A proprietária da Topgen conta como as tecnologias têm contribuído para a evolução desse setor
No mundo existe mais de uma centena de raças suínas, sendos algumas são típicas de determinadas regiões, em decorrência de diversos fatores, como a variação climática, por exemplo, enquanto outras atendem nichos específicos do mercado.
Em relação às cadeias industriais de carne suína, a variação de espécie diminui principalmente em relação às matrizes, já que a maior parte destas é composta pelas raças Large white ou Landrace e seus cruzamentos. “Muitas pessoas confundem raça com linhagem”, afirma a proprietária da Topgen, Beate von Staa, que fala a seguir, entre outros assuntos, sobre o papel do melhoramento genético na suinocultura.
A Lavoura: Para começar, você pode explicar a diferença entre linhagem e raça?
Beate von Staa: Linhagem seria como uma “família” dentro de uma determinada raça. Cada uma das raças tem características bem definidas, ou seja, filhos do cruzamento de duas raças puras possuirão as mesmas características dos seus pais. Por exemplo, pai e mãe Duroc, terão filhos Duroc e, tal como seus pais, terão pelagem vermelha. No mercado industrial é comum se optar pelo cruzamento de duas ou até mais raças, para conseguir as características mais interessantes na sua progênie. Assim sendo, cruza-se a raça de boa característica materna com raça de boa qualidade de carne. O melhoramento genético se faz em raças puras e é uma atividade muito específica, na qual se busca otimizar as características de determinadas raças e também fazer cruzamentos para obter o melhor blend.
A Lavoura: Como ocorreu essa evolução?
Beate von Staa: No passado, as granjas de reprodutores, que faziam o melhoramento genético e forneciam matrizes ou machos aos produtores, iam pessoalmente escolher e buscar seus animais. Também era comum apresentarem seus reprodutores para venda em exposições ou leilões. A virada de chave aconteceu no início da década de 1990 após a abertura das importações. A maior facilidade para aquisição de animais de reprodução trouxe empresas de genética suína de vários países, que desembarcaram no Brasil com outra filosofia no melhoramento genético: o conceito de biosseguridade e novas formas de trabalhar o mercado.
A Lavoura: Fale sobre o conceito de biosseguridade.
Beate von Staa: Planteis de melhoramento genético devem ter o mais alto nível sanitário, para que efeitos de possíveis patógenos não mascarem as características genéticas (genótipos). O impedimento da entrada de visitantes nesses locais, principalmente de pessoas que têm contato com suínos, é um importante item dos protocolos sanitários. Por essa razão, as empresas de genética passaram a realizar a entrega dos suínos para reprodução. No lugar do cliente escolher pessoalmente seu animal este passou a comprar “expectativa de produção”.
A Lavoura: Que outro fator impulsionou o melhoramento genético?
Beate von Staa: Outro marco importante na atividade foi a especialização. Na suinocultura industrial, basicamente se distingue dois grandes grupos de raças ou linhagens (aqui realmente pode ser raça ou linhagem, pois pode haver a distinção entre linhagem macho ou linhagem fêmea na mesma raça, por exemplo, na raça Large White). Existem raças ou linhagens especializadas em transmitir boas características maternas, chamadas de linha mãe ou linha materna, e também há as raças ou linhagens especializadas em características de desempenho ou porcentagem de carne na carcaça, chamadas de linha terminadora, ou linha macho.
A Lavoura: O que você tem a dizer sobre a linha macho?
Beate von Staa: O macho terminador, cuja progênie é destinada ao abate, muitas vezes é resultado de cruzamentos de várias raças. Isto varia de acordo com o objetivo da empresa de genética. Um exemplo é o macho terminador desenvolvido pela Embrapa, composto por três raças, Pietrain, Duroc e Large White. É comum se cruzar duas ou mais raças, formando praticamente uma nova raça ou Puro Sintético (PS), como é chamado. Existe um regramento específico para se registrar um PS. Mas, tal como o puro, a progênie tem as mesmas características que os pais.
A Lavoura: E quanto às matrizes?
Beate von Staa: Em relação às matrizes, também chamadas de matrizes comerciais, destinadas a produzir os animais para abate, as empresas de genética geralmente têm uma marca registrada (um nome) para elas. Essas +fêmeas, em muitos casos, são cruzamento das raças Large White e Landrace, mas quem de fato define é a empresa de genética. O produtor normalmente recebe as matrizes de empresas de genética ou de suas granjas parceiras denominadas multiplicadoras, que ampliam o material genético produzido nas granjas de melhoramento genético, também muitas vezes denominadas de granjas núcleo.
A Lavoura: Qual o trabalho das granjas multiplicadoras?
Beate von Staa: As granjas multiplicadoras de uma determinada genética recebem as avós da empresa de genética. Estas avós produzirão as matrizes comerciais que irão compor o plantel de granjas comerciais. Mas, surge uma questão: uma avó é uma matriz pura ou não? Depende da política da empresa de genética. Às vezes, uma avó é um animal puro, mas também pode ser um cruzamento. Por exemplo, o pai Large White e a mãe Landrace. O cruzamento de duas raças puras também pode ser denominado de F1.
A Lavoura: Como funciona o mercado de reprodutores?
Beate von Staa: Atualmente o produtor adquire as matrizes comerciais de uma empresa de genética ou granja de reprodutores que produzirão os leitões que serão criados até atingirem o peso de abate. Já o macho terminador, pode ser adquirido para cruzar com essas matrizes ou, ainda, optar pelo sêmen, comercializado por uma empresa de genética ou central de inseminação. Os leitões resultantes desses cruzamentos serão os destinados ao abate.
A Lavoura: O que o produtor quer, em termos de genética?
Beate von Staa: O demanda do mercado é voltada para linhagens de boas mães e de bons machos terminadores. Para as fêmeas, os requisitos são boas habilidades maternas, rusticidade, aparelho locomotor robusto, que contribui para maior longevidade e aparelho mamário com bastante tetas viáveis e simetricamente posicionadas para atender a grande quantidade de leitões nascidos. Já nas linhagens macho, os produtores passaram a buscar cada vez mais velocidade de crescimento e eficiência na conversão alimentar, transformando ração consumida em quilo ganho.
A Lavoura: Mais alguma mudança?
Beate von Staa: Sim. Outra mudança foi a procura pelo porco light, uma quebra de paradigma que trouxe profundas transformações. Até então, a banha produzida pelos animais era muito importante na alimentação humana, pois era a principal fonte de gordura. Com o desenvolvimento da indústria alimentícia, os óleos vegetais começaram a substituir a banha e ao mesmo tempo iniciou a preocupação de uma comida com menos gordura.
A Lavoura: Quais as consequências desse novo posicionamento?
Beate von Staa: Como os frigoríficos passaram a buscar carcaças magras, as empresas de genética focaram nessas características no melhoramento genético dos machos e a atenção para a seleção de matrizes foi diminuindo. Porém, ao optar por animais cada vez mais magros, o impacto foi na qualidade da carne que, por ser mais magra, sem gordura entremeada, ficou mais seca. Além disso, animais com menos gordura frequentemente tinham problemas de estresse, o que aumentou a mortalidade em muitos rebanhos.
A Lavoura: Mais alguma transformação?
Beate von Staa: A seleção de indicadores sofreu outra transformação nas linhagens de fêmeas. A pressão dos sistemas produtivos para animais mais eficientes em conversão de ração e para o aumento significativo no nascimento e desmame de leitões fez com que as matrizes tivessem outros indicadores prejudicados. Como por exemplo, sua longevidade e resistência a doenças.
A Lavoura: Qual o papel da ABCS?
Beate von Staa: Desde de 1955, quando foi fundada a Associação Brasileira de Criadores de Suínos (ABCS), as granjas de reprodução ou empresas de genética são registradas, bem como, os suínos destinados à reprodução também são catalogados no Pig Book do Brasil (PBB). Cada suíno deste tem seu número individual, ou PBB. Mesmo se o animal for cruzado, também deve ser registrado, ou seja, ter seu PBB.