um dos focos da Yara são os produtores rurais e companhias de alimento que estão em busca de soluções que reduzam a pegada de carbono, especialmente em cadeias como a do café, cuja exportação é altamente demandada por mercados com exigências de sustentabilidade.
Redação A Lavoura com informações da agência eixos