Cientistas brasileiros desenvolvem técnica de melhoramento genético, que aumenta a prole da ovinocultura. Foto: Saulo Coelho/Divulgação
Mercado em ascensão, manejo adequado, melhoramento genético, dentre outros fatores, têm favorecido o crescimento da ovinocultura no País, apesar de o consumo da carne ovina ainda ser considerado tímido: entre 700 gramas e um quilo per capita ao ano. Para abastecer o mercado interno, o Brasil precisa importar o produto, principalmente do Uruguai.
A produção anual de lã gira em torno de 11 milhões de toneladas, com destaque para a cadeia produtiva gaúcha, formada por 35 mil estabelecimentos agropecuários. A ovinocultura leiteira também apresenta potencial para a produção de queijos finos, bastante valorizados no cenário nacional e internacional.
De olho nesse nicho do agronegócio – cuja maior concentração está em regiões da Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte –, cientistas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) – Unidade Tabuleiros Costeiros (SE) desenvolveram uma técnica de melhoramento genético que aumenta a prole de ovinos.
Taxa de ovulação
Durante as pesquisas, foi identificado que certas ovelhas têm uma alteração natural no gene GDF9 (Growth Differentiation Factor9), que eleva a taxa de ovulação e, consequentemente, permite a geração de mais cordeiros. A proposta, a partir daí, foi reproduzir animais que tinham essa alteração, para que um maior número de ovelhas do rebanho tivesse a capacidade de produzir um maior número de filhotes.
O objetivo desse trabalho é reproduzir ovinos mais prolíficos da raça Santa Inês para que suas matrizes, reprodutores, sêmen e embriões possam estar disponíveis para os produtores rurais. Isso porque, conforme a Embrapa Tabuleiros Costeiros, a maioria das ovelhas tem apenas um filhote por gestação, levando em conta que elas são, em sua maioria, mono-ovulatórias, ou seja, só liberam um óvulo por ciclo.
O início
“Essas pesquisas começaram há mais de 15 anos, na Embrapa, com raças lanadas. A partir de 2005, foram feitas com raças deslanadas”, conta o pesquisador Samuel Rezende Paiva, formado em Ciências Biológicas, mestre e doutor em Genética e Melhoramento. Hoje, ele trabalha no programa “Embrapa Labex Estados Unidos”, mas na época atuava na unidade de Recursos Genéticos e Biotecnologia da estatal, como coordenador desse mesmo projeto.
Antes de explicar a nova técnica de melhoramento genético de ovinos, Paiva salienta que “a principal razão para o sucesso dessa pesquisa (da ovinocultura) e de seus desdobramentos atuais foi a integração entre as equipes de várias unidades da Embrapa: Tabuleiros Costeiros, Caprinos e Ovinos e Pecuária Sul, bem como instituições de ensino e de pesquisa, como a Universidade de Brasília (UnB) e a Empresa Estadual de Pesquisa Agropecuária da Paraíba (Emepa)”, destaca o especialista.
Alterações genéticas
As alterações genéticas naturais em genes que controlam a taxa de ovulação e prolificidade podem ser encontradas em ovinos de várias raças. No caso da Santa Inês, os pesquisadores da Embrapa encontraram o FecGE (FecG-Embrapa – Fecundity Gene) do gene GDF9. A partir daí, os cientistas descobriram que as ovelhas com essa variante têm uma taxa de ovulação 82% maior que as outras, que não possuem essa alteração.
“O uso dessa nova tecnologia aumenta a chance de ocorrer gestações de gêmeos, também conhecidas como gemelares ou múltiplas”, informa o especialista.
De acordo com ele, é possível detectar o alelo FecGE por meio de exame laboratorial, desenvolvido e patenteado pela Embrapa, e que está disponível para laboratórios de genética no país.
“Trata-se de uma metodologia de genotipagem, baseada em técnicas de biologia molecular, que permite identificar de forma rápida e eficiente essa mutação em qualquer rebanho”, explica o pesquisador Eduardo de Oliveira Melo, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (DF). Formado em Ciências Biológicas, mestre e doutor em Biologia Molecular, ele liderou o desenvolvimento do protocolo para os exames laboratoriais com ovinos.
Cruzamentos do rebanho
A pesquisa que envolve a multiplicação e a disponibilização de material genético de ovinos prolíficos pode agregar valor à ovinocultura no Brasil que, atualmente, possui baixos níveis de produtividade, defende a Embrapa.
O produtor rural também pode, com base nos resultados laboratoriais e na constatação da capacidade de gerar mais cordeiros de ovelhas, direcionar os cruzamentos de seu rebanho, com o intuito de obter crias portadoras da variante FecGE, que serão utilizadas como reprodutores e matrizes.
A cada geração de ovinos, a partir da utilização intensiva dos animais FecGE em acasalamentos, pode ocorrer uma elevação gradativa da prolificidade média e, consequentemente, da produção de crias na ovinocultura. Dessa forma, o criador poderá planejar os cruzamentos em seu rebanho, conforme suas estratégias e necessidades.
De acordo com o pesquisador Samuel Rezende Paiva, essa variante sozinha não é capaz de propiciar o aumento no número de crias, levando em consideração que o desempenho do rebanho é reflexo da combinação entre o potencial genético e as condições do ambiente onde vivem.
O uso da genética FecGE, portanto, requer melhorias em relação ao manejo geral, especialmente o nutricional que, por sua vez, pode gerar elevação de custos. “O benefício do aumento da produção, no entanto, deve compensar o aumento dessas despesas, devendo cada produtor decidir se é vantajosa ou não a adoção da tecnologia”, orienta Paiva.
Condições naturais
Em condições naturais de criação, levando em conta um nível tecnológico de produção médio, a equipe da Embrapa Tabuleiros Costeiros registrou, experimentalmente, que os cordeiros portadores da mutação FecGE apresentam peso ao nascimento e à desmama normais e que ovelhas FecGE produzem maior número e maior quantidade total de quilos de cordeiros ao nascimento (19%) e à desmama (49%).
“Esse desempenho pode melhorar muito mais com a adoção, na propriedade rural, de melhorias no manejo que tenham como objetivo suprir as necessidades naturais das ovelhas e cordeiros de gestações múltiplas, a fim de diminuir as perdas na taxa de sobrevivência das crias, que tendem a serem maiores em rebanhos prolíficos”, informa o médico veterinário Hymerson Costa Azevedo, pesquisador da Embrapa Tabuleiros Costeiros.
Coleta e análise
Por mais de seis anos, Azevedo – que também é mestre em Ciência Veterinária e doutor em Reprodução Animal/Medicina Veterinária – e sua equipe executaram trabalhos de coleta e análise de amostras de sangue de inúmeros animais de várias gerações do Núcleo de Conservação de Ovinos Santa Inês, do Campo Experimental Pedro Arle, localizado no município de Frei Paulo, no agreste central de Sergipe.
Foi a partir desses experimentos que eles identificaram, selecionaram e multiplicaram animais portadores da variante FecGE de diferentes famílias, mantendo uma diversidade genética dentro do mesmo rebanho.
Valor agregado
Os cientistas envolvidos nessa pesquisa defendem que, com a multiplicação de ovinos prolíficos, pode ser agregado mais valor à ovinocultura no Brasil que, atualmente, apresenta baixos níveis de produtividade. Ainda conforme a Embrapa Tabuleiros Costeiros, “o pacote tecnológico será valioso para que a produção nacional consiga aumentar sua produção, visando ao atendimento do mercado interno”.
Historicamente, o Brasil é importador de carne ovina e o consumo por habitante ainda é baixo em relação a outros países, o que demonstra seu potencial de crescimento. Estudos apontam que a atividade, em território nacional, ainda tem muito a crescer, à medida que o mercado ascender e incorporar a carne de cordeiro em sua dieta rotineira, assim como ocorreu com o frango.
Agricultores familiares
É exatamente por causa desse cenário da ovinocultura brasileira que a nova tecnologia de melhoramento genético da raça Santa Inês pode beneficiar, significativamente, os sistemas produtivos e, consequentemente, a renda de agricultores familiares, principalmente do Nordeste, principal produtor de ovinos, além de outras regiões brasileiras.
“Apesar de essa variante ter sido inicialmente identificada e validada na raça Santa Inês, já temos resultados experimentais de sua presença em praticamente todas as raças localmente adaptadas de ovinos deslanados do Brasil, em especial a raça Morada Nova”, informa o pesquisador Samuel Rezende Paiva.
Considerando que um dos principais gargalos da criação de ovinos, no Brasil, é o baixo índice de produtividade, em consequência do fraco desempenho reprodutivo e produtivo dos rebanhos, a tecnologia desenvolvida pela Embrapa pode resultar em impactos significativos para esse segmento do agronegócio nacional.
Disponibilidade no mercado
Segundo a Embrapa Tabuleiros Costeiros, a nova genética de ovinos da raça Santa Inês, contendo a variante FecGE, estará disponível no sistema de produção nos próximos anos.
“A ideia é continuar selecionando, mantendo, multiplicando, caracterizando e validando o uso desses animais mais prolíficos e ao mesmo tempo analisando o impacto da sua utilização na produtividade e eficiência econômica dos sistemas de produção”, comenta o pesquisador Hymerson Costa Azevedo.
“Em pouco tempo, matrizes, reprodutores, sêmen e embriões de ovinos Santa Inês, mais prolíficos, poderão estar disponíveis para os produtores rurais”, acredita ele.