Cientistas do Brasil e Austrália encontram 16 genes potencialmente associados à resistência do gado Nelore – principal raça para produção de carne no País – relacionada a mudanças do clima, que afetam o ganho de peso
O período seco do ano e a consequente queda na qualidade das pastagens afetam, consideravelmente, a produtividade do gado no Brasil. Somado a um cenário de mudanças climáticas, isso torna cada vez mais necessária a seleção de animais resistentes a variações nas condições ambientais.
É o que apontam pesquisadores brasileiros e australianos, em um artigo publicado na revista Genetics Selection Evolution. Juntos, eles chegaram mais perto de responder a esse desafio.
Os cientistas encontraram 16 genes potencialmente associados à resistência do gado Nelore – principal raça para a produção de carne no País – relacionada a mudanças do clima, que afetam o ganho de peso. Os genes candidatos estão ligados a processos biológicos como regeneração e diferenciação celular, resposta inflamatória e imunológica.
A pesquisa integra o projeto temático “Aspectos genéticos da qualidade, eficiência e sustentabilidade da produção de carne em animais da raça Nelore”, coordenado por Lucia Galvão de Albuquerque, professora da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias da Universidade Estadual Paulista (FCAV-Unesp), em Jaboticabal (SP). O trabalho foi realizado em parceria com pesquisadores da Universidade de Queensland, na Austrália.
Genótipo e meio ambiente
“Estudamos a interação entre genótipo e ambiente em gado Nelore com o objetivo específico de identificar animais menos sensíveis à variação ambiental. Sempre existiu uma preocupação em melhorar a média da produtividade dos animais, mas agora é preciso também identificar aqueles mais resistentes às mudanças no clima”, diz o pesquisador Roberto Carvalheiro.
Ele é o primeiro autor do artigo, que realizou parte do estudo em Queensland, com o apoio de Bolsa de Pesquisa no Exterior (BEP) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
“Essa deve ser uma preocupação sobretudo no Brasil, onde o gado é criado em pasto de diferentes tipos e em condições ambientais diversas. Ainda mais se levarmos em conta as mudanças climáticas globais”, comenta Carvalheiro.
Modelo de Normas de Reação
Para chegar aos 16 genes candidatos, os pesquisadores usaram o banco de informações do programa “Aliança Nelore”, que combina informações de diferentes programas genéticos da raça. Esse banco é mantido pela empresa GenSys, de Porto Alegre (RS), com dados genéticos e fenotípicos de diferentes características produtivas avaliadas em mais de um milhão de animais, de cerca de 500 diferentes rebanhos do Brasil, Paraguai e Bolívia.
Para padronizar a análise, foram considerados apenas animais com pais e mães conhecidos, de grupos contemporâneos – nascidos no mesmo rebanho, ano e estação do ano, do mesmo sexo e criados em um mesmo sistema de manejo – com um mínimo de 20 animais.
Todos tiveram ganho de peso entre 30 e 250 quilos do período do desmame (por volta de sete meses de idade) ao sobreano (17 meses de idade aproximadamente). No total, foram analisados 421.585 animais, de 9.934 grupos contemporâneos.
O conjunto de dados permitiu a análise da tolerância do gado não só por conta da quantidade de informações, mas também pela diversidade de condições ambientais e de manejo em que os animais avaliados são criados. A média anual de chuvas nas fazendas, por exemplo, pode variar de 700 a 3 mil milímetros anuais, dependendo da localização. A estação seca, em algumas regiões, pode durar mais de sete meses.
Temperatura e umidade
Trabalhos de pesquisa desta natureza, que contemplam a interação entre o genótipo e o ambiente, costumam adotar um índice que combina informações de temperatura e umidade para predizer a condição ambiental em que o animal foi criado. No entanto, segundo os pesquisadores, este índice é muito pouco preciso para predizer a qualidade nutricional do pasto, principal componente a afetar o desempenho dos animais no sistema de produção brasileiro.
“Quando inseminamos uma vaca, o bezerro só vai nascer depois de nove meses e meio e vai passar a produzir dois ou três anos depois. Conseguimos prever a quantidade de chuva daqui a duas semanas, mas não fazemos a menor ideia de como estará o pasto daquela fazenda daqui a dois anos. Por isso, queremos identificar os animais que não terão o desempenho tão afetado em uma condição inesperada”, disse Carvalheiro.
Para isso, o grupo avaliou o ganho de peso dos animais 10 meses após o desmame, uma das características mais afetadas pela variação ambiental e devidamente registrada no banco de dados. Normalmente, o desmame dos bezerros ocorre ao fim da época de fartura de pasto.
O período avaliado, portanto, é justamente quando há um período de seca e de pastagens de má qualidade. Após testar diferentes modelos estatísticos, os pesquisadores identificaram os chamados Modelos de Norma de Reação (RNM, na sigla em inglês) mais apropriados para analisar a sensibilidade à variação ambiental.
A análise estatística mostrou que não é linear a associação entre as regiões do genoma e as condições ambientais – que no estudo foram classificadas em três categorias: desafiadora (pasto bem ruim), média (melhor, mas ainda não ideal) e boa (pasto muito bem cuidado, raro no Brasil).
“Genes que indicam boa resistência do gado a uma condição que vai de desafiadora a média não são os mesmos que prevalecem nos gradientes médio a bom”, explicou o pesquisador.
Resultados
As estatísticas mostraram que, em ambientes desafiadores, genes normalmente associados com resposta inflamatória aguda, processos de diferenciação celular e proliferação de queratinócitos – células que produzem queratina, a proteína encontrada na pele e nos pelos – parecem desempenhar um importante papel na sensibilidade do gado.
Em humanos e camundongos, por exemplo, o gene REG3A é associado com o reparo de ferimentos e com a homeostase da pele, contribuindo para a defesa do organismo. Outro gene da mesma família, o REG3G, está relacionado com a defesa antimicrobiana do intestino e estratégias para manutenção da simbiose do organismo com a microbiota intestinal, o que seria um fator de proteção durante restrições severas de alimento.
Por outro lado, os genes mais associados com a resistência a ambientes não tão desafiadores (médio a bom) estão relacionados com respostas imunes e inflamatórias. Os genes IL4 e IL13 mostraram ser os candidatos mais plausíveis para esse tipo de condição ambiental.
Regulação do metabolismo
Eles compartilham uma gama de atividades em monócitos, células epiteliais e células B, ou seja, têm papel importante na defesa do organismo. Os genes já foram apontados em outros estudos, ainda, como relacionados à regulação do metabolismo de proteínas e à função muscular, entre outras questões metabólicas. No total, os 16 genes candidatos desempenham 104 processos biológicos diferentes.
Os resultados da pesquisa já podem ser aplicados nos rebanhos que abasteceram o banco de dados usado no estudo. Os touros que mostraram melhor desempenho em condições ambientais desafiadoras, por exemplo, podem ser selecionados como reprodutores e provavelmente terão descendentes mais resistentes às mudanças ambientais.
Ainda é necessário, porém, validar os resultados em outros rebanhos bovinos. Novos estudos devem verificar se os 16 genes candidatos também afetam a resistência à variação climática em uma população independente, de animais, que não fizeram parte da pesquisa, sejam Nelore ou de outras raças.