Tecnologia barata, durável e acessível a pescadores, isca artificial de fitilhos prateados aumentou a produção pesqueira na bacia do Araguaia, no Tocantins
Uma opção de isca artificial que usa fitilhos prateados (tiras de matéria plástica muito resistentes), material barato e facilmente encontrado no comércio, mostrou ganho de até 55% na pesca artesanal quando comparada a outras situações de pesca.
O resultado faz parte de um dos experimentos do projeto PescAraguaia, da Embrapa Pesca e Aquicultura do Tocantis, conduzido em Caseara, município que fica na margem tocantinense do Rio Araguaia. Ao todo, o projeto envolveu 15 comunidades pesqueiras (entre colônias de pescadores e aldeias indígenas) de municípios da bacia do Araguaia no Estado.
O experimento abrangeu cinco expedições pesqueiras em oito locais de pesca do rio. No total, foram 53 lances de redes de emalhe, também chamadas malhadeiras e que são a principal modalidade usada pelos pescadores artesanais da bacia Araguaia-Tocantins. As redes foram divididas em três partes iguais, duas com iscas artificiais e uma sem isca, considerada o controle ou referência no experimento. Além dos fitilhos prateados, foram usados lightsticks ou bastões de luz. Ambos facilmente encontrados no mercado.
O coordenador do projeto PescAraguaia, Adriano Prysthon, comemora o resultado do projeto. “Tivemos sucesso em aumentar a produtividade com baixo investimento e fácil acesso aos pescadores”. Ele destaca ainda que essa tecnologia, gerada em parceria com a Universidade Estadual de Santa Catarina (Udesc), pode ser estendida para qualquer ecossistema aquático onde haja pesca artesanal, seja em ambiente continental ou marinho.
Mais baratos e duráveis
Somados os 53 lances realizados no experimento, os fitilhos prateados capturaram 76,5 kg de pescado, que corresponderam a 41% do total. Já os lightsticks capturaram 62,9 kg (33% do total) e o controle capturou 49,2 kg, equivalentes a 26% do total de pescado. Em termos percentuais, os fitilhos prateados proporcionaram uma produção 55% maior do que a conseguida pela rede malhadeira-controle, enquanto os lightsticks foram 28% mais produtivos do que a rede-controle.
Além do aumento da produtividade, vantagens técnicas e econômicas das duas iscas artificiais foram avaliadas.
“O tempo de montagem do fitilho foi de duas horas, ao passo que o lightstick foi de 30 minutos. No entanto, a durabilidade dos materiais é bem diferente. O fitilho, uma vez preso às redes, é capaz de suportar aproximadamente 20 lances, enquanto o lightstick suporta no máximo dois, pois o tempo de iluminação é limitado (cerca de dez horas), sendo necessário trocar o dispositivo em seguida”, relata publicação sobre o experimento.
Em termos financeiros, foram comparados os rendimentos conseguidos em cada situação. O custo do fitilho ficou em apenas R$ 3,00 e o do lightstick, em R$ 520,00. Além da quantidade necessária de cada material, tamanha disparidade é explicada pela durabilidade das iscas. A receita obtida considerou os valores pagos pelas diferentes espécies capturadas.
Assim, a quantidade de peixes capturados na rede-controle gerou uma receita de R$ 309,82, enquanto a do lightstick foi de R$ 399,20 e a do fitilho, de R$ 411,83. Fazendo a conta receita menos despesa, chega-se ao que pode ser considerado o lucro bruto em cada situação: R$ 408,83 no caso do fitilho prateado; R$ 309,00 na rede-controle; e, no caso do lightstick, o que aconteceu foi um prejuízo de R$ 120,80.
Ciência e conhecimento tradicional
O experimento, assim como o projeto da Embrapa com pesca artesanal no lado tocantinense do Rio Araguaia, teve forte caráter participativo. Os pescadores da região tiveram atuação efetiva nas expedições com a equipe técnica do projeto, inclusive indicando melhores locais na bacia do Araguaia para que as redes fossem lançadas. Um dos pescadores que fez parte do experimento foi Célio de Souza Coelho.
“Foi bom, o pessoal da Embrapa nos ensinou muito. Aprendemos a usar os fitilhos na rede. Observamos que o fitilho funcionou melhor para a corvina, a piranha e o tucunaré. A corvina também persegue a luz do lightstick e foi a que mais caiu nessa isca. Ela gosta de luz”, relata. Para ele, a pesquisa “ajudou muito. Agora, é dar seguimento para melhorar”.
Prysthon elogia a participação dos pescadores no experimento e diz que foi uma experiência bastante rica. “Uma vivência incrível de conhecimento tradicional e uma aula de pesca a cada dia. Sem dúvida, aprendi muito mais do que ensinei. Fui testemunha da geração de um novo conhecimento, fruto de experiências tradicionais e conhecimento científico. E essa troca foi fundamental para o bom andamento dos trabalhos de campo”, diz.
A equipe do projeto e os pescadores estavam sempre juntos durante o experimento, usando as mesmas embarcações e redes de pesca, visitando os locais preferidos pelos pescadores em sua atividade, além de dormirem no mesmo acampamento e se alimentarem da mesma comida.
Foco na sustentabilidade
A publicação recomenda que sejam feitos outros estudos para medir devidamente eventuais impactos da adoção das iscas artificiais. Por exemplo, é necessário avaliar se o aumento proporcionado pelo fitilho prateado será absorvido pela cadeia produtiva da pesca artesanal.
Outra questão é que ambas as iscas não são biodegradáveis; se houver uma maciça adoção delas, a tendência é de aumento da poluição das águas. Esse é, portanto, mais um caminho a ser percorrido para aprimorar a pesca artesanal no País.
De maneira mais geral, para que efetivamente o setor tenha um desenvolvimento sustentável, “maior atenção deve ser dada à pesca artesanal por parte dos gestores e governantes. Saber quanto produzem, o que pescam, quem pesca e como pescam é fundamental para planejar políticas públicas que contemplem os seus interesses e melhorem a qualidade de vida das populações ribeirinhas e a conservação dos ecossistemas utilizados por elas”. Esse maior cuidado é outra recomendação feita pela publicação que está sendo lançada pela Embrapa.
Apenas a pesquisa, em si, não consegue tornar a atividade mais sustentável sob os três aspectos tradicionais: ambiental, econômico e social. Adriano Prysthon entende que é preciso uma ação conjunta e que envolva várias instituições.
“A principal ação deve ser de transferência de tecnologia para difundir a experiência em outras regiões. Além de um programa contínuo e confiável de monitoramento de desembarques feito preferencialmente pelo poder público (municipal, estadual, federal etc.) para avaliar os impactos dessa tecnologia. A ação deve ser conjunta e sistemática”, explica.