Nova avaliação genômica proporciona maior lucratividade aos criadores já que gastos com alimentação representam de 70% a 90% dos custos totais de produção no período de terminação dos animais
Criadores da raça Angus poderão selecionar, a partir deste ano, reprodutores com capacidade de transmitir características relacionadas à eficiência alimentar aos seus descendentes. A informação é de Fernando Cardoso, pesquisador e chefe-geral da Embrapa Pecuária Sul, ressaltando que a tecnologia possibilitará, na prática, que o pecuarista comece a introduzir nos seus rebanhos animais mais eficientes na conversão dos alimentos que consomem em carne.
A tecnologia foi desenvolvida pela Embrapa, em parceria com a Associação Brasileira de Angus, Associação Nacional de Criadores Herd-Book Collaers (ANC) e BioData Ciências de Dados, uma uma nova avaliação genômica que prediz a capacidade de transmissão dessas características pelos progenitores.
Avaliação genômica
Cardoso explica que avaliação genômica “é baseada em três novas predições DEPGs (diferença esperada na progênie aprimorada pela genômica) que estão inter-relacionadas: Consumo de Matéria Seca (CMS), Consumo Alimentar Residual (CAR) e Ganho Médio Diário Residual (GMDR)”.
Segundo o especialista, CMS é o consumo médio diário de alimento do animal com base na matéria seca, descontando a água que tem nos componentes da dieta. Já o CAR consiste na diferença entre o consumo de alimento observado e o esperado em função do peso metabólico do animal e do ganho médio diário. Finalmente, o GMDR exprime a diferença entre o Ganho Médio Diário (GMD), observado para cada animal durante a prova e o estimado, com base no consumo de matéria seca e peso metabólico.
Animais mais eficientes
Ele salienta ainda que as características se relacionam e, em síntese, busca-se selecionar animais que sejam mais eficientes no uso dos alimentos fornecidos na dieta. “Por meio do Consumo Alimentar Residual são identificados animais com ganho de peso igual à média do grupo em teste, mas com menor consumo diário de alimento. São aqueles que tenham, portanto, CAR negativo, e a capacidade de manter níveis adequados de produção usando menos recursos”, esclarece.
Por outro lado, ainda de acordo com o pesquisador da Embrapa, o Ganho Médio Diário Residual positivo seleciona animais que ganham mais peso do que a média do grupo, comendo a mesma quantidade, ou seja, têm maior produção sem aumentar a necessidade de recursos alimentares. “As características possuem herdabilidade de média a alta”, afirma.
Melhor lucratividade
Cardoso revela também que “a partir da avaliação de reprodutores mais eficientes na conversão alimentar, realizada durante as provas de eficiência alimentar, temos agora a oportunidade de selecionar animais que consumam menos para alcançar melhores índices produtivos”, destaca.
O chefe-geral da Embrapa Pecuária Sul acentua que a tecnologia é de grande relevância para o setor produtivo, pois garante eficiência e melhor lucratividade aos pecuaristas. “Os gastos com alimentação são, em gera, de 70% a 90% dos custos totais no período de terminação dos animais. Então, a melhor conversão alimentar é fundamental nos sistemas de produção”, ressalta.
Marco no Melhoramento Genético
Na opinião Mateus Pivato, gerente de fomento da Associação Brasileira de Angus, as novas DEPGs para as características de eficiência alimentar são mais um marco no melhoramento genético da raça Angus no Brasil e foram construídas com o apoio e participação de muitos selecionadores que acreditam na evolução da raça. “É essencial conseguirmos selecionar reprodutores mais eficientes entre o consumo e ganho de peso”, avalia.
Prova de Eficiência Alimentar
Cardoso revela ainda que a Prova de Eficiência Alimentar (PEA), conduzida pela Embrapa Pecuária Sul, tem o propósito de identificar os animais que melhor convertam o alimento consumido em desempenho produtivo. “O objetivo é comparar e identificar, dentro de um mesmo sistema de produção, reprodutores com menor consumo e crescimento mais acelerado. Para isso, são usadas duas medidas principais de aferição de eficiência alimentar: o Consumo Alimentar Residual e o Ganho de Peso Residual. Os indivíduos mais eficientes são aqueles com CAR negativo e GPR positivo”, explica o pesquisador.
“Para o cálculo do índice de classificação final (ICF) da prova leva-se em consideração 50% para cada característica. De acordo com valores de ICF de cada raça, os reprodutores são divididos e classificados em três grupos: Elite (animais com ICF maior que a média + 1 desvio padrão); Superior (animais com ICF entre a média e 1 desvio padrão); e Comercial (animais com ICF menor que a média)”, completa Cardoso.
Dados dos participantes
Ele conta que os dados de consumo de cada animal participante da PEA são coletados por meio de cochos eletrônicos. “Esses equipamentos possuem comedouros que ficam apoiados sobre células de carga e, em conjunto com sensores e coletores inteligentes, possibilitam o registro eletrônico do alimento consumido por indivíduo”, diz.
“Os participantes da prova recebem um brinco eletrônico para a leitura no comedouro em todas as vezes que se alimentam, gerando os dados de consumo pela diferença entre a quantidade de alimento abastecida no cocho e o que foi consumido nas visitas pelos animais”, esclarece.
O especialista afirma que essas informações sobre consumo são correlacionadas com as pesagens realizadas durante a prova. “Para participar, os reprodutores devem pertencer ao mesmo sexo e à mesma raça e idade, com variação máxima de 90 dias e ter menos de 24 meses ao encerrar a prova”.
A PEA, de acordo com Cardoso, tem duração de 90 dias, sendo 20 dias para adaptação à nova dieta e grupo de manejo, mais 70 dias de avaliação. As pesagens são realizadas ao início da prova e a cada 14 dias até o seu encerramento.
Fruto de pesquisa e trabalho
Mariana Tellechea, presidente da Associação Brasileira de Angus, pondera que a PEA Angus só foi possível graças à participação e comprometimento dos selecionadores que enviaram seus animais para a prova. “Os projetos que desenvolvemos são fruto de anos de pesquisa, desenvolvimento e trabalho”.
Ela sublinha que “foram avaliados mais de 500 animais ao longo de diversos anos de prova, e podermos contar com o apoio dos nossos criadores e, principalmente, com a confiança deles, ao disponibilizarem seus animais para esse estudo, é muito gratificante”, finaliza.
Seleção genômica
O diretor técnico da BioData Ciência de Dados Gabriel Campos salienta que a seleção genômica tem seu fundamento no uso de marcadores genéticos moleculares do tipo SNP (polimorfismo de um único nucleotídeo). “Assim, por meio da marcação de uma determinada característica presente no DNA do animal, a seleção genômica permite a identificação de indivíduos geneticamente superiores, principalmente no caso de características de difícil coleta de dados, acelerando o processo de seleção de atributos de interesse”.
Ele explica que a seleção genômica é uma tecnologia comprovada e amplamente utilizada na maioria dos programas de melhoramento genético no Brasil.
“Junto à medição dessas características, é de suma importância coletar material biológico dos animais que participarem da prova e enviá-lo para genotipagem”, orienta.
Campos revela que, “após o programa receber essas informações dos marcadores SNPs, elas serão incorporadas na avaliação genética, contribuindo para o aumento da população de referência (animais com fenótipo e genótipo) dessas características e, consequentemente, acelerando o ganho genético”, diz.
“Além disso, é possível selecionar animais jovens e mais eficientes de forma mais acurada com o auxílio da genômica”, destaca.
Etapas de implementação
Segundo o diretor técnico da BioData Ciência de Dados, para a implementação da seleção genômica, são necessárias três etapas:
A primeira é a “população de descoberta”, ou seja, genotipagem de uma ampla população de referência, “que dará suporte para a obtenção de dados fenotípicos e genotípicos da característica avaliada, além de sua localização e consolidação para uso dos SNPs”, salienta o especialista.
Já na etapa posterior, a “população de validação”, é feita a “validação dos efeitos estimados em um grupo de animais que não pertence à população referência”, diz Campos.
E, finalmente, a “população de seleção”, é a “predição dos valores genéticos de indivíduos candidatos à seleção, baseados nos genótipos dos marcadores, que foram validados como SNPs para a característica selecionada”, revela o especialista.