Em 51 fazendas avaliadas por estudo, entre janeiro e outubro de 2018, casos de mortalidade cresceram 16% em filhotes bovinos com falha de transferência de imunidade passiva
Garantir a saúde de bezerros – principalmente de bezerras recém-nascidas que, no futuro, serão mães e provedoras de leite – é um grande desafio para o pecuarista que deseja obter um bom desempenho durante a fase de aleitamento e, posteriormente, na produção de sua fazenda.
Um dos fatores que influencia é o fornecimento de colostro de qualidade, logo nas primeiras horas de vida do filhote, em quantidade suficiente e tempo adequado para que ocorra a transferência da imunidade passiva.
Estudo divulgado em novembro de 2018 – desenvolvido pelo programa Alta CRIA, da empresa Alta Genetics – apontou que bezerras com Falha de Transferência de Imunidade Passiva (FTIP) tiveram 16% de mortalidade e maiores frequências de diarreia e pneumonia.
Para chegar à análise final, foram avaliadas 51 propriedades rurais em todo o País, totalizando mais de 12 mil informações coletadas de janeiro a outubro do ano passado.
Qualidade, tempo e quantidade
Coordenador do programa Alta CRIA, o zootecnista Rafael Azevedo destaca o principal índice observado: a importante relação entre qualidade, tempo e quantidade de colostro oferecido com a incidência de doenças e mortalidade das bezerras.
“Do total de propriedades, 30% alegaram não fazer avaliação da transferência de imunidade passiva do colostro, o que nos mostra uma janela ainda mais preocupante, já que não temos nenhum parâmetro de avaliação desses animais”, informa Azevedo.
Ele ressalta que, “por outro lado, dos 70% que avaliam por diversos métodos, 11% do colostro fresco fornecido às bezerras estavam com qualidade média ou ruim”.
A análise de transferência de imunidade passiva também apontou que, nos casos de colostro de baixa qualidade, o percentual de doenças aumentou. Abaixo de 5,5 gramas por decilitro (g/dL), a diarreia e a mortalidade atingiram 48%; ao passo que na proteína sérica (proteína total do soro de leite), igual ou maior do que 5,5 g/dL, a taxa de ambos caiu para 31%.
Diarreia e pneumonia
O estudo ainda indicou que as principais doenças causadas pela colostragem inadequada, durante o período de aleitamento, foram a diarreia e a pneumonia, sendo que as maiores frequências ocorrem entre a segunda e a quinta semana de vida do animal.
O programa Alta CRIA também atribui, ao desaleitamento, o surgimento de doenças relacionadas ao peso do animal. No caso do gado holandês, quando não há registro de diarreia, a média é de 832 g/dL, mas esse valor pode cair para 656 g/dL – uma perda de 176 g/dL –, se houver um ou mais casos no rebanho.
O mesmo ocorre com a pneumonia, quando há queda no ganho de peso diário, que pode chegar a 107 g/dL, com um ou mais casos.
“Tudo está relacionado. O colostro de baixa qualidade pode ocasionar mais doenças nas primeiras semanas de vida. Ao mesmo tempo, essas doenças reduzem o ganho de peso diário das bezerras, que vão impactar diretamente na produção e na expressão genética desses animais”, explica Azevedo.
Respeito aos pilares
Segundo o coordenador do programa Alta Genetics, o fornecimento de colostro de qualidade aos recém-nascidos é a principal forma de passagem de imunidade passiva. “Ao nascerem, os bovinos não possuem o sistema imune maturo e são incapazes de produzir anticorpos para os desafios do ambiente externo.”
“Sabemos que respeitar os três pilares da colostragem – tempo para o fornecimento (imediatamente após o nascimento ou em até seis horas após o parto); qualidade do colostro (maior que 50 g/L de anticorpos); e a quantidade ingerida (fornecimento de, no mínimo, cem gramas de anticorpos ou a quantidade de colostro referente a 10% do peso corporal ao nascimento) – não é fácil”, afirma o zootecnista.
Alta CRIA
O projeto Alta CRIA da Alta Genetics coleta e gerencia os principais dados zootécnicos na fase de cria na pecuária de leite. Com o levantamento – fruto de questionários aplicados aos produtores e pelo envio de dados –, é possível definir estratégias, realizar benchmarking, comparar resultados, além de ser um banco de dados valioso para o desenvolvimento de pesquisas no setor.
Líder no mercado de melhoramento genético bovino no mundo, com matriz localizada em Calgary, Canadá, a empresa atua em mais de 60 países com nove centrais de coleta: Brasil, Estados Unidos, Canadá, Argentina, Holanda e China.
Substituição por pó bovino
Na hora de promover a colostragem bovina, o produtor já pode contar com um recurso a mais: o pó bovino. “Hoje, os produtores já possuem ferramentas que auxiliam nesse processo, como o colostro em pó bovino 100% natural, que pode substituir ou enriquecer o colostro bovino”, destaca Azevedo.
Conforme o especialista, as fazendas que têm utilizado as técnicas de aplicação do pó bovino apresentaram excelentes resultados a campo, reduzindo os índices de doenças e melhorando o ganho de peso diário dos filhotes.
“Precisamos avançar nesse cenário e garantir bezerros e bezerras cada vez mais saudáveis no futuro. Por isso, o colostro em pó bovino pode ser um grande aliado nesse processo”, reforça o zootecnista.
Para mais informações, acesse www.altagenetics.com.br.
‘Comece a rezar!’
Professora do Departamento de Zootecnia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, vinculada à Universidade de São Paulo (Esalq/USP), a zootecnista Carla Maris Machado Bittar relata ser “muito comum o questionamento dos produtores sobre o que fazer caso a bezerra não tenha uma adequada transferência de imunidade passiva”.
“Costumo iniciar a resposta com uma brincadeira: ‘Comece a rezar!’”, diz a especialista ao se referir aos erros cometidos por produtores, que não se atentam à colostragem.
Segundo ela, “infelizmente, uma vez que o período de máxima eficiência de absorção de imunoglobulinas ocorre nas primeiras seis horas de vida e que, por volta de 20 horas, ela não ocorre mais, não há muito que fazer para mudar essa situação”.
Carla pondera ao dizer que, “muito embora as taxas de mortalidade de bezerros com FTIP (Falha de Transferência de Imunidade Passiva) sejam bastante altas, alguns filhotes sobrevivem e podem até apresentar desempenho adequado”.
É o que mostra o estudo que desenvolveu, ao lado da então mestranda em Ciência Animal e Pastagens Ana Paula da Silva, também da Esalq/USP. O trabalho indica que fornecer maiores quantidades de nutrientes – nesse caso, por meio de maior fornecimento de sucedâneo –, além de alojar os animais em condições adequadas de higiene, reduz o impacto da FTIP no desempenho dos animais avaliados por elas.
Também é importante ressaltar que, os sucedâneos do leite – desenvolvidos por volta dos anos 50 – são caracterizados como produtos secos e solúveis em água, podendo substituir o leite natural da mãe bovina; e geralmente formados por mais de 50% de leite desnatado em pó.
Gargalos persistem
“A adequada transferência de imunidade passiva ainda é, hoje em dia, um dos maiores gargalos nos sistemas de criação. Os treinamentos de tratadores e técnicos consultores têm focado no manejo para a colostragem considerando o tripé: tempo para fornecimento, qualidade do colostro e volume fornecido. Ainda assim, as falhas são comuns e os animais têm maior ocorrência de doenças e menor desempenho”, lamenta Carla.
A professora da Esalq/USP reforça que o foco do produtor deve estar nas primeiras horas de vida do animal: “Mas havendo falhas, é importante investir mais na nutrição e no manejo sanitário dos animais, sempre lembrando que prevenir é melhor que remediar”.
Confira informações referentes ao estudo de Carla Bittar e Ana Paula da Silva no artigo “Falha na transferência de imunidade passiva? Alimente bem e mantenha a higiene”, disponível desde 28 de maio de 2018, no site da MilkPoint, pelo link (encurtado) http://ow.ly/v5gS30njmUR.