Chips de DNA certificam matrizes para produção intensiva de alevinos em tanque escavado com uso de aeração. O uso desta tecnologia permite produzir até três vezes mais do que os sistemas tradicionais
O tambaqui é uma das espécies nativas mais apreciadas pelos brasileiros, especialmente os da região Norte. Em 2013 a Embrapa desenvolveu o sistema intensivo de criação de tambaqui em tanque escavado com uso de aeração. O uso desta tecnologia permite produzir até 18 t/ha/ano, resultado três vezes superior à média dos sistemas então utilizados, otimizando a mão de obra, reduzindo custos, gerando vantagens ambientais e de sanidade. Além disso, permite abastecer o mercado durante o ano todo.
Apesar da existência desta tecnologia, persistia um dos principais problemas: o desempenho limitado das matrizes em função da consanguineidade, responsável por perdas de 10% e 30% da produção. Com o sequenciamento pela Embrapa do genoma do tambaqui em 2017 foram criados dois chips de DNA para certificar e gerir matrizes do peixe, as quais são utilizadas para a produção de alevinos, a ferramenta TambaPlus.
O teste garante o não-parentesco e a pureza dos reprodutores, consequentemente a produção de alevinos de qualidade, fator importante para o desenvolvimento da produção em cativeiro do tambaqui no país. A Embrapa já realizou serviços de análise para criatórios de Mato Grosso, Roraima, Tocantins, Amazonas e Rondônia, levando alguns produtores a entregar uma média de 10 milhões de alevinos de tambaqui por ano para Rondônia, Acre, Mato Grosso e, até mesmo, para a Bolívia.
O TambaPlus
O teste TambaPlus reúne ferramentas genômicas desenvolvidas para a análise e certificação de parentesco e pureza da espécie, requisitos fundamentais para aumentar a produtividade do tambaqui (Colossoma macropomum), o peixe nativo mais produzido no Brasil.
As ferramentas são fruto das informações obtidas com o sequenciamento do genoma do tambaqui realizado pela Embrapa em 2017, onde foram identificados milhões de marcadores genômicos denominados SNPs (do inglês “Single Nucleotide Polymorphism”). A equipe de pesquisa utilizou essas informações para criar dois chips de DNA para fazer testes diagnósticos de grau de parentesco e pureza específica.
Os marcadores SNP têm grande aplicação na caracterização de recursos genéticos e geração de tecnologias aplicadas para o melhoramento animal que, de modo genérico, envolve as etapas de coleta de dados produtivos, avaliação genética, identificação e seleção de indivíduos superiores e acasalamento, e depende de bons processos para identificar e marcar cada animal do plantel.
O controle genealógico (de pedigree) dos animais utilizados para a produção pecuária é fundamental para evitar o acasalamento entre parentes próximos (como irmãos, por exemplo), de forma a reduzir as perdas produtivas decorrentes da propagação de doenças genéticas que impedem o desenvolvimento dos embriões e causam malformações, além de atrapalhar o crescimento dos animais que sobrevivem. As perdas em decorrência de fenômenos como a depressão endogâmica chegam a percentuais entre 10% e 30% da produção.
O teste TambaPlus pode evitar essas perdas e melhorar a eficiência produtiva e a lucratividade do setor: pois disponibiliza ferramentas que vão analisar a pureza e também a identificação do grau de parentesco das matrizes, o que proporciona avanços importantes para o manejo genético dos plantéis de reprodutores, conforme o pesquisador Alexandre Caetano, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.
“A ferramenta desenvolvida para a certificação de pureza específica do tambaqui é capaz de identificar as introgressões, isto é, contaminações de até 3% de pacu ou carabina, espécies nativas com características ou aparências semelhantes, utilizadas frequentemente na produção de híbridos destinados à engorda e consumo”, comenta o pesquisador.
Essas contaminações ocorrem em cruzamentos não intencionais com híbridos, levando à perda da variabilidade genética nos estoques de espécies puras, com consequências produtivas ainda desconhecidas. A ferramenta auxiliará os produtores a manterem linhagens de reprodutores puros e a consolidar a Coleção de Base de Germoplasma de tambaqui na Embrapa.
Produtor de Rondônia investe no TambaPlus
O produtor Jenner Bezerra de Menezes, responsável por uma produção média de 10 milhões de alevinos/ano em duas bases de criação localizadas em Rondônia, é um dos pioneiros no uso da ferramenta. Ele, que comercializa alevinos para o Estado onde tem os criatórios, para o Acre, Mato Grosso e também exporta para a Bolívia, está otimista com as possibilidades que a TambaPlus proporciona.
“Com o uso da ferramenta nós podemos rastrear os cruzamentos, tendo a certeza de que não estaremos fazendo cruzamentos endogâmicos, ou seja, teremos uma prole pura. O nosso produto é rastreado e com responsabilidade genética. Essa ferramenta nos permite isso. Segundo ele a expectativa é de ter animais que crescem mais, justamente porque não terão os problemas da consanguinidade.
“Esperamos melhorar o plantel reprodutor e fazer intercâmbio com produtores que usam a ferramenta e assim melhorar a genética do tambaqui no Brasil”, comenta Menezes.
Mais de 1,5 mil testes realizados
A Embrapa já realizou serviços de análises para seis produtores – além daqueles testes fomentados por meio do projeto BRSAqua, que somaram mais dez criatórios de Mato Grosso, Roraima, Tocantins e Amazônia do Amazonas e quatro para Rondônia, em um tempo médio entre o recebimento de amostras e a entrega dos resultados de sete dias –. “Ao todo analisamos mais de 1,5 mil amostras”, conta Alexandre Caetano.
O serviço de análise de amostras para pureza-específica e para parentesco é ofertado pela Embrapa por R$ 60,00 cada uma delas. Considerando a análise de parentesco e a pureza-específica de 100 matrizes, por exemplo, que sairia por R$ 12 mil, o produtor teria o investimento amortizado em um período de três anos, tempo de utilização de uma matriz. Além disso, os pesquisadores calculam uma receita adicional de R$ 112,5 mil com matrizes de qualidade para o produtor de alevinos.
Simulações realizadas pela equipe sugerem que, considerando uma produção anual média de 150 mil toneladas, e que a ocorrência de acasalamentos entre animais aparentados pode ser entre 10% e 30% do total, a adoção plena das tecnologias desenvolvidas em todo o setor produtivo do Brasil podem trazer ganhos adicionais entre R$ 9 milhões e R$ 28 milhões aos produtores.
A importância do controle genealógico
Por não identificar as razões da falta do ganho de peso esperado durante a fase de engorda, dos alevinos gerados a partir do acasalamento de animais aparentados, muitas vezes os produtores recorrem a suplementações nutricionais e alimentares. Isso acaba aumentando os custos de produção, mas não resolve o problema, que acaba ocorrendo em novos ciclos. No entanto, a correta identificação dos reprodutores e uso das informações de parentesco para orientar os acasalamentos das matrizes é fundamental para o sucesso da produção do tambaqui.
“Muitas vezes o produtor nem está ciente do prejuízo que sofre com a falta de desempenho produtivo dos alevinos gerados com cruzamentos de matrizes aparentadas. Essa tecnologia inovadora ajudará o piscicultor a escolher as matrizes de forma precisa e rápida, a um custo acessível”, explica o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária (Campinas/SP) Michel Yamagishi. “Com isso, os piscicultores terão condições de manter e até expandir sua produção, com uma redução significativa nas despesas”, complementa.
Expansão dos peixes nativos
O Brasil produz cerca de 290 mil toneladas de peixes nativos, liderados pelo tambaqui (Colossoma macropomum), pirapitinga/caranha (Piaractus brachypomus), pacu (Piaractus mesopotamicus) e híbridos, especialmente tambatinga, conforme o Anuário da Piscicultura 2019.
As espécies nativas representam 39,84% da produção nacional e estão disseminadas, principalmente, nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste. Os estados de Rondônia, Mato Grosso, Maranhão, Pará e Roraima respondem por quase 70% dos peixes nativos produzidos no País.
As tecnologias genômicas baseadas em SNPs vêm sendo empregadas em pesquisas para melhoramento genético de animais de interesse zootécnico desde o final da década de 2000. Com o avanço nas técnicas de bioinformática, especialmente devido à revolução da tecnologia da informação que propiciou o desenvolvimento de computadores de alto desempenho e os serviços de armazenamento de dados em nuvem, surgiram metodologias para a identificação e a genotipagem dos marcadores em larga escala.