Tratamento de efluentes da suinocultura gera renda, bioenergia, água renovável e biofertilizantes
Os dejetos derivados da suinocultura intensiva são um grande desafio para as propriedades, especialmente porque muitas não possuem área agrícola para utilizá-los como biofertilizante. Ao serem descartados, os resíduos apresentam um elevado potencial poluidor para o meio ambiente.
Pensando em reduzir esses danos e gerar retorno financeiro para a produção de porcos, pesquisas vem desenvolvendo sistemas de tratamento de dejetos suínos capazes de gerar água que pode ser reutilizada, fósforo fertilizante e até mesmo energia elétrica e biocombustíveis para veículos.
Um dos exemplo vem da Embrapa Suínos e Aves que, desde 2010, pesquisa um sistema inovador, que combina processos biológicos e químicos, removendo, conjuntamente, carbono, nitrogênio e fósforo dos efluentes.
Instalado na Granja Master, em Santa Catarina, o Sistema de Tratamento de Efluentes da Suinocultura (Sistrates) permite obter um alto nível de tratabilidade das águas residuárias. O sistema garante qualidade da água suficiente para que ela seja reutilizada na própria granja ou, caso haja área agrícola próxima, seja usada na irrigação e até mesmo na piscicultura.
“Esse efluente resultante atende aos padrões exigidos pela resolução 430 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que dispõe sobre as condições e padrões de lançamento de efluentes em corpo d´água”, explica o pesquisador da Embrapa Airton Kunz, líder do projeto.
Mercado potencial
O mercado potencial do Sistrates são granjas de produção intensiva, de grande porte, com limitação de área agrícola para a aplicação de dejetos ou efluentes ou ainda com necessidade de reúso de água. Unidades centralizadas de tratamento em bacias hidrográficas ou usinas centrais de biogás para cogeração de energia elétrica ou térmica também estão entre os potenciais usuários.
A tecnologia pode ser aplicado de maneira modular e adicional, de acordo com as necessidades de tratamento e as condições de cada propriedade.
“Esse projeto tem como foco o tratamento dos dejetos suínos para utilização em grandes sistemas de produção. E funciona a partir de um conjunto de sistemas modulares resultando em um efluente final de excelente qualidade”, explica Kunz.
Conheça detalhes do Sistrate:
A Granja Master, em que o sistema está implementado, tem capacidade para alojar 9,5 mil matrizes e uma produção anual de 256 mil suínos. De acordo com o diretor-superintendente da granja, Mario Faccin, o Sistrates foi ao encontro do que eles precisavam para resolver o problema dos resíduos da produção e melhorar processos, como o uso da água.
“A região onde a granja está instalada tem poucas áreas de lavoura para a aplicação dos resíduos como adubo, o que se tornou um desafio para a produção. Também tínhamos um consumo de água muito alto e precisávamos de alternativas para operar com mais sustentabilidade. Hoje produzimos 256 mil suínos ao ano e estamos operando com metade do volume de água que usávamos há sete anos, quando a produção era de 241 mil animais anuais”, comemora.
Outro ponto destacado pelo diretor é a preocupação com a sustentabilidade. “A Master sempre teve um grande compromisso com a sustentabilidade da sua atividade e esse projeto nos coloca na vanguarda da questão ambiental com a criação de um sistema de aproveitamento de alta eficiência, cuja tecnologia foi completamente desenvolvida em uma de nossas unidades”, ressalta.
Como funciona
O Sistrates é formado por três módulos distintos: Bio, N e P. O primeiro é formado por biodigestores, o N é responsável pela remoção de nitrogênio e o P remove o fósforo.
A primeira fase do processo é a de recebimento de resíduos, na qual os dejetos chegam aos reservatórios e passam por um sistema de separação de sólidos grosseiros, por meio de uma peneira com escovas rotativas.
“Os sólidos separados são destinados a um biodigestor de alta taxa e o efluente líquido segue, por gravidade, para os biodigestores de lagoa coberta. Esses dois tipos de biodigestores formam o primeiro módulo, o Bio”, detalha o pesquisador.
Nesse módulo ocorre a geração de biogás para a produção de energia elétrica. De acordo com o analista da Embrapa Ricardo Steinmetz, o mais importante desse módulo é a obtenção do biogás.
“Podemos recuperar o biogás, conduzi-lo a grupos de geradores (motores que geram energia elétrica), condicionar o gás e produzir energia. Assim, nesse módulo temos a remoção de matéria orgânica e a geração de energia”, explica ele.
O efluente dos biodigestores de lagoa coberta possui elevada concentração de nitrogênio porque o processo de digestão anaeróbia não é capaz de remover o nitrogênio amoniacal.
Para essa tarefa, no segundo módulo do Sistrates, N, ocorre a remoção de nitrogênio por meio de processo biológico de nitrificação, seguido de desnitrificação, produzindo gás nitrogênio. Ao fim do processo, o efluente atinge padrões de lançamentos, apresentando concentração de nitrogênio amoniacal inferior a 20 mg/L.
No último módulo do Sistrates é realizada a remoção do fósforo, por meio do processo químico de precipitação. O fósforo é convertido a fosfato de cálcio sólido.
Para a reação de precipitação é usada uma suspensão de hidróxido de cálcio, ou cal hidratada, a 10%. O fósforo recuperado ao fim do processo pode ser usado como fertilizante, de acordo com a analista da Embrapa Fabiane Goldschmidt Antes.
Suíno Pata Verde
Além de grades produtores, tecnologias como essa também podem ajudar a diminuir o custo de produção de forma viável a pequenos, médios suinocultores, com baixo custo de aplicação. É o caso do Programa “Suíno Pata Verde IZ”, desenvolvido pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, por meio do Instituto de Zootecnia (IZ-APTA),
A tecnologia de tratamento de efluentes, chamada JLTEC, cria alternativas de geração de renda, como o biogás que pode ser utilizado como fonte de energia em uma propriedade, e como biocombustível para veículos, e ainda pode ser usado em uma unidade de processamento de produtos cárneos para defumados, seguindo as normas de produção.
“Além disso, é de fácil aplicação e baixo custo, comparado a outras tecnologias similares, já que utiliza 100% do material e equipamentos oriundos de empresas nacionais”, destaca a pesquisadora Simone Raymundo de Oliveira, coordenadora do projeto.
A pesquisadora destacou ainda que o Sistema IZ-JLTEC tem como característica a remoção, tanto da matéria orgânica quanto de minerais.
“Em uma das etapas do tratamento ocorre a coagulação e floculação de minerais como carbono, nitrogênio, fósforo, potássio, cobre, zinco, manganês, manganês, cálcio, ferro e cobalto, que são retirados da água formando um potente biofertilizante (lodo) para uso na produção agrícola.”
Em função deste sistema, a pesquisadora explica que o IZ vem desenvolvendo, paralelamente, pesquisas relacionadas ao aumento da metabolização da dieta de suínos, reduzindo o impacto ambiental dos sistemas de produção e a avaliação do uso de água na produção.
Com uma abordagem científica diferenciada, Simone de Oliveira diz que serão estudadas “as causas da carga poluidora e, consequentemente, o desenvolvimento e disponibilização de tecnologias mais sustentáveis, tornando-se economicamente viáveis, ambientalmente corretas e socialmente justas, aplicáveis em curto prazo, sem alterações drásticas na rotina ou na estrutura das granjas”.